ECA se destaca no meio cinematográfico

De produções de TCC à série do Netflix, alunos de audiovisual ganham reconhecimento
Netflix promove coletiva de imprensa para a estreia de 3% com criadores, produtores e elenco presentes
Netflix promove coletiva de imprensa para a estreia de 3% com criadores, produtores e elenco presentes | foto: Giovanna Wolf Tadini

3% é a a primeira série brasileira da Netflix, e chegará ao serviço streaming no dia 25 de novembro desse ano. A história, com proposta de discutir a meritocracia, surgiu nos corredores do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da ECA-USP.

A produção é ambientada em um futuro pós-apocalíptico no qual apenas um parcela mínima da população – os 3% – tem chance verdadeira de sobreviver. Todo cidadão, ao atingir a idade de 20 anos, tem a chance de alcançar essa vida melhor, com a condição de que, para isso, tem de passar por uma série de testes e desafios.

A série, no entanto, não foi o único resultado prestigiado do departamento. “Nos últimos 50 anos, eu não estaria exagerando se eu fosse dizer que o núcleo duro do cinema paulista vem da ECA. Dá para dizer, numa boa, que somos grande parte do mercado paulista de audiovisual”, comenta Eduardo Santos Mendes, chefe do CTR. Segundo Mendes, o departamento gerou, e continua gerando, grande parte das produções do mercado nacional, além de críticos, historiadores e professores de cinema.  “A grande garota da moda de 2016, Anna Muylaert é uma ex-aluna da escola. O cinema paulista, de alguma forma ou de outra, passa por aqui.” acrescenta.

O departamento realiza cerca de 44 produções de curta duração, entre filmes de ficção e documentários, ao ano. Os filmes feitos no último ano da graduação são, geralmente, os que fazem mais sucesso. São projetos frutos dos Trabalhos Conclusão de Curso do alunos de Audiovisual. As produções são desenvolvidas, inicialmente, através de um semestre de PTO (Projeto Temático Orientado), e podem levar cerca de um ano para serem finalizadas. Para isso, o departamento auxilia os alunos financeiramente (parte da verba destinada ao departamento é para ajudar na produção dos filmes) e disponibiliza a infraestrutura e os equipamentos básicos necessário.

Segundo a chefia do CTR, essa quantidade grande de produção demanda verba, o que se torna um problema, já que eles têm que lidar com uma verba que julgam pequena. “Acho que esse problema não é só deste departamento, mas deve ser de todos os departamentos da ECA. Se você pegar a Fuvest, dos 10 cursos mais procurados pelo menos 5 são daqui. Essa procura pela escola é uma coisa que não se reflete, claramente, no orçamento que ela recebe”, comenta Eduardo, que ainda pontua que a verba também é limitadora da quantidade de filmes que produzem.

Neste ano, a ECA ganha mais prestígio com 3%. Na coletiva de imprensa do lançamento oficial, o criador da série, Pedro Aguilera, contou que a produção surgiu para concorrer em um edital do Ministério da Cultura, ainda quando estava na graduação. “Eu estava lendo os livros ‘Admirável Mundo Novo’ e ‘1984’, estava com distopia na cabeça. Pensei que seria legal se tivesse uma distopia aqui no Brasil, que lidasse com temas brasileiros”, disse. Aos 20 anos, desenvolveu a série em grupo com alguns colegas do curso, como Jotagá Crema, Daina Giannecchini e Dani Libardi. Os estudantes ganharam o edital, criaram uma websérie de sucesso no Youtube e depois atraíram a atenção de um executivo da empresa de streaming e a série foi comprada pela Netflix. Com um diretor mais experiente, César Charlone, mas ainda com as mesmas cabeças jovens por perto, 3% se passa em um mundo distópico, não tão distante do real, só que dessa vez a distopia é mais palpável ainda, porque tem Brasil.

Duque e diretores discutem produções em exibição no Sessões CTR | foto: Victória Del Pintor
Duque e diretores discutem produções em exibição no Sessões CTR | foto: Victória Del Pintor
Pesquisa fora do conceito tradicional

A USP é uma grande produtora de pesquisas acadêmicas. Sobre o spotlight dado às pesquisas que fogem do padrão acadêmico tradicional, Mendes comenta que “há, na Academia, uma valorização maior da pesquisa acadêmica, naquele conceito tradicional. Como estamos dentro de uma estrutura universitária, é mais fácil para ela ver a pesquisa científica tradicional, do que ver o que acontece ao lado deste tipo de pesquisa. É uma questão de hábito. Se começarmos a divulgar mais, acho que conseguimos ter mais resposta”.

Renato Duque, diretor da animação “Oceano” – projeto de conclusão de curso com identidade visual muito elogiada na Internet – diz que  “para fazer as artes, cinema, artes plásticas, música, desprende-se muito tempo, muito investimento, muita gente, e o retorno não é garantido. Os filmes demoram anos para serem feitos e não necessariamente vão ficar bons. A Academia é assim, é estudo”, completa. Ainda acrescenta que a sociedade exige muito dos artistas, não compreendendo que existe muito investimento para algo que pode ficar ruim. Isso, segundo o diretor, reflete o pensamento de uma sociedade muito pragmática.

Não só na USP, no Brasil como um todo, há pouca valorização do cinema quanto instituição cultural, enquanto outros países mais avançados entendem que o cinema é a carta de apresentação da civilização”, questiona Joel Yamaji, vice-chefe do CTR. A falta de atenção à cinematografia se mostra de forma direta na dificuldade financeira das produções. Mariani Ohno é recém-formada e diretora do filme “Sinistro”, um curta também produzido para TCC, recentemente indicado para um festival internacional em Moscou. Ela teve ajuda de cerca de R$ 3.500 do departamento, mas o preço de custo foi bem maior, o que a fez recorrer ao próprio bolso, a rifas e a fazer barraquinhas nas festas de quinta-feira na ECA. Para Mariani, o ideal seria ter essa quantia vinda do departamento e ainda assim receber estímulos para aprender dentro da Escola a captar verba, porque “isso no audiovisual é muito importante, a gente não é muito orientado nesse sentido aqui dentro, então os alunos acabam arranjando formas alternativas.”

Dificuldades existem mas o nome ECA ainda é forte no cenário nacional e internacional. A Escola faz parte da Confederação Internacional das Escolas de Cinema (Cilect) e também realiza co-produções com escolas de outros países, como China, Argentina, Bélgica e México. Além disso, o departamento envia filmes para festivais ao redor do mundo. O documentário “Feriado em Iporanga”, com direção e roteiro de Lorena Duarte, foi um dos selecionados para o Festival da Academia de Cinema de Pequim, na China. Lorena enxerga o festival como um momento importante na sua carreira e comenta que “o evento foi em uma universidade, então conheci os alunos, o estúdio, a sala de cinema, foi uma troca muito legal, deu para aprender bastante como é escola de cinema em outras partes do mundo.”

 

Por Giovanna Wolf Tadini e Victória Del Pintor