Eleições deixam terra arrasada para o PT

Cientista político se preocupa com falta de novas lideranças para representar a esquerda

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Segundo Fiore, discurso anti-político favorece pautas conservadoras | foto: Majo Campo

Danilo Cesar Fiore terminou neste ano seu mestrado em Ciência Política, e sua pesquisa sobre a influência das bases sociais e da interiorização no predomínio eleitoral do PSDB paulista ganha ainda mais relevância com o fecho do segundo turno das eleições municipais. Os vinte anos analisados pelo pesquisador (1994 -2014), ajudam a esclarecer o papel das influências políticas nacionais em frente à lógica local das eleições municipais.

JC: Qual o balanço geral que você faz das eleições municipais?

Fiore: Algumas coisas saltam à vista. Primeiro, uma derrota muito profunda para a esquerda, não foi tanto pela derrota do PT, que foi esperada, mas porque não entrou nada no lugar. O que se esperava do PSOL ter algumas vitórias importantes não aconteceu no Rio de Janeiro, Belém e outros locais. As forças de esquerda que tiveram vitória como o PCdoB e o PDT foram muito localizadas nos Estados em que eles têm governadores, e o PSDB que era o partido de oposição mais forte consegue uma vitória muito importante, sobretudo em São Paulo. Uma vitória acachapante que deixa um cenário de terra arrasada para o PT em São Paulo.

Por outro lado, tem a questão de um discurso fortemente anti-político. Eu tenho um pouco de dúvida ao falar sobre abstenção. Precisamos de mais pesquisas para entender melhor como o recadastramento eleitoral pode afetar isso. Mas é fato que aumentou muito o voto nulo e branco. Um fenômeno que não é só brasileiro, mas que foi muito presente nesta eleição.

Se você falasse que há 4 anos quem seria prefeito de SP, RJ e BH seria um candidato fortemente ligado à uma igreja, como um pastor; o Doria, um empresário que declaradamente se diz apolítico; e em BH um cartola, alguém diria que você estaria louco. E foi o que aconteceu. Acho que todos eles têm essa característica de se dizer fortemente anti-políticos.

JC: E você acha que era esperado isso?

Fiore: Acho que sim. O acho que o PT já vinha com uma desaprovação e esperava uma derrota muito profunda. O PSDB talvez tenha sido positivamente surpreendido. Acho que o próprio Alckmin e as lideranças não imaginavam que teriam essa performance. E a questão da anti-política estava colocada. A própria questão da Lava-Jato. Há um repúdio de toda a política. Mas o discurso antipolítico atinge mais fortemente a esquerda, que quer politizar as questões e acaba sendo fragilizada.

JC: Quais os principais motivos que levaram a esse resultado?

Fiore: É uma conjunção de fatores. Primeiro há a crise econômica. A crise econômica tem um impacto muito forte, porque de fato foi muito pesada e estamos em um ano de recessão depois de um contexto em que se teve um forte crescimento da economia e aumento da renda. Em segundo, a crise política em si foi uma tempestade perfeita. Há um desgaste gigantesco. O Impeachment deixou uma imagem muito negativa de um governo corrupto que apoiava a corrupção. Talvez nem tanto a figura da presidente, mas um governo que se sustentava na corrupção. A duas coisas criaram um caldo de cultura perfeito. É muito difícil um partido que era governo que passou por essas duas crises na sequência se manter.

JC: Muito se fala que o PSDB lucrou nessa história. A sensação da população é mais uma nostalgia do passado ou uma lógica anti-PT?

Fiore: São coisas distintas. Há uma agenda colocada, que podemos chamar de neoliberal, de redução do Estado. Há uma agenda anti-PT no sentido do que o governo do PT representava. Se o PSDB capitalizou isso no seu discurso, ou por ser o opositor natural, em um cenário onde um partido está muito desgastado numa democracia, o outro partido vai ocupar esse espaço. Nesse sentido, outro aspecto que salta a vista é que o PMDB, que é um outro partido que está no governo, não teve uma projeção tão grande. Talvez o eleitorado tenha entendido que o PMDB não é o pólo anti-PT. O PSDB de fato representa isso. Não sei se é muito por oposição, ou se pelo fato de o eleitorado estar comprando uma agenda mais liberal. Na cidade de São Paulo é o que parece. Pela primeira vez um candidato do PSDB faz um discurso fortemente privatista, na linha de redução do estado, e ganha. Ele teve uma vitória acachapante. Isso era um tabu para o PSDB, porque toda vez que ele ia para disputa presidencial, ele tinha um pouco de receio. Não acho que isso seja uma surpresa, porque quando você pega os dados da eleição de 2014, já se percebia que o PT estava com muita dificuldade nas periferias de São Paulo, nos setores urbanos de menor escolaridade e renda, em que o PT costumava ser muito forte. Isso já mostra que não é um raio no céu azul. Já havia um percurso nesse sentido. Precisaríamos ver em uma eleição presidencial. São níveis diferentes, já que uma eleição municipal há muito das questões locais. Se de fato é um discurso que está ganhando espaço que vai ter uma aderência eleitoral ou se é um repúdio generalizado ao PT, precisamos de mais eleições para descobrir isso.

JC: Em sua tese você menciona uma lógica diferente para as eleições municipais. Mas elas compartilharam resultados muito semelhantes. Como explicar isso?

Fiore: Aí no caso, temos que olhar o caso do Estado de São Paulo. Onde o Alckmin fez uma manobra arriscada que não é do feitio dele, uma aliança com o PSB muito forte com o Márcio França, para lançar um projeção nacional. Então em São Paulo, a dinâmica da disputa local foi influenciada fortemente por esse projeto do governador. A cidade de São Paulo, Ribeirão Preto, assim como as maiores cidades do Brasil, por exemplo, têm mais influência pela questão nacional. Mas é difícil mensurar se as questões locais ou nacionais são predominantes, depende da situação específica da cidade. Em SP, como aqui foi o centro das manifestações, tem um antipetismo muito forte arraigado aqui, recente. Então de fato essa questão nacional acaba muito colocada.

JC: Muitos dos jovens de esquerda estão buscando alternativas em outros partidos como o PSOL. São partidos com propostas de esquerda diferentes, ou é só uma jogada política? E qual o caminho que a esquerda deve tomar?

Fiore: Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Quando você diz esquerda, você pode pensar em muitas frentes, precisa dizer por exemplo do movimento dos secundaristas. É uma coisa nova, que não se esperava, que está acontecendo fortemente e que não se sabe o que esse movimento vai carrear. Ele vai se institucionalizar em um partido? Acho difícil, ele tem outros tipos de formas, outros jeitos de se colocar e fazer sua luta política Esse é um fecho da esquerda que está achando o caminho dele. Os partidos, precisam encontrar uma quadratura do círculo. Essa coisa meio impossível. O PT tinha uma certa hegemonia no campo, mas agora está com uma dificuldade tremenda. Precisa se reerguer sem ter mandatos, pode ficar um partido minúsculo, e isso dificulta a capacidade de mobilização dele. O PT tinha um projeto nacional muito claro, e se esperava isso do PSOL que não se configurou nessa questão. O PSOL ainda é muito um partido de quadros pontuais em certas localidades.  

JC: Quase um terço do eleitorado em nulos e brancos. Como isso afeta o rumo das eleições?

Fiore: Acho que a abstenção precisa ser analisada em cada local. Eu li alguma coisa sobre locais onde houve recadastramento e o índice foi menor. Então talvez seja mais uma questão da qualidade do dado.

Mas em São Paulo votos nulos e brancos aumentaram bastante. No Rio houve campanhas por votos nulos. Acho que é a mesma situação, uma descrença muito grande da população, uma situação que nesse sentido específico parece um pouco com a dos anos 80, com o repúdio aos políticos, na qual o sistema não conseguia dar vazão, seja pela crise econômica em si, seja por falta de um estado minimamente ético, transparente. Uma questão importante também é que mudaram as regras eleitorais para esse ano. A campanha foi menor, havia uma tentativa de despolitização das campanhas e os candidatos tiveram menos tempo na tv. Todas essas situações criaram uma campanha sumida da rua.

JC: Como recuperar o eleitor que está descrente?

Fiore: É um desafio de todas as democracias do mundo. Nos lugares onde o voto é facultativo, os índices de abstenção são altíssimos. No Brasil, nunca foi baixo. Acho que é do jogo, precisamos entender isso. É algo negativo, mas também algo que sempre vai existir. As opções estão aí e tem gente que não vai se sentir confortável e, seja por uma razão qualquer, vão se alienar do processo. É algo que tem que ser olhado com cautela, mas não se pode achar que é o fim do mundo. O Brasil tem uma tradição eleitoral importante. Mesmo nos momentos de autoritarismo, o Brasil sempre teve muitas eleições. A eleição tem uma importância no calendário político brasileiro e no imaginário nacional. O maior movimento antes do Impeachment foi o das Diretas Já. Quero dizer, um movimento civil para votar. Bem ou mal, com todos os problemas, houve um número grande de pessoas ainda que foram votar.

JC: Arrisca algum palpite para 2018?

Fiore: Geralmente Cientista político dar palpite em qualquer cenário é de uma temeridade absurda. O sistema político está muito fragilizado. As bases que ele tinha constituído de 94 até 14, com PSDB e PT fazendo oposição, e o PMDB no meio, implodiram. A forma como o Impeachment foi conduzido deu a entender que um governo que bem ou mal é impopular pode ser apeado do poder se ele perder base parlamentar e isso pode trazer riscos para a democracia que a gente não sabe. O governo Temer bem ou mal está se consolidando. Só que existe a Lava Jato que está toda hora soltando notícias e a gente não sabe até onde isso pode ir, quem vai atingir, se vão ter lideranças que serão atingidas do PSDB… do PT não preciso nem falar, o Lula está completamente imobilizado em relação a isso. As três lideranças do PSDB foram citadas, umas mais outras menos, e se sair uma delação grande como se espera ela pode atingir todos os partidos e isso cria uma incerteza muito grande. Um cenário de instabilidade e caos político. Não está claro ainda. Até não arriscaria dizer que a esquerda talvez tenha uma candidatura competitiva se o governo Temer for muito impopular até lá. A partir do momento em que talvez as reformas não tão populares tenham alguma ressonância para baixo, as pessoas começam a demandar. Quero dizer assim, esse vácuo [da esquerda] em algum momento vai ter de ser preenchido, porque é importante, tem todo um setor da sociedade que precisa ser representado por essa linha, por esse segmento.

Acho que tudo varia em função de como é que o governo Temer vai conseguir se estruturar. São três cenários para que a gente precisa olhar: como é que ele vai conseguir se estruturar em relação à crise econômica e em relação à essa agenda de reformas; como é que a Lava Jato o atinge, se ela continua, se ela vai atingir outros atores políticos para além do PT, e acho que é preciso olhar para outros atores em disputa, como a Marina Silva, que carrega essa crítica de como a política é feita, a nova política, sem fazer nenhum juízo de valor. Será que ela vai conseguir se estruturar como liderança, e vai conseguir se colocar?

Eu, preliminarmente, diria que o PSDB está muito na frente porque se você olhar os mapas do partido, você vê que ele está estruturado para ir para a eleição. Quero dizer, então é quem está mais ou menos estruturado, tem um discurso, um projeto nacional claro. O PT precisa se reencontrar, e o PMDB, apesar de estar em um governo muito relevante, está muito enfiado na Lava Jato e é uma sigla muito dividida. Usando um pouco a analogia do professor Marcos Nobre (docente de Filosofia da Unicamp), ele é um condomínio de interesses. Para conduzir esse processo ele tem essa dificuldade, gerando muitas arestas internas. Ele tem dificuldade porque são muitos grupos de interesse, e precisa equacionar muitas elites regionais, o que é difícil. Então, se fosse para dar um palpite aqui sem maiores pretensões, eu diria que o PSDB está na frente, a depender dessas questões, pois o cenário ainda é muito instável.

O que eu espero, como cidadão e como alguém que preza pela democracia, é que não haja nenhuma ruptura no sentido de cancelar eleições, coisas do tipo. É uma esperança. Espero que não aconteçam coisas que a gente já tinha superado, como outros fatores não-democráticos… Mais uma vez, nossos políticos têm muitos problemas, nosso sistema político tem muitos problemas, nossa democracia é muito desigual, nossa democracia tem uma questão séria sobre financiamento, entidades privadas, e a gente precisa discutir isso… Nossas lideranças estão muito desgastadas, mas é o que temos. Bem ou mal, os avanços recentes que a gente teve no Brasil foram muitos, de todos os partidos. Se a esquerda teve um papel foi por causa desse ciclo democrático, que eu não tenho dúvida, foi muito mais bem-sucedido em inclusão, em estabilidade e outras coisas do que em nossos períodos autoritários anteriores. A gente deve ter como um mantra que a democracia no Brasil precisa sobreviver. Esse é um valor que precisamos carregar porque sabemos que existem atores que não prezam por isso. Não podemos embarcar em uma tentativa autoritária de qualquer setor de qualquer espectro político, mas é um valor que bem ou mal ficou desgastado pelo processo de impeachment, por como ele foi constituído. Não acho que foi uma marca indelével, mas esse soluço que aconteceu. Não sei se posso chamar assim, se estou sendo simplista, se estou lendo a coisa com menos verdade que ela teve, mas acho que isso gerou um receio para que a nossa democracia possa enfrentar alguma adversidade mais adiante. Espero que não. Que tenhamos capacidade de resolver nossas questões, até 2018, dentro do jogo democrático.