Nem tudo flores, nem tudo espinhos

O fim do semestre e do ano começam a bater a porta e, como de praxe, já começo a fazer um balanço do que foi o ano que está nos deixando e do que eu quero para o ano que se aproxima. Dia desses, uma dessas reflexões deixou-me melancólica, uma nuvem de impotência tomou-me e me deixou cabisbaixa. O que, de fato, foi 2016? E o que devemos esperar para 2017?

Não me esqueço que, mais ou menos a essa mesma época do ano passado, diversos memes circulavam pedindo o fim imediato de 2015. Mal sabíamos o que nos aguardava no tão aclamado 2016. O ano mal havia dado as caras e já mostrou ao que veio: David Bowie nos deixava no dia 10 de janeiro. Apenas quatro dias depois, Alan Rickman, o nosso amado Severus Snape – sim, parece que já faz mais tempo, eu sei, mas aconteceu esse ano. Eles não foram os únicos, durante o ano outras figuras importantes e amadas também partiram: Muhammad Ali, Rubén Aguirre (o querido Professor Linguiça), Elke Maravilha; algumas também nos causaram choque, como a morte de Domingos Montagner.

Até o momento em que esse texto saiu na edição impressa do JC (dia 22 de novembro), esperávamos que mais ninguém nos deixasse neste ano. Grande engano. Fidel Castro, um dos maiores líderes políticos do século XX, deixa o mundo, ironicamente, numa Black Friday. E, se o luto para muitos já não fosse o suficiente, o Brasil acorda com o coração e a alma doídos após um acidente causar uma das maiores tragédias do futebol mundial. Terça feira, 29 de novembro, o avião que transportava a delegação da Chapecoense para a tão sonhada (e comemorada) final da Copa Sul Americana, se acidenta na Colômbia, matando 71 pessoas. Entre elas, a tripulação, dirigentes do futebol, comissão técnica do time, colegas jornalistas e os jogadores. Muitos dos passageiros estavam no começo da carreira, cheios de sonhos interrompidos, muitos dos quais começaram com a classificação para a final do campeonato continental.

O choque foi geral, assim como a comoção e a mobilização, que rodaram o mundo. Para quem vive e respira futebol, foi impossível não se emocionar ao ver as homenagens dos times, não só brasileiros, mas do mundo todo. É difícil para muitas pessoas entenderem, no dia a dia, como existem tantos apaixonados pelo futebol, “é só futebol, só 11 caras correndo atrás de uma bola”. É, e essa é uma resposta difícil, muito difícil de dar, é muito difícil explicar esse sentimento. Talvez só consigamos chegar perto da resposta perfeita ao ver ações como a do Atlético Nacional de Medellín, contra quem seria a final, que pediu que a Conmebol declarasse a Chape como campeã da Sul Americana. Ações como a dos times nacionais, que disponibilizam seus próprios jogadores; como a do Palmeiras, já campeão, que pede à CBF e aos seus próprios patrocinadores que jogue com a camisa da Chape seu próximo jogo; como a do Corinthians, que veste sua página principal de verde (cor historicamente proibida no clube) em homenagem ao Verdão do Oeste.

Num ano de tanto ódio, de um povo brasileiro tão desunido, separado, a Chapecoense, em vida, unia torcedores rivais torcendo por ela, para que ganhasse a América. Agora, une diversos amantes e não amantes do futebol, em luto.

Na política, ataques voltaram a estampar as principais notícias, alguns com mais, outros com menos destaque, mas todos igualmente cruéis: Indonésia, Paquistão, Turquia, Bruxelas, Orlando, França, Alemanha, entre tantos outros. A crise dos refugiados se agravou, pessoas de distintas convicções se preocuparam: tanto os que tinham medo da “invasão” desses aos seus países, quanto os que tinham medo pelo futuro deles. E, enquanto isso, do outro lado do oceano, uma figura que, com certeza, terá um papel relevante nessa questão, se lançava como candidato à presidência da maior potência mundial pelo Partido Republicano: Donald Trump.

O mundo acordou perturbado no dia 9 de novembro com a notícia do novo presidente dos ianques. Conhecido por suas frases polêmicas e posicionamento radical, Trump será o 45º presidente dos Estados Unidos. Apesar de muitos jornais apontarem, previamente, Hillary Clinton como vencedora, o pensamento conservador levou a melhor: dos eleitores de Trump, 53% são homens, 58% são brancos, 53% têm mais de 45 anos e 52% não têm ensino superior. Porém, com seu sistema eleitoral diferente, a maioria em votos, em números, não foi contemplada, sua presidenta não foi eleita. Não à toa, os grupos que Trump mais ataca são seus opositores: mulheres, negros, latinos. Mas erra quem pensa que a ameaça fica só aí, o aviso se estende para o mundo – se uma das primeiras ações dele no poder será “mandar de volta” até 3 milhões de imigrantes, imagina quais serão as ações para barrar aqueles que, futuramente, tentarem entrar na terra prometida ou qualquer um que ameaçar o american way of life.

Em terras tupiniquins, o cenário também se configurou preocupante. Já no início do ano, nos entupimos de repelente: o medo de pegar o tal do zika contagiou não apenas os brasileiros, mas qualquer gringo que colocasse ou fosse colocar aqui seus pés.

Na política nacional, manifestações populares deram forças a um Congresso corrupto e hipócrita, que tirou uma presidenta e colocou outro em seu lugar, como se troca de celular – até mais rapidamente, o meu que o diga. Porém, sem entrar no mérito da ação do impeachment em si, logo de primeira, o anúncio: dentre os ministros do novo presidente, nenhuma mulher e nenhum negro. O povo brasileiro, tão diversificado e plural, representado erroneamente no perfil do homem, branco, mais velho, hétero. Temer, diferentemente de Trump, não dissemina seu ódio em redes nacionais, mas, concordemos, igualmente ao colega ianque, não possui um grande amor pela diversidade e pelas minorias e também não representa politicamente a maioria de seu povo.

O ano pode ter sido – e foi – uma sequência de lástimas, mas não só de dramas se montou o enredo de 2016. No meio do ano, o Brasil recebeu os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Vivi pouco ainda, carrego apenas 20 anos nas costas, mas posso dizer que, nesse tempo, jamais vi as pessoas tão empolgadas e felizes – parecíamos carentes desde a Copa de 2014 e seu inesquecível desfecho. Os Jogos trouxeram uma grande alegria já na sua abertura, e a sua continuidade não foi diferente. Torcemos, pulamos, brincamos, mostramos para o mundo que povo maravilhoso que somos de verdade, não aquele mal representado por nossos políticos. E fomos tão maravilhosos que os Jogos mal acabaram e o presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional) afirmou que repetiria a dose – vamos torcer que sim!

Já ouvi alguns amigos falando que o ano de 2016 representa, na astrologia, o fim de um ciclo e o início de outro. Não sei, sinceramente, se essa informação é verídica, mas torço para que sim e que esse tal novo ciclo não seja um reflexo da onda de conservadorismo que avança. Não há como saber, é verdade, só nos resta esperar , torcendo, e viver, procurando achar as coisas boas. Como bem canta Chico Buarque, amanhã há de ser outro dia.