Solidariedade vence barreira da inclusão

arte: Aline Naomi
arte: Aline Naomi

Através de uma parceria entre sua escola de origem, a Universidade Nacional de Córdoba (UNC), e a Universidade de São Paulo, o estudante argentino Octavio Carreño pôde cursar parte de sua graduação em Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Uma bolsa oferecida pela UNC viabilizou a compra das passagens aéreas e garantiu sua estabilização na maior cidade da América Latina.

Carreño revela que foi justamente isso que o fez escolher o Brasil e mais especificamente São Paulo: “A profunda convicção de que os povos latino-americanos devem estar unidos”. Ele acredita que os povos da América não anglofônica compartilham a mesma história, desde a formação dos Estados, os processos de colonização e a conexão entre as relações geopolíticas. Durante os seis meses de intercâmbio, Carreño conviveu com seus equivalentes lusófonos e desenvolveu, segundo ele, “uma grande admiração e gosto pelo Brasil e pelo povo brasileiro”.

Octavio era de fato equivalente aos colegas do curso de jornalismo, mas com uma única diferença: a deficiência visual. Muito provavelmente, segundo ele mesmo, o único de toda a ECA no período. Um único em meio a tantos estudantes, era de se esperar que o intercambista se sentisse afastado e discriminado. Não é o que ele revela, entretanto. Durante sua estadia, Carreño garante que jamais se sentiu discriminado. “O máximo eram algumas piadas sobre futebol, mas isso faz parte do folclore latino-americano”, conta bem-humorado. “Sempre que fui tratado de maneira diferenciada, percebi que queriam me ajudar, nunca prejudicar”.

Quanto à estrutura física da Universidade, o estudante argentino afirma que achou apropriada e condizente com suas necessidades. A única ressalva que ele faz diz respeito à moradia estudantil (CRUSP) que disponibiliza somente dois apartamentos para pessoas com deficiência: um para homens e um para mulheres, sendo que em cada apartamento podem morar apenas duas pessoas. “Acho preocupante que este fato não ganhe a devida notabilidade. O número de vagas para deficientes é muito baixo, apesar do pequeno número de pessoas com deficiência da USP”, ressalta.

Uma preocupação constante para os deficientes uspianos é o deslocamento, dado o tamanho do campus e a segurança por vezes questionável da Cidade Universitária. Neste sentido, Careño também ressalta a qualidade do serviço de transporte prestado pela USP. “A Guarda Universitária disponibiliza um serviço de translado dentro do Campus, das 6 às 21 horas. Mas fora destes horários os carros de patrulha cumprem esse serviço, só é preciso ligar”, comenta. Como durante as noites e madrugadas é praticamente impossível conseguir informações e orientações de outras pessoas, Octavio acredita que o serviço é fundamental. “Ainda mais para os cadeirantes. Não é fácil para eles se deslocarem pela USP”.

Sobre os docentes que teve durante os seis meses de estadia no Brasil, Carreño é categórico ao ressaltar seu esforço e comprometimento para resolver quaisquer questões, tanto referentes às suas necessidades específicas (como disponibilização de textos digitais) quanto às referentes à sua origem estrangeira. “A ECA, por outro lado, não tem nenhuma política de acessibilidade para digitalização de textos quando um cego precisa. Acredito que o fato de não existirem cegos na Escola impede que eles criem um plano de inclusão”, afirma. Segundo ele, a boa vontade dos professores em fornecer os textos digitalizados foi imprescindível para a plenitude da experiência.

Finalmente sobre os colegas de turma, Octavio assegura que nunca sofreu nenhum tipo de preconceito, seja pela origem argentina, seja pela deficiência visual. Ele aponta, entretanto, que os estudantes podiam ter sido mais calorosos e receptivos fora da sala de aula. “Achei os estudantes um pouco fechados para transcender o estritamente acadêmico”. Sobre a experiência como um todo, garante que o Brasil e seu povo o conquistaram em todos os aspectos, mas conclui: “Se houvesse um pouco mais de igualdade e justiça social, seria o paraíso”.