Tendência conservadora divide opiniões na Universidade

Depoimentos revelam preocupação com situação político-social do Brasil e do mundo

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Ilustração: Natalie Majolo (Tuxa)

Nos Estados Unidos, Donald Trump é candidato forte à presidência. Na Alemanha, o partido de centro-direita de Merkel perdeu eleições para a direita anti-imigratória.  Na América Latina, governos de esquerda são substituídos por governos conservadores. A Inglaterra, em uma guinada nacionalista, decide sair da União Europeia. A tendência conservadora que vem ganhando força nos países desenvolvidos não está distante do Brasil, e nem da Universidade. Enquanto os discursos de ambos os lados se polarizam, alunos e funcionários da USP também se encontram divididos sobre a situação política no país e no mundo.

Não é de hoje que se observa no globo momentos mais progressistas ou conservadores. Sérgio Adorno, sociológo e coordenador no Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade, explica que o conservadorismo aparece com muita força sobretudo nos períodos pré-revolucionários, e que foi se diversificando à medida em que a sociedade foi se tornando mais complexa. “Esses modelos [de direita e esquerda tradicionais] vão se embaralhando, e isso foi se tornando cada vez mais complexo, pelo fato de que hoje você tem cada vez mais um sistema de circulação de pessoas e de ideias que não se restringe mais a uma esfera nacional, é globalizada. É muito difícil hoje se falar em onda conservadora, porque você vai encontrar traços de conservadorismo no pensamento da esquerda, por exemplo”, afirma. “Hoje você tem grupos que são muito conservadores do ponto de vista social e político. E muitas vezes você tem setores que são razoavelmente liberais do ponto de vista dos comportamentos, mas que, politicamente, não desejam mudanças que colocam seus privilégios em cheque”.

O docente também explica que o conservadorismo é marcado por um forte desejo de resgatar o passado, visto como uma época melhor do que o presente. Nesse sentido, não é de se espantar que o republicano Donald Trump fique prometendo “tornar a América ótima de novo” (“Make America Great Again”, seu slogan de campanha). “O que é característico do pensamento conservador é a nostalgia do passado, a ideia de que o passado é bom, o presente é ruim, e que, portanto, temos que reatualizar o passado no presente”, afirma Adorno.

No Brasil também

Não é só lá fora, porém, que os que setores mais tradicionais ganham força. Também no Brasil é possível identificar traços de conservadorismo em diversas medidas em processo de aprovação pelo Legislativo. Duas das mais polêmicas estão inseridas no contexto da educação: a Reforma do Ensino Médio e as baseadas no movimento Escola Sem Partido (segundo o qual professores não poderiam expressar sua posição política em sala de aula e teriam de lecionar de maneira “isenta”).

Louise Guimarães, estudante de Letras da FFLCH, vê o conservadorismo no país como algo preocupante quando certas medidas acabam sendo impostas à sociedade: “Quando, por exemplo, na educação acabam sendo proibidas algumas discussões que seriam extremamente necessárias para a ampliação das liberdades individuais, como as discussões de gênero”, afirma. “Mas por outro lado, acredito que essas discussões são algo que vemos em países mais desenvolvidos. Aqui precisamos olhar primeiro para as questões mais básicas, mas também sem deixar isso de lado”.

Para Ian Carvalho, o conservadorismo ganha força no país como uma espécie de contrarreação ao governo do PT (Partido dos Trabalhadores): “Eu acho que tudo começou muito com uma culpabilização do PT. Não que o PT tenha seguido todos os caminhos certos, mas, com a tentativa de rompimento com o PT, uma série de outras coisas surgiram, como a questão da Escola sem Partido, que é mais uma alienação do que escola”, diz. “Mas eu fico feliz de ver como existe uma reação em sentido contrário, como a dos secundaristas. Eu sou bolsista aqui da USP, então qualquer questão que impacta na educação me impacta diretamente, eu dependo da bolsa pra fazer as coisas no meu dia a dia”.

E a USP?

A questão impacta o dia a dia também dos estudantes e funcionários da USP, direta ou indiretamente. Para Diego Escalada, do curso de Letras da FFLCH, a polarização entre direita e esquerda afeta suas relações pessoais, e o estudante percebe a falta de diálogo entre ambos os lados no seu cotidiano: “A informação ainda parece ser unilateral, porque você não consegue congregar esses dois lados. Isso me afeta porque eu tenho contato com pessoas de fora da Universidade, e às vezes eu vejo que há um tabu que eu sei que não posso passar daquele limite”, relata.

Fernanda Parodi, estudante de engenharia elétrica da Escola Politécnica, relata que a situação não chega a afetar seu cotidiano por estar em grupo privilegiado, mas que são questões que têm impacto na maioria da população: “Eu tenho o privilégio de ser branca, heterossexual, então isso me afeta muito pouco e eu sei disso. Mas eu sei que tem muitas pessoas por aí que são afetadas por isso, e é um problema muito grande pra elas”.

Já para Julio Assis, também aluno de Engenharia Elétrica, a polarização não é necessariamente algo negativo: “Acho que a gente passou por um período grande de gente que não era extrema em nada, o que eu também acho um pouco ruim. Porque o pessoal fica só no meio termo, sem tomar grandes atitudes”. O estudante diz que alguns discursos não fazem sentido, mas realça que acha importante as pessoas estarem decididas quanto ao que querem: “Se forem para ser extremas, que sejam extremas de verdade. Mas espero que sejam com coisas que façam sentido”.

Nilson de Oliveira, funcionário da Escola Politécnica, pensa que um governo menos centrista e mais rígido poderia ajudar o país, sobretudo quanto à criminalidade: “Não adianta entrar no governo como protetor e no final não proteger ninguém. O governo diz que é democrático, mas, na minha opinião, não é. Eles usam a democracia. PT é um partido da esquerda, e usa a democracia. O Comunismo é de esquerda, e sumiu nesse país. Então não adianta prometer uma coisa e não cumprir”.

Para a maioria dos entrevistados, a situação política do país é algo do qual preferem se distanciar no seu dia a dia, ainda que os preocupe. “Eu escolhi me alienar por vontade própria, por sanidade mental, para não acordar chorando todas as manhãs”, afirma Iasmin Ogata, estudante de Arquitetura. Já Fernanda, estudante do Instituto de Física, acha que essa tendência conservadora pode ser o resultado de uma maior conquista de direitos por parte de minorias: “O que eu acredito é que estamos caminhando para uma mudança. Por exemplo, na Física, não é muito comum ter mulheres, mas a gente teve a semana da licenciatura e teve uma mesa só para discutir mulheres na ciência. Então eu vejo que, ao mesmo tempo que está ficando mais perceptível essa sociedade conservadora, com valores brancos e burgueses, também estão tendo mais ações para conscientização e para mudança desse cenário”.