Tensão política deixa Venezuela dividida

Intercambistas vindos do país falam sobre as dificuldades na obtenção de comida e remédios
arte: Natalie Majolo
arte: Natalie Majolo

Diante de uma grave crise econômica e política em seu país, os venezuelanos estão polarizados e buscam apoio nas poucas informações precisas que recebem. Tamanho desencontro é resultado do estado em que a Venezuela se encontra: uma nação que sofre com uma onda de fome e turbulências sociais.

Esse cenário foi o que acarretou o recorde de migrações para o estado de Roraima (RR) – que faz fronteira com o país, tendo como porta de entrada a cidade Pacaraima. Segundo dados do Conselho Nacional de Refugiados (Conare), do Ministério das Relações Exteriores, Roraima recebeu cerca de 600 pedidos de refúgio de venezuelanos só nos oito primeiros meses de 2016. Se levado o conta todo o território nacional, esse número ultrapassa os 2200.

Esse tipo de visto é concedido somente em caso de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas do país de origem. Mas também serve em casos de pessoas vindas de países onde há violações dos direitos humanos, como a Venezuela. Sem contar aqueles que cruzam a fronteira diariamente em busca de comida.

Diante do crescimento desse fluxo, a reportagem do JC entrevistou dois alunos intercambistas venezuelanos da Escola Politécnica (Poli) e um pesquisador da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) que nos contaram um pouco sobre o cotidiano no país e como anda a situação social na terra do chavismo.

Um caos social

Migyael Guillermo Torres Vieira, aluno vindo da Universidad Simón Bolívar, na cidade de Baruta (Venezuela), conta que os serviços públicos andam falhos e não há tolerância no território venezuelano. “Neste momento, a população está muito dividida, tem muito ódio entre as pessoas de um partido e de outro. Tem muita violência e as pessoas não vivem mais com qualidade de vida porque o salário não é suficiente”.

Toda a família e boa parte dos amigos de Ramon Felipe Duque Rodriguez ainda residem na Venezuela. Ele deixou o país rumo à Espanha em 2008, estuda na Universidad Politécnica de Madrid e afirma que o povo venezuelano sofre enfrentando longas filas em busca de alimento. “Não tem comida suficiente para o povo, então o que chega aos supermercados é racionado. E, depois de esperar por muitas horas nas filas, eles ainda pedem que você mostre um documento na hora da compra”.

A situação atinge inclusive a área da saúde. Os dois estudantes apontam que faltam medicamentos para os pacientes e, quando há, os preços são muito elevados. “Minha família pediu alguns remédios que faltavam, mas não pudemos ajudar porque medicamentos não passavam pela alfândega”, conta Ramon.

Economia venezuelana

Na visão de Wagner Iglecias, professor-doutor da EACH especialista em políticas públicas na América Latina, a situação da população venezuelana é bastante difícil. “A população sente cada vez mais as dificuldades de cotidianas de viver em um país com inflação altíssima e queda da atividade econômica”.

A base da economia da Venezuela é quase que exclusivamente a produção e a exportação de petróleo. Portanto, as oscilações que essa commodity sofreu nos últimos anos tem ocasionado desequilíbrios intensos no país que é tido pelo FMI como “a inflação mais alta do mundo”, podendo chegar a 2200% em 2017.

Para além da questão do petróleo, Iglecias aponta outros fatores como motivadores da crise econômica. “Erros na condução da política econômica acumulados ao longo dos anos e a guerra econômica promovida por parte do setor privado contra o governo também contribuíram muito para a deterioração da economia do país”, elenca ele.

Maduro e a oposição

Recentemente, o Vaticano anunciou que mediaria o diálogo entre Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, e a oposição. A intenção é tentar chegar a um acordo que ajude o povo a superar a conjuntura que o país atravessa agora.

Essa polarização vem de anos e foi sustentada tanto pelo chavismo quanto pela oposição de direita. “Ela começou, efetivamente, quando Hugo Chávez promoveu alterações na distribuição das receitas de exportação do petróleo para viabilizar o financiamento de políticas sociais destinadas aos mais pobres”, explica Iglecias.

Depois da tentativa de golpe sofrida por Chávez em 2002, as relações entre governo e oposição só se deterioraram e se mantiveram embasadas no conflito entre os setores populares beneficiados pela políticas sociais do governo e as classes mais altas.

Migyeal acredita que “o diálogo é uma mentira do governo para tirar atenção das tensões do país e acalmar o povo, que já está cansado”. Ramon completa afirmando que muitas pessoas afirmam amar Chávez e não gostam de Maduro. Esse desgaste tem dado força para a oposição, que já é maioria na Assembleia Nacional.

O professor Iglecias crê que a população vê essa negociação com um misto de esperança e desconfiança. “Esperança de que a aproximação possa render um pacto político que permita ao país retomar a normalidade e desconfiança porque a polarização entre os dois lados é enorme”.

Alguns setores da direita querem que a oposição se retire da mesa de negociações, o que só comprovaria a tendência inicial de que dificilmente  se chegaria a um acordo. “O problema, no caso, é que parte da oposição não aceita, em nenhuma hipótese, que Maduro governe até o último dia de seu mandato e menos ainda que concorra à reeleição”, afirma o pesquisador.

Se as negociações de fato avançarem, o país deve ter um alívio na crise em que está mergulhado. Contudo, se elas forem encerradas, Iglecias acredita que o julgamento de Nicolás Maduro na Assembleia Nacional (onde a oposição tem maioria), deve ser retomado.

Segundo ele, a Constituição não autoriza a Assembleia a destituir o presidente da república, mas essa medida deve intensificar ainda mais as tensões políticas.

Encaminhado o acordo, o pesquisador acredita que o governo deve seguir se projeto levando em conta algumas sugestões feitas pela da oposição. “Caso as negociações fracassem, Maduro deverá reforçar o discurso de que buscou o diálogo e que se a paz não pôde ser estabelecida neste momento, isto deveu-se à oposição”.