JC checa respostas de Zago sobre a USP

Em entrevista, reitor fez afirmações sobre a crise da Universidade. O Jornal do Campus verificou.

O reitor da Universidade de São Paulo, Marco Antônio Zago, concedeu entrevista ao jornal Valor Econômico, que foi publicada na edição do dia 25 de outubro. Nela, Zago discorreu sobre as atuais condições financeiras da instituição e a aproximação com a McKinsey, empresa global de consultoria composta, segundo ele, por “empresários bem-sucedidos que foram alunos da USP”.

Durante a entrevista, o reitor enfatizou que as consultas prestadas não significam que a Universidade, que vive crise orçamentária, sofre um processo de privatização.

O Jornal do Campus apurou algumas declarações de Zago a respeito do momento econômico por que passa a USP, desde falas sobre investimentos em permanência estudantil, o valor orçamentário do Hospital Universitário, porcentagem de ICMS consumida pela folha de pagamento e o número de servidores contratados pela USP nas últimas administrações.

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Sobre os recentes prejuízos orçamentários, o reitor afirmou:

“Temos um déficit, que está em redução.”

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Para fins práticos, a gestão Zago teve início em 2014 — ele foi nomeado reitor por Geraldo Alckmin em 26 de dezembro de 2013, mas tomou posse um mês depois –, ano em que o déficit orçamentário da Universidade foi avaliado em R$ 1,084 bi. O resultado excedeu em mais de R$ 500 mi a meta deficitária aprovada inicialmente.

Desde então, esta cifra sofreu reduções. Em 2015, ela decresceu a R$ 1,02 bilhões e, neste ano, de acordo com a primeira revisão orçamentária publicada em junho pela Coordenadoria de Administração Geral (CODAGE) da USP, chegaria a R$ 625,36 mi em vez dos R$ 543,24 mi previstos inicialmente. Em setembro último, no entanto, uma segunda revisão estimou que o déficit uspiano será de R$ 659,91 mi.  

 

O reitor também negou qualquer possibilidade de cobrança mensalidade na USP como forma de diminuir a dívida e a crise da universidade:

“Primeiro, cobrança de mensalidade não é algo que compete à USP decidir, porque é uma questão constitucional.”

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O inciso IV do artigo nº 206 da Constituição Federal Brasileira de 1988 garante a “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”. Essa lei só seria alterada caso a própria Constituição fosse revisada em uma Assembleia Constituinte Nacional, ou caso alguma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) referente a esse inciso fosse aprovada por dois terços dos parlamentares nas duas casas do Congresso. Sendo assim, a Universidade de São Paulo, como uma instituição pública e oficial, deve seguir a lei da gratuidade.

Há uma PEC em tramitação que, se aprovada, deixaria explícita a obrigatoriedade da gratuidade do ensino superior, alterando o inciso IV para “gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais de educação básica e, na educação superior, para os cursos regulares de graduação, mestrado e doutorado”. No entanto, com a aprovação dessa PEC, a USP poderia cobrar por cursos de extensão, já que estes não estariam listados, nem implícitos, na lei.

 

Em seguida, o reitor explicou a crise orçamentária da universidade sob o ponto de vista do aumento de contratações na gestão anterior:

“Não era assim. Em 2010, quando começou a gestão anterior à minha, a folha de pagamento consumia pouco mais de 75% do ICMS. A partir de julho de 2011, ainda na gestão anterior, até o fim da gestão, passamos a gastar com folha de pagamento mais de 100% do que recebemos.”

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Por definição, “folha de pagamento” são as despesas de  uma empresa relacionadas aos funcionários, em que se inclui o montante das remunerações, encargos e benefícios. No período apontado por Zago (entre o começo de 2010 e o final de 2013), a folha de pagamento incluiu os gastos com “outros custeios e capital”, que, dentre outros itens, considera as despesas com equipamentos, serviços de limpeza e vigilância, manutenção, diárias e locomoção.

Em janeiro de 2010, no início da gestão Rodas, a folha de pagamento consumia cerca de 82% do ICMS. Nos meses de fevereiro e de setembro daquele ano, a USP teve déficits (de R$ 41,4 mi e de R$ 5,4 mi, respectivamente). Em dezembro, as despesas da folha de pagamento passaram a representar 90% do arrecadado com o ICMS.

A primeira vez, em 2011, que houve déficit, foi em junho (R$ 27,8 mi). Em julho (R$ 11,2mi), setembro (R$ 4,1 mi) e dezembro (R$ 113,4 mi) os gastos novamente superaram as receitas, mas em agosto, outubro e novembro de 2011, o ICMS foi suficiente para cobrir as despesas. A partir de 2012, de fato, os gastos da folha de pagamento foram maiores que 100% do arrecadado pelo ICMS até o final da gestão Rodas, em 2013. Os déficits mensais permaneceram em 2014 e em 2015, já na gestão Zago.

A frase de Zago, portanto, é verdadeira, mas desde que se considere na folha de pagamento os chamados gastos com “outros custeios e capital”. Além disso, os déficits só se tornaram efetivamente constantes em dezembro, e não em julho de 2011.

 

Completando sua afirmação sobre os gastos da universidade com contratações, o reitor afirmou que o crescimento das despesas foi devido a:

“Essencialmente funcionários. Isso foi consequência do aumento abusivo do número de servidores contratados. Nesse período de quatro anos foram contratados mais de 2400 servidores, não docentes, não professores, pessoas que atuam principalmente na atividade-meio.”

verdade-mas-+¡cone De fato, no período de quatro anos (2009-2013) da administração do reitor João Grandino Rodas, o corpo de servidores celetizados da USP teve incremento de 16%. O salto quantitativo, segundo o quadro de evolução de pessoal da Universidade, foi de 2.613 funcionários: de 14.468, número de trabalhadores do tipo em dezembro de 2009, para 17.081 no mesmo mês de 2013.

Contudo, o número de funcionários prestadores de serviço diminuiu nessa mesma gestão. De 2009 para 2013, foram 199 trabalhadores autônomos a menos (de 672 para 473).

Além disso, o crescimento do número de servidores celetizados e a diminuição dos autônomos vem sendo uma política da universidade há mais de uma década. Em 1988, havia 3610 funcionários fora do regime de CLT. Desde então o número caiu exponencialmente, chegando em 380 ano passado.

Quanto ao crescimento da celetização, em 2000, havia 12.772 trabalhadores contratados nesse regime e esse número aumentou até 2013, quando chegou a 17.081. De lá para cá, a cifra vem caindo em função das políticas de demissão voluntária da universidade.

 

“A única área em que não fizemos redução foi nos gastos para permanência estudantil, como moradia, gastos em refeições.”

enganosa-+¡cone Em números absolutos, os gastos diretos com permanência estudantil não tiveram redução. Em 2015, foram investidos 189,7 milhões de reais nessa área e, em 2016, 209,3 milhões de reais estão previstos para investimento.

No entanto, ajustando os valores à inflação do ano anterior, o valor dos gastos, na prática, foi reduzido. Com a inflação de 2015, medida pelo IPCA (índice de Preços ao Consumidor Amplo), acumulada em 10,67%, para que os investimentos em permanência fossem iguais aos do ano passado, deveriam ter sido gastos 209,99 milhões de reais – 654 mil reais a mais do que foi feito. Apenas as áreas de Bolsas de Estudos (exceto as de critérios sócio-econômicos), Estágios, Educação Física e Esportes, Auxílio Moradia (para alunos com critérios sócio-econômicos) e Investimentos e Reformas em Moradia (para alunos com critérios sócio-econômicos) tiveram investimento superior ou igual ao da inflação. Assim, os investimentos em Saúde e Subsídio à Alimentação (para todos os alunos), Auxílio Livro, Auxílio Transporte, Bolsas de Estudo, Auxílio Alimentação e Manutenção e Conservação de moradia (para estudantes com critérios sócio-econômicos), em termos reais, sofreram retração em relação a 2015.

Ademais, indiretamente, houve redução de investimentos na permanência pela demissão voluntária promovida pela universidade. Somente nas creches da universidade, além de não haver nenhum investimento declarado na área em 2016, enquanto em 2015 foram 800 mil reais, quatro funcionários saíram pelo segundo programa de demissão voluntária, divulgado dia 24 de setembro deste ano. Quanto ao subsídio de alimentação via “bandejões”, foram 10 funcionários que se demitiram voluntariamente a partir dessa data.

Já na área da saúde, a ameaça de desvinculação do hospital universitário tem sido tônica da administração Zago e foi um dos eixos da última greve deflagrada por trabalhadores da USP, também apoiada por estudantes. Com a saída de 213 funcionários após o primeiro PIDV (Programa de Incentivo à Demissão Voluntária) e posteriores 25 demissões, houve redução de 66% no atendimento de ambulatórios na ortopedia e 80% nos de oftalmologia. No segundo PIDV,  mais nove funcionários deixaram o hospital. Essas reduções provocaram redução de horário de atendimento e sobrecarga de funcionários do hospital, prejudicando o serviço de saúde para alunos e trabalhadores da USP.

 

Sobre o Hospital Universitário (HU), que o reitor afirma parasitar as contas da Universidade por exigir grandes despesas, ele disse:

“O Hospital é o maior item orçamentário da USP, próximo de R$ 400 milhões, gasto impressionante, tendo em vista o número de leitos.”

exagerada-+¡coneDe fato, segundo a distribuição orçamentária da Universidade, o HU é o item de maior valor. Os números podem ser verificados pelos repasses previstos à unidade em 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016.

No entanto, de acordo com o que informou a assessoria de imprensa da reitoria, Zago está fazendo menção ao dado mais atualizado, referente ao exercício de 2014 e presente no Anuário Estatístico da Universidade. Nele, a execução orçamentária total repassada ao HU está avalizada em R$ 339,43 mi, mais de R$ 60 mi abaixo do número dito pelo reitor.

Enquanto isso, a dotação orçamentária prevista para a unidade em 2016 é de R$ 286,7 mi, valor mais de R$ 100 mi menor do que o mencionado por Zago.

Segundo o vice-diretor clínico do HU, Gerson Salvador, afirmou em entrevista ao Jornal do Campus, o dado fornecido pelo reitor na entrevista “não é verídico”.

De 2009 a 2015, a quantia destinada ao hospital-escola só fez crescer. Em 2010, o aumento chegou a quase 10%, e sua dotação passou a ser de R$ 145,14 mi. Ela cresceu 6% em 2011, 16,7% em 2012, 28% em 2013, 16% em 2014 e 3% em 2015, menor aumento orçamentário para a instituição nesse período.

Em 2016, a cifra absoluta dotada ao HU apresentou uma queda de 9% em relação ao orçamento do ano passado, que foi de R$ 314,75 mi.

De acordo com a assessoria de imprensa do HU, desde 2013 o valor do repasse só tem caído, contrariando as dotações dos anos correspondentes e a afirmação do reitor sobre o corrente exercício, isto é, 2016.

A assessoria de imprensa do hospital também afirmou que o número atual de leitos ativos é de 185.

 

Por Ethel Rudnitzki, Felipe Saturnino e Rafael Oliveira