A revolução de Aquarius

Filme estreou no Festival de Cannes em 2016

Antes de chegar ao Brasil em setembro de 2016, Aquarius colecionou polêmicas e críticas nos principais festivais de cinema do mundo — com destaque para Cannes, quando o elenco protestou contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e reafirmou o direito, bastante esquecido, da classe artística de se pronunciar politicamente e sem retaliações. Eis um dos grandes legados da produção de Kléber Mendonça Filho: a expressão livre por meio da arte, antes de tudo. Que isto permaneça.

Em uma praia urbanizada do Recife, Clara (Sônia Braga) resiste às investidas de uma incorporadora imobiliária que quer comprar seu apartamento. O conflito entre os dois pólos é narrado desde a primeira abordagem, cordial e envolvente, até um desfecho brutal e ousado.

O mundo da protagonista está baseado em suas lembranças — vitórias, conquistas e perdas –, representadas por sua rotina na casa em que venceu um câncer, criou três filhos e despediu-se de seu marido. Ladjane (Zoraide Coleto), a empregada de longa data, é quem cuida da casa e de Clara, com quem mantém uma relação submissa, periférica e caricata. Em contraponto à relação patroa-empregada, está a amizade “salva-vidas” com Roberval (Irandhir Santos),, a quem Clara confia algumas de suas dúvidas mais concretas. Muito longe deste universo, orbitam os três filhos da protagonista, que trazem mais tensão a uma situação inóspita que vai se degradando mais rapidamente a partir do momento em que a única moradora do edifício Aquarius é Clara.

Clara, personagem de Aquarius (Foto: reprodução)
Clara, personagem de Aquarius (Foto: reprodução)

O roteiro ágil, mas que respeita as importantes pausas, reflete com bastante fidelidade a complexidade da personagem Clara e a problemática em que está imersa. “Quando você gosta, é vintage. Quando você não gosta, é velho” é um ponto alto do diálogo entre a viúva e sua filha Ana Paula (Maeve Jinkings).

Com seus 65 anos de idade e ricas experiências que vão além de um charmoso apartamento de arquitetura dos anos 1940, a personagem que Sonia Braga constrói fala mais quando olha, toca e elabora seus pensamentos.

Ciente do significado que quer imprimir às entrelinhas de seu filme, o diretor Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor, 2013) extrai do elenco naturalidade na atuação, para dar mais leveza a um tema espinhoso.

A pureza, no entanto, se desfaz na primeira reflexão sobre a película: a resistência, a luta contra o pensamento hegemônico e os padrões comumente aceitos de consumo imobiliário, cultural e de relacionamento estão por toda parte. Clara os vê de uma maneira. Sua família, de outra. E o embate se materializa com um terceiro ator: o poder econômico que instiga a todos a reverem seus posicionamentos, reforçando-os ou renovando-os. Clara escolhe seu lado. E luta por ele até o fim, mesmo sozinha no campo de batalha.

Ficha técnica:

Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Sônia Braga, Buda Lira, Carla Ribas, Daniel Porpino, Fernando Teixeira, Humberto Carrão, Irandhir Santos, Julia Bernat, Maeve Jinkings, Paula De Renor, Pedro Queiroz, Rubens Santos, Thaia Perez
Produção: Emilie Lesclaux, Michel Merkt, Saïd Ben Saïd
Fotografia: Fabrício Tadeu, Pedro Sotero
Nacionalidade: Brasil
Ano de produção: 2016
Data de estreia no Brasil: 1 de setembro de 2016
Duração: 142 min
Classificação:16 – Não recomendado para menores de 16 anos
Gênero: Drama