Grades ameaçam sobrevivência de lanchonete

Restaurante da vivência da ECA teve queda de até 40% no faturamento e já fez demissões

O espaço da Escola de Comunicações e Artes, a famosa “Prainha”, foi cercada pela reitoria no final do mês de dezembro. A justificativa foi a necessidade de  melhorar a segurança no campus.  A Prainha é conhecida não só por abrigar uma festa tradicional da ECA que ocorre às quintas-feiras, a chamada Quinta e Breja (Qib), mas também por concentrar um grande número de trailers de alimentação. Após a instalação das grades, o acesso dá apenas por dentro do prédio central, com verificação da carteirinha de estudante da USP após as 18 horas. A medida teve impacto direto no comércio dentro do espaço da prainha, cujo público era majoritariamente de alunos e funcionários de fora da escola.

O Jornal do Campus conversou com Monyca Feola, a Dona Monyca, proprietária da lanchonete localizada dentro da vivência da ECA, sobre os impactos da cerca no comércio.

Dona Monyca, proprietária do restaurante na vivência da ECA. Foto: Regina Santana.
Dona Monyca, proprietária do restaurante na vivência da ECA. Foto: Regina Santana.

Jornal do Campus: A USP avisou que iria cercar todo o entorno do prédio da ECA?

Dona Monyca: Não. Só colocaram. A grade foi bem no final do ano. Era por volta do feriado de natal. Veio um pessoal do sindicato falando que a reitoria estava colocando as fundações e depois iam cercar tudo. Veio um pessoal do próprio sindicato para impedir, mas já não tinha mais ninguém na universidade. Foi quando a gente recebeu a carta da diretoria da ECA falando para desocupar o espaço até dia 20 de janeiro. Eu falei que não ia sair, não entrei aqui escondida, não fiz ocupação. Eu entrei aqui porque os alunos tinham um documento, e eles me mostraram, que permitiam a eles alugar o espaço. Eu tenho um contrato com o Calc (Centro Acadêmico Lupe Cotrim) que ainda vai durar mais dois anos e pretendo cumprir até o final. Contratei um advogado que entrou em contato e conseguiu uma série de documentos. Isso no começo do ano. Então fomos chamados na procuradoria geral da USP, que é dentro da reitoria. Fomos eu e o advogado, e ele falou que queríamos um prazo, mas iríamos brigar pelo cumprimento do contrato. Eles falaram que não ia haver qualquer negociação.

JC: O  que a USP alegou para exigir essa desocupação?

Dona Monyca: Que era irregular o aluguel dos alunos. Que os alunos não têm o direito de sublocar um espaço público. Só que os alunos têm um documento, de uma reitoria antiga, não lembro exatamente o ano, mostrando a transferência do Calc, da atlética e da lanchonete para esse espaço. Se eles transferiram a lanchonete, então eles a reconheciam. Se eles tiverem prazo e quiserem tirar a gente, eles podem, mas eles têm que pagar, têm que indenizar, não é assim. Aí eles colocaram a grade, mas estava aberto aquele espaço [entre os bancos e a ECA], mas houve uma briga no mês passado com o pessoal do sindicato e então eles fecharam tudo. Aí ficou tudo trancado e só entra pelo prédio central. Para a gente ficou muito ruim, porque as compras agora têm que entrar por ali, o lixo sai por ali. É ruim não só para a gente, mas para a ECA também Já pensou passar com todo o lixo ali? Vai vazando… Não tem cabimento.

JC: Como está sendo o movimento de clientes agora?

Dona Monyca: Caiu nosso movimento nesse começo de ano, foi péssimo, porque eles espalharam o boato de que a gente tinha fechado. Então começamos a fazer uma divulgação aqui dentro, colocando placa falando que “estamos abertos”. Lutamos do jeito que a gente pôde, divulgando, falando. Agora, graças a Deus, com a volta às aulas o pessoal está vindo, está assimilando essa nova entrada.

O que ocorre, e é engraçado, é que muitos clientes nossos são funcionários da reitoria. Só fui descobrir isso no dia que me chamaram na procuradoria. Eles vinham aqui, conversavam, gente que eu até troquei telefone e nem sabia que era da reitoria. Eles ficaram até surpresos, mas ficaram na deles, até porque têm que cumprir o que mandam. Mas acredito que até para eles ficou muito ruim. Porque a pessoa para vir aqui tem que dar a volta toda. Mas a Reitoria  não está  preocupada com isso, ela está mais preocupada para que caia o movimento mesmo, para a gente desistir. Estão fazendo a pressão que eles podem. Agora eles estão pressionando o sindicato. O sindicato conseguiu ficar até abril, e depois vai para um espaço todo pronto. Eles tiveram uma vitória, mas depois que tirarem o sindicato a pressão vai recair sobre a gente. O pessoal da reitoria fala para os alunos que não vão mexer no espaço, mas é lógico que vão. Qual é a intenção deles? Se o aluguel é irregular, então porque não me chamaram para regularizar? Não recebi nenhum convite de regularização. Poderia ser esse o caso, mas já estamos aqui há três anos, até os professores frequentam, temos um número muito grande de professores como clientes. Eles estão inconformados. Fora isso, na semana dos calouros houve uma melhora, os alunos conheceram aqui, mas então, na mesma semana, acontece uma invasão da PM, bem aqui atrás. O reitor é autoritário. E tanto a grade quanto chamar a PM mostra isso.

Mas um ponto positivo foram nas QiB (que vocês chamam de Quinta e Breja), que estão melhores, mais fortes. Porque pegou mais força. Fazia muito tempo eu não via essa QiB lotada. Mas vamos ver. Eles estão cerceando os direitos dos estudantes. Querem acabar com o movimento, é claro o retrocesso e a falta de liberdade, porque eles fecharam um espaço que é público.

JC: Qual foi o impacto que a cerca teve nos rendimentos da lanchonete?

Dona Monyca: Foi de 30 a 40% de impacto no rendimento da lanchonete. Sendo que esse é um período do ano que já é fraco por si só. Já é impactante por não terem as aulas, por terem muitos funcionários de férias. Então imagina agora. Eu tinha conseguido me equilibrar no final do ano passado, mas não conseguimos chegar até fevereiro com o que tínhamos. Estávamos com um planejamento, mas desandou. Eu já estou fazendo umas demissões. Eram 12 funcionários, já estou com 8. Eu não sei o que vai ser. Tive que me preparar para o pior. Eu falei para a diretoria “como você quer que eu demita 12 pessoas em 20 dias?”. Até porque tem coisas como as greves, que já pesam para a gente. Aqui você trabalha oito meses para sustentar um ano, ou sete, tem ano que menos. É complicadíssimo. Tem movimento naqueles sete meses, aí tem que segurar de um lado e de outro senão, você não sobrevive. Os funcionários são registrados, eles não trabalham sete meses, eu tenho que arcar com todos os custos de 12 meses. A nova diretoria do Calc é muito boa, eles estão incentivando as pessoas a virem, estamos juntos. Por exemplo, a gente não pagou o aluguel ainda para eles. Isso sempre ocorre no começo do ano, mas está pior esse ano, porque chegava março eu já tinha feito o acerto de tudo, e esse ano ainda não consegui, isso porque já estamos no final de março. Sabe aquela coisa colaborativa? Cada um cede de um lado e vai todo mundo se ajudando. Mas no mês de janeiro a gente amargou aqui.

JC: A reitoria alegou que a grade veio para melhorar a segurança do espaço. Você sentiu essa melhora na segurança?

Dona Monyca: Realmente estava inseguro. Muito gente até deixou de vir. Estava tendo muito sequestro, muito assalto. Deixaram um pessoal de fora entrar e eles perderam o controle, isso aqui parecia uma feira livre. Isso é verdade, mas ele [o reitor] podia prezar pela segurança sem impedir a passagem das pessoas. Mas a questão da segurança é verdade. A minha funcionária que achou o cara morto cinco horas da manhã. Mas não acho que a ideia dele seja segurança. Ele deixou a turma se perder para falar “agora eu vou fazer o que eu quero”. Acho que foi manipulado. A preocupação com a segurança não existe realmente. Por medida de segurança ele poderia ter feito vários portões de acesso, aí na quinta regulava. Eu acho também que a diretoria está conivente. Como que ela admite? Fecharam um espaço que é dela. Nem dela, na verdade, isso aqui é um espaço de passagem. Dela é o prédio. A reitoria já estava cercada, por que cercou tudo? Ele quer incorporar isso aqui à reitoria, essa é a intenção dele, na minha opinião. Não tem cabimento o que está acontecendo e não tem cabimento a ECA estar aceitando.