Mais quatro bandejões terceirizados

Privatização ocorreu em Ribeirão Preto, FZEA, EE e FSP; estudantes e funcionários comentam

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Estudantes e funcionários mantinham amizade.  Foto: RD PÓS-GRADUAÇÃO FSP / USP

Nas primeiras semanas de março, os Restaurantes Universitários (RUs) de três campi deixaram de pertencer à USP. Os bandejões da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) em Pirassununga, do campus de Ribeirão Preto e do Quadrilátero da Saúde – na Escola de Enfermagem (EE) e na Faculdade de Saúde Pública (FSP) – estão agora sob a administração de empresas privadas, cabendo às prefeituras dos campi e à Superintendência de Assistência Social (SAS) a fiscalização dos serviços. Com a medida, a alimentação nos RUs continua destinada à comunidade universitária, e o preço das refeições não mudou. Os quatro bandejões se juntam aos outros sete já terceirizados. Ao todo, há 16 RUs na Universidade.

As terceirizações foram realizadas à maneira de outras já feitas em restaurantes da USP, por meio de licitações da modalidade pregão. Nesse modelo, a disputa pelos serviços é feita em sessões públicas, em que lances são propostos pelas empresas licitantes, e é classificado para contratação quem apresenta o menor preço para compra.

As principais justificativas para a medida são o corte de gastos e a falta de funcionários. No fim de 2016, o segundo Plano de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV) reduziu em mais 5 mil o número de servidores da Universidade, algo que, somado às demissões de 2014 (época do primeiro plano), inviabilizou o funcionamento de alguns restaurantes. O PIDV visa à redução de gastos com pessoal, proibindo novas contratações e indenizando os funcionários que se desligam da USP.

Os impactos da mudança para os usuários foram poucos. As opiniões sobre a qualidade da comida, por exemplo, se dividem. Para Marcelo Nakashima, estudante de Ciências Biomédicas em Ribeirão Preto, o padrão da alimentação caiu. Na FSP, onde fica o curso de Nutrição, também há quem a reprove. Já os estudantes de Pirassununga mostram que, de 281 pessoas numa enquete de um grupo no Facebook, apenas 16 acreditam que a comida está pior.

A reação em cada unidade também foi difusa: enquanto na FZEA mal houve movimento contrário à terceirização, estudantes e funcionários da Saúde Pública contam com apoio da administração para reverterem o processo. O principal argumento entre os opositores defende que é injusto que a Universidade conceda instalações e serviços para empresas que não têm comprometimento com o setor público. “A gente começa a responder a entidades que não estão na USP, que a gente não consegue pressionar politicamente”, diz o estudante de enfermagem Murillo Pierin, do Centro Acadêmico XXXI de Outubro. “O gerente responsável pelos serviços não é um funcionário da Universidade.”

Estudantes e o Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP) também apontam a falta de diálogo e a vulnerabilidade dos novos trabalhadores.

Decisões

O Centro Acadêmico Unificado de Pirassununga (Caupi) conta que o processo terceirização de seu RU foi participativo. Desde maio de 2016, a prefeitura do campus vinha convocando reuniões com os estudantes, e seu engajamento levou à criação de iniciativas e grupos de trabalho para solucionar problemas. A prefeitura sempre alertou que a terceirização ocorreria; no entanto, os esforços permitiram que ela se retardasse. Em 21 de dezembro, o pregão foi realizado, e o CA escreveu uma carta aos funcionários que saíam do RU, agradecendo os serviços prestados.

O mesmo não ocorreu em Ribeirão Preto ou na capital. O estudante de Economia Matheus Albino, membro do Conselho Gestor do campus, afirma que a terceirização foi “uma ordem de cima para baixo”. “Nem mesmo o prefeito conseguiu colocá-la em votação”, diz. Embora em Pirassununga a privatização também fosse inevitável, as outras cidades mal chegaram a discutir. Em RP, onde o jantar já era terceirizado, estudantes e funcionários se mobilizaram contra o processo; recentemente, os CAs entregaram um manifesto à prefeitura, comentando os novos serviços. Para Matheus, no entanto, muitas reclamações são isoladas, e a movimentação no campus é menor do que em São Paulo.

Modelo

No Quadrilátero da Saúde não houve tempo para protestos: avisados pelos funcionários, os estudantes souberam da terceirização a uma semana de ela ocorrer. Apenas a FSP organizou um ato no dia 10.

O PIDV levou à falta de servidores no Restaurante Central e incentivou a SAS a alocar para a Cidade Universitária os funcionários da FSP e da EE. No limite, isso resultou na terceirização dos bandejões da Saúde.

Essa privatização é temporária. O contrato com a empresa escolhida dura até a finalização das licitações oficiais. A mestranda Ana Sanches, representante discente na Congregação da FSP, sente que, embora os novos serviços sejam recentes, a queda nos padrões é nítida.

“Aqui é a faculdade de Nutrição. Não faz sentido a gente pagar para uma empresa fazer a nossa comida”, ela diz. O restaurante da FSP, ao contrário de outros, serve não só para a alimentação dos usuários, mas para atividades de ensino, pesquisa e extensão, e sua qualidade sempre foi reconhecida. “É um restaurante-escola”, completa a doutoranda Priscila Machado, representante discente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA).

Funcionários

Auxiliar afastada do restaurante da Física, a atual diretora do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), Solange Lopes, relata o problema da falta de funcionários nos RUs. Com exceção do Quadrilátero, que não passou pela situação, os bandejões da Universidade vinham abrigando muitos servidores sobrecarregados.

“As pessoas ficam doentes, dois PIDVs tiram um monte de gente dos bandejões e, aí, vem a terceirização”, lamenta. Segundo ela, a rotina é pesada, repetitiva,  leva a doenças e até causa a aposentadoria por invalidez. Na Física, o ideal seria que houvesse 40 trabalhadores em serviço; quando Solange saiu de lá, havia vinte. Uma denúncia dos casos chegou a ser enviada ao Ministério Público do Trabalho (intermediada pelo JC na reportagem O peso do cansaço, da edição nº 466), mas não teve retorno.

A privatização, além de afetar quem é da USP, atinge o pessoal terceirizado, que enfrenta jornadas ainda mais intensas e hostis. Como a gerência desses funcionários está a cargo das empresas, certas garantias (como um quadro mínimo de pessoas para cada restaurante) ficam em risco se não constam na licitação.

Com a terceirização, estudantes da EE dizem que o quadro de funcionários do RU se reduziu quase pela metade; apenas uma pessoa lava a louça, e outra serve as refeições. A reportagem entrou em contato com os antigos servidores da FSP, mas foi impedida por restrições da SAS, que não permite que eles falem sem autorização.

Junto aos editais dos pregões do Quadrilátero (Edital nº 52/2016 e Edital nº 53/2016, disponibilizados pela SAS), é possível verificar, num comunicado em anexo, a aprovação de duas impugnações feitas pela empresa Jack Gourmet Restaurante e Pizzaria EIRELI – ME, que reagiu à exigência de quadro mínimo de funcionários no documento oficial. A versão anterior exigia a presença de um nutricionista, um técnico em nutrição, quatro cozinheiros e dez auxiliares de cozinha para os serviços; agora, não se diz mais nada.

Futuro

As sessões públicas de onde sairão as empresas para administrar os RUs da FSP e da EE ocorrerão em 28 e 29 de março. Até lá, estudantes como Ana e Priscila, além de outros membros da faculdade, estudam os impactos da terceirização e tentam dialogar com o reitor. Com o apoio de docentes e do CTA, elas estão redigindo uma carta.

A doutoranda propõe alternativas para as despesas. Uma delas é a adesão a programas de aquisição de alimentos, normalmente adotados em escolas. “Eles te incentivam a comprar do agricultor familiar, que vende a um preço mais barato”, afirma. Outras propostas incluem a abertura de contas, o diálogo com a comunidade e o uso da inteligência da USP.

Quanto ao orçamento, a Reitoria não enviou informações sobre o tipo de impacto que o PIDV e a terceirização terão sobre as contas da Universidade.