Medidas municipais fomentam debate sobre grafite

Artistas e admiradores discutem o reconhecimento da arte urbana em São Paulo

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Grafite da Escola de Comunicações e Artes / Foto Regina Santana (Nina)

Dois projetos implementados na cidade de São Paulo no início de 2017 suscitaram o debate sobre manifestações artísticas urbanas: o Programa de Combate a Pichações e a operação São Paulo Cidade Linda. Em sessão realizada em fevereiro, a Câmara Municipal aprovou a Lei Nº 16.612, que dispõe sobre o Programa. Como consta no artigo 3º, é considerado pichação qualquer ato de riscar, desenhar escrever ou borrar prédios públicos ou particulares. Contudo, ficam excluídos do programa grafites realizados com o objetivo de valorizar o patrimônio mediante intervenção artística, desde que haja prévia autorização do proprietário ou órgão competente.

O segundo projeto foi instituído pela gestão Doria também no começo do ano. De acordo com nota oficial divulgada pela Secretaria de Comunicação da cidade, o objetivo é revitalizar, pelos próximos quatro anos, os espaços públicos e as áreas degradadas. Entre as ações previstas, estão as pinturas sobre os muros contemplados com pichações. “Os grafites autorizados não serão apagados”, afirma a assessoria de imprensa da Secretaria das Prefeituras Regionais.

“O grafite é uma expressão, uma pulsão, não tem lugar certo. A lei não pode determinar o que é arte e onde ela cabe”, garante Leonardo Smania Donanzan, grafiteiro com atuação na região de Campinas. “Muitas vezes, a função da arte é transgredir a própria lei, questioná-la. Estarem um determinado lugar dá ainda mais propósito a ela. Grafite tem que ser autêntico, visceral”, assegura.

Pela programação oficial da Cidade Linda, a marginal Pinheiros será alvo das ações do programa durante a primeira semana do mês de maio. Entretanto, as obras não chegarão à Universidade de São Paulo: “As possíveis intervenções visuais [tais como grafites e pichações], a priori, são administradas pela Cidade Universitária, que possui orçamento próprio. A Prefeitura não executa serviços de zeladoria dentro do campus da USP”, conclui a assessoria.

E como ficarão os desenhos existentes sobre as paredes da Universidade, especialmente nos espaços sob tutela dos Centros Acadêmicos? Até o fechamento desta edição, a Prefeitura do Campus não esclareceu seu posicionamento frente aos grafites nas dependências da Universidade. Por enquanto, não houve nenhuma movimentação no sentido de apagar ou modificar as obras.

Panorama histórico

A primeira grande manifestação de grafites aconteceu em Nova York na década de 1970, protagonizada por negros, latinos e outros grupos socialmente excluídos. Eram jovens que viviam de maneira precarizada e deixavam suas marcas nas paredes da cidade na tentativa de trazer visibilidade às suas pautas.

Devido às características dos artistas, a expressão não era levada a sério pelos intelectuais da área e artistas de outros movimentos. “É quando entra em cena Andy Warhol, uma figura bem vista no mainstream da época, que reconhece e aceita essa manifestação como arte”, explica Sergio Franco, mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e especialista em arte urbana. “A partir de então, seu esforço é trabalhar na evidenciação do grafite junto ao Jean-Michel Basquiat, grafiteiro de ascendência porto-riquenha e haitiana que fez muito sucesso.”

De acordo com o especialista, até que se chegue a autenticação de algo no campo da arte, há a rejeição. “A mesma coisa aconteceu com o Impressionismo. O que os artistas fizeram foi encontrar maneiras de lucrar com o que é rejeitado, levando a um reconhecimento simbólico”, conta.

Em São Paulo, as primeiras aparições do grafite datam da década de 1980.

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Grafite do Instituto de Biologia / Foto Regina Santana (Nina)

 

Arte sob diferentes olhares

A admiração pela arte urbana levou pai e filha a viajarem por São Paulo, Berlim e Nova York para registrar as intervenções artísticas que encontrassem pelas ruas. Ele, Eduardo Longman, fotógrafo. Ela, Gabriela Longman, jornalista e doutoranda em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo. O resultado dessa aventura nasce com o nome de Grafite – Labirintos do Olhar, um livro que, como conta Gabriela, “não é um relato de viagem nem um catálogo artístico. Também não é um um livro de fotografia nem uma reportagem. Ele é tudo isso junto”.

De acordo com a autora, a mistura de gêneros é um reflexo do que o próprio grafite simboliza dentro de cada uma das cidades visitadas: todas são grandes metrópoles, mas com suas especificidades ‒ tal qual as obras produzidas.

Devido às diferenças, a percepção e a aceitação também variam de um lugar para o outro. Em São Paulo, por exemplo, ainda há certa resistência em denominar as manifestações urbanas como arte: “Nosso objetivo com o livro é apresentar os debates envolvidos na temática do grafite, não dar respostas. Qual cidade que a gente quer? O grafite espelha essa discussão complexa sobre os espaços. A questão artística é a metáfora de algo maior, e o fato de estarmos imersos nesse debate já é um avanço”, completa Gabriela.

Em tempo: o lançamento do livro será no dia 07 de abril, às 19h, no Festival Internacional de Arte de São Paulo, a SP-Arte.

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Grafite da Escola de Comunicações e Artes / Foto Regina Santana (Nina)