Reforma da previdência torna incerto o futuro da aposentadoria e gera protestos

Proposta de Governo Temer divide sociedade brasileira e opiniões de especialistas

Desde de que foi anunciada, em meados de 2016 e enviada, em 6 de dezembro do mesmo ano, à Câmara dos Deputados pelo governo federal sobre a proposta de emenda à Constituição (PEC)  287, a reforma da Previdência tem causado polêmica, dividido a sociedade e opiniões de especialistas sobre o futuro da aposentadoria no Brasil.

Durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, o então presidente interino Michel Temer começou a tirar do papel promessas e medidas impopulares consideradas, pela gestão, imprescindíveis para a retomada da economia.  A reforma da previdência é um dos principais pilares da política de ajustes fiscais do novo governo, que considera o atual modelo insustentável. De acordo com o Banco Central, o rombo nas contas públicas ultrapassou a marca de 155 bilhões de reais no ano passado. As despesas com o Instituto  Nacional do Seguro Social (INSS), que hoje corresponde a 8% do PIB, chegaria a 17,8% em 2060, segundo o Ministério da Fazenda.

O projeto tem apoio do Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e do presidente da Câmara dos deputados, Rodrigo Maia —  que chegou a dizer que se a reforma não for adiante do modo que foi proposta, o governo não teria opção senão cortar aposentadoria e aumentar impostos. Ainda assim, o texto original da proposta sofre grande objeção no Congresso. O período adicional para que deputados apresentassem emendas à reforma terminou ao fim da semana passada, somando 164 proposições.

Para o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Luis Eduardo Afonso enxerga a reforma como algo inevitável. “O déficit está atrelado, especialmente, à taxa de reposição de benefícios muito altas, às aposentadorias precoces e aos gastos inapropriados com pensão por morte”, diz. Já a professora do curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH-USP), Ursula Dias Peres, acredita que a falta de abertura do governo na elaboração da proposta deixa dúvidas. “Não há como fazer uma reforma eficiente sem transparência”.

Principais Propostas

Atualmente, o brasileiro não tem idade mínima para se aposentar. Com a aprovação da reforma, isso mudaria. O governo justifica a medida com base no envelhecimento gradual da população e o aumento da expectativa de vida.  Hoje, é possível se aposentar por idade ou por tempo de contribuição. No caso das mulheres, esse tempo é cinco anos menor em relação aos homens.  A reforma também prevê mudança nesse aspecto, igualando o tempo de contribuição de homens e mulheres, o que gerou controvérsia. Segundo o IBGE, as mulheres trabalham mais que o dobro de horas em casa por semana em relação aos homens. “A reforma é um ataque aos trabalhadores, mas principalmente às mulheres”, diz Patrícia Galvão, diretora do Sindicato dos Trabalhadores da USP. Para Luis Afonso, entretanto, a medida não parece tão rígida, pois as mulheres costumam viver mais do que os homens. “Além disso, a inserção das mulheres no mercado de trabalho mudou ao longo do tempo”, diz.

Outro ponto modificado seria a impossibilidade de somente se aposentar por tempo de contribuição, que atualmente é uma mínima de 15 anos. A medida é justificada pelo grande número de brasileiros que se aposentam muito cedo. “Quem se aposenta mais cedo é o trabalhador de renda mais alta, de maior grau educacional. Justamente quem não deveria se aposentar cedo”, comenta o professor Luis Afonso. “O trabalhador que se aposenta mais tarde é mais pobre, do campo e de menor grau de escolaridade”, adiciona.

Com a modificação, para ter direito à aposentadoria aos 65 anos, as pessoas devem ter contribuído por, no mínimo, 25 anos e irão receber 51% das médias do salário recebidos. Para ter acesso integral a previdência, a pessoa terá que começar a trabalhar aos 16 e contribuir 49 anos. Para o professor de direito trabalhista da faculdade do Largo de São Francisco, Paulo Eduardo, este fato revela algo complicado na reforma. “Na reforma quem perde é o trabalhador que tem que trabalhar mais. Nenhuma reforma é feita pensando na figura do trabalhador”, diz.

A reforma também prevê fim do acúmulo de benefícios e regras iguais para civis, servidores públicos e trabalhadores rurais como forma de aumentar o número de contribuintes para previdência. Para professora Ursula Dias, o fato de haver uma idade mínima padronizada para todas as pessoas, independentemente se trabalham no centro urbano ou rural, é enxergado como algo complicado. “Me preocupa ver uma trabalhadora rural do nordeste se aposentando na mesma idade que uma empresária no sudeste do país”.

Homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 ficam integralmente sujeitos às novas condições propostas pela reforma. Para aposentados, pensionistas e trabalhadores que já tenham cumprido as exigências da regras atuais, nada muda, pois seus direitos já foram adquiridos.

Arte: Catarina Ferreira
Arte: Catarina Ferreira
Opinião pública

O governo do presidente Temer, desde seu início, tem sido marcado por medidas impopulares e escândalos de corrupção. Uma recente pesquisa, realizada pela Inteligência Digital Veto, levantou que, durante o mês de fevereiro deste ano, 89% das manifestações relacionadas a Temer no Facebook e Twitter foram negativas, independentemente do perfil político do usuário. A postura do PMDB nas redes sociais não ajuda a melhorar a imagem do presidente. No início de março, uma postagem da página oficial do partido no Facebook sugeriu que a continuidade de programas sociais, como a Bolsa Família e o Fies, estava condicionada à aprovação da reforma.

Grupos contrários às propostas do governo organizaram atos por todo o país desde o anúncio da reforma. Em 15 de março, protestos contra a agenda de reformas do governo, em especial a da Previdência, aconteceram em pelo menos  22 capitais. “Reforma, nesse caso, é eufemismo. O projeto aniquilaria direitos da população, o que torna impossível enxergá-la com otimismo”, opina Jean Pierre Chauvin, professor da USP presente na manifestação que aconteceu em São Paulo. “É um retrocesso. Nossa geração vai trabalhar até morrer”, diz Larissa Vasques, também presente na Avenida Paulista.

Estudantes protestam na Av. Paulista, em São Paulo. Foto: Regina Santana
Estudantes protestam na Av. Paulista, em São Paulo. Foto: Regina Santana
Alternativas

Apesar de não ser considerada um fator determinante para o aumento de contratações dos planos privados e nem estimulado a criação de novos produtos para o público de menor renda, a reforma da Previdência tem impulsionado a demanda de jovens por planos de Previdência privada. A Caixa Seguradora, que tem tíquete médio de 300 reais, registrou um crescimento de vendas de 49% sobre 2015.

Para o professor Luis Afonso, a Previdência privada tem que ser tratada como algo complementar. Enfatiza a necessidade da criação de poupanças cedo na carreira de jovens e a necessidade de contribuir para Previdência social. Comenta ainda a responsabilidade de políticos de votar com seriedade e responsabilidade a reforma que ainda tramita e está sujeita a diversas mudanças.