Bolsa psiquiátrica para uspianos™

Dezoito horas. Chego na USP. Procurar lugar para estacionar não é tarefa fácil. Existem lugares de sobra, mas a maior parte fica em locais que já não estarão mais iluminados quando a noite cair. Ser mulher já não é fácil, na Cidade Universitária então… Não gosto nem de pensar porque minha ansiedade ataca.

Avisto uma vaga não muito distante. Vai aqui mesmo. Quando acabar a aula peço para alguém me acompanhar. Péssima ideia vir de carro para cá. Eu deveria continuar pegando carona, isso sim. Se bem que esperar meu amigo no ponto de ônibus às 23 horas também não é muito legal. Ainda mais sozinha, no breu que ficam as ruas desta Universidade.

Entro no meu instituto. Está tendo assembleia dos estudantes. Devo participar? Vejo um dos membros do centro acadêmico e quero fugir. Sei que ele me viu e vai vir com um discurso todo simpático do tipo: “Já tentou derrubar o capitalismo hoje?” Fico tensa só de pensar e nem sei o motivo. O movimento não é estudantil? Eu não sou estudante? Ah, melhor não. Morro de medo de falar alguma coisa errada. De não saber como funcionam esses encontros e de fazer papel de trouxa. Vai que eu falo alguma coisa que eles discordam? Não quero ser que nem aquele aluno que foi perseguido. Eu, hein? Para participar de um troço desse só com uma boa dose de Rivotril.

Aperto o passo rumo ao Bandejão Central. A Praça do Relógio não está tão vazia, o que é um alívio. Entro na fila interminável esperando do fundo do coração não encontrar ninguém. As pessoas se movem rápido e logo estou procurando um lugar para sentar. Ufa! Não encontrei nenhum conhecido!

O alívio passa rápido. Logo vejo um colega de outro instituto. Um amigo que estudei no ensino médio, mas que hoje já não me é muito íntimo. O tipo de pessoa que não é desconhecida o suficiente para eu só dar um “oizinho” e que não é íntima o suficiente para sentarmos juntos e comermos em silêncio. Não. Esse é aquele tipo de amizade que dá nos nervos! Que deixa a gente ansioso pra chuchu! Sabe quando você não pode só cumprimentar? Tem que puxar assunto e fingir que está super de bem com a vida o jantar todo? Então.

Por sorte ele não me viu. Me enfiei num canto e engoli a comida apressada. Por sorte o suco de hoje era de maracujá.

Lá vou eu cruzar a Praça de novo. Só eu. Sozinha. Tap… Tap… Tap… Apenas os sons dos meus passos ecoam no escuro. Tap… Tap… Tap… Avisto uma outra pessoa vindo em minha direção. Tap, tap, tap. Ela se aproxima. Taptaptap. Enfio as chaves entre os dedos. Taptaptaptap. Aperto o passo. Taptaptaptaptaptaptap. Taaaaap! Prendo o ar nos pulmões. Avisto outra garota. Percebo que ela também respira aliviada ao me ver. Um brinde de Rivotril para nós duas.

Está quase na hora da minha optativa, mas não vou dar sorte para o azar. Acho melhor desistir dessa aula. Não vale a pena passar por isso toda semana. Tá louco.

Mas, pensando bem… Se eu quero me formar no tempo esperado preciso de créditos, e para ter créditos preciso de optativas. Logo, preciso ir a essa aula. Só que quem disse que é essencial que eu conclua o curso em quatro anos e meio? Quer dizer, não vai tirar pedaço se eu ficar um pouco a mais, né? Um semestre? Meu Deus. Preciso de um chá quente.

Ok. Já desisti de me formar no tempo certo. Vou prezar pela minha integridade e pelo meu dinheiro (Rivotril custa dinheiro, gente, e para ir nesta optativa vou precisar de pelo menos um pouquinho por dia). Agora vou fazer o máximo para tirar de letra o básico da faculdade. Afinal, estou na Maior Universidade da América Latina. Preciso honrar esse posto. Isso também não é fácil, mas não vou entrar nesse mérito para não ficar ainda mais ansiosa.

Chego na faculdade com as mãos suando. Nada fácil; nada de novo sob o sol. Na aula decido participar da editoria de opinião do próximo jornal. Sempre quis escrever no final do Jornal do Campus, mas morro de medo de escrever besteira e um monte de gente ler. Opinião não é fácil, ainda mais aqui na USP. Dizem por aí que a gente pode ser o que quiser aqui dentro, mas todo mundo sabe que é mentira. Existem perfis aceitáveis, se você sai muito do que já está delimitado você não é bem visto. Essa é a verdade. (Juro que tomei um calmantezinho antes de escrever isso aqui.) Aliás, leitor, se achar que escrevi alguma besteira, por favor me corrija e me desculpe! Morro de medo de dar uma opinião que você não goste.

Termino esta crônica com duas certezas: a primeira é a de que vou me arrepender assim que isso aqui for publicado (dá-lhe, Rivotril!); a segunda é a de que se a Reitoria não investir em segurança e infraestrutura, cedo ou tarde terá que criar uma Bolsa Psiquiátrica para uspianos.