Declarações do presidente da FUNAI geram indignação

Pesquisadoras expõe preocupações com atual presidente da FUNAI (Foto: Carla Camila Garcia)

Declarações recentes do atual presidente da Fundação Nacional do Índio, (FUNAI), Antônio Costa, causam indignação em organizações que refletem sobre a temática indígena. Durante entrevista à BBC, publicada em 6 de abril, Costa abordou de forma controversa alguns dos pontos essenciais em se tratando de políticas para indígenas no Brasil: demarcação de terras, exploração de recursos e proselitismo religioso. O Centro de Estudos Ameríndios da USP (CESTA), em conjunto com o Fórum sobre Violações de Direitos dos Povos Indígenas e com o Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da USP, SAJU Tuíra, publicou nota de repúdio manifestando sua preocupação quanto a desconsideração de Costa a respeito das prioridades dos povos indígenas no Brasil. No documento, as três organizações listam uma série de equívocos no discurso do atual presidente da FUNAI.

ÍNDIOS “PARADOS NO TEMPO”

Ao criticar o que chamou de dependência dos programas assistencialistas de governo, Costa manifestou seu desejo de que os povos indígenas não fiquem “parados no tempo” e sejam inseridos na cadeia produtiva nacional, algo que lhes garantiria auto sustentabilidade em termos financeiros.

Marta Amoroso, coordenadora do CESTA, esclarece que a noção de que os índios estão parados no tempo é equivocada, já que está clara a grande contribuição representada pela inovação constante em suas técnicas de gestão florestal, como o manejo de solo, do fogo, etc. Segundo ela, “nós estamos engatinhando na aproximação com estas biotecnologias geniais. A discussão que deve ser colocada é a de como aprender com esses conhecimentos tradicionais e protegê-los”. Amoroso esclarece ainda que a percepção de que a sustentabilidade deve ser alcançada a partir da abertura das terras indígenas às possibilidades de negócios não articula uma ideia de comunidade que funcione em ritmo diferente do empresariado. “Ele [Antonio Costa] não pensa os meandros da chegada de uma estrada, da chegada da exploração. Essas são populações que o mundo entende como vulneráveis, que precisam ser protegidas. O discurso dele desconsidera tudo isso. É como se ele estivesse fora de uma reflexão consolidada no Brasil sobre o direito dos povos indígenas”.

Essa não foi a primeira vez que o presidente da FUNAI expressou seu anseio de intervenção no modo de viver das comunidades indígenas. Em janeiro deste ano, pouco tempo depois de sua nomeação para o cargo, ele afirmou que o Estado brasileiro não teria mais recursos para dar continuidade ao modelo político adotado e que, portanto, era chegado o momento de “ensinar os índios a pescar”. Helena Ladeira, do Centro de Trabalho Indigenista, associação que tem ação direita em terras indígenas,  rebate este posicionamento clarificando que o papel do Estado não é o de dar aos índios condições para produzir, mas garantir que suas condições de produção, sobretudo suas terras, sejam demarcadas e protegidas de invasores ilegais e de impactos socioambientais decorrentes da exploração dos recursos naturais.

“AS TERRAS SÃO DA UNIÃO”

Outro ponto de desacordo com as falas de Costa diz respeito à exploração de recursos naturais. Para ele, em um contexto de crescente escassez, as riquezas preservadas nas terras indígenas representam uma saída. Questionado a respeito da necessidade de consulta aos povos habitantes dessas regiões para a exploração dos seus recursos, o presidente da FUNAI afirmou que ela é dispensável, já que “as terras são da União”. Talita Lazarin DalBó, que também integra o núcleo de pesquisadores do CESTA, explica que há um grave equívoco na visão de Costa, uma vez que o artigo 231 da Constituição Brasileira garante que, ainda que a posse das terras indígenas pertença à União, o seu usufruto, tal qual o de seus recursos, cabe aos índios e, portanto, eles devem necessariamente ser consultados no que for pertinente ao tema.

Marta Amoroso lembra também que o Brasil é signatário de acordos internacionais nos quais se compromete a respeitar e proteger os direitos dos povos indígenas. “O discurso do presidente da FUNAI contraria acordos que o Brasil fez com a ONU e outras organizações internacionais”, afirma. A pesquisadora aponta ainda que, historicamente, no país a violência contra os índios se traduz por meio de dois pilares: o discurso sobre a necessidade da assimilação, que visa incorporá-los à sociedade ignorando o direito à diversidade, e a noção de que eles não precisam de terras, o que se reflete na dificuldade de execução do programa de demarcação das terras

PROSELITISMO RELIGIOSO

“Vejo com a maior naturalidade”, foi o que declarou Antonio Costa ao ser questionado a respeito das pregações religiosas em aldeias. Membro do Partido Social Cristão (PSC) e pastor, o chefe da FUNAI integrou a Missão Evangélica Caiuá, que trabalha na seara da saúde. Amoroso assinala que a fala de Costa é uma maneira de generalizar todo tipo de mediação das diferentes agências que atuam junto aos índios. “Ele coloca como se a entrada na terra indígena de um católico, um protestante ou um antropólogo fossem a mesma coisa. A nossa ideia é de que não. São formas muito diferenciadas de atuação”, disse ela, que fez questão de lembrar o caráter de autodeterminação que as políticas indigenistas devem ter.   

Para Helena Ladeira, o atual cenário nacional é de graves violações aos direitos das comunidades indígenas e tradicionais. Ela aponta que, apesar de os interesses do agronegócio, mineração e empreendimentos de infraestrutura nas terras indígenas não serem novidade, impressiona “o caráter totalmente despudorado que iniciativas desses setores têm assumido no presente e a liberdade com que tem ocupado e comandado setores estratégicos do governo federal, especialmente os que afetam aos povos indígenas”.