Entenda a proposta de Pós-Graduação paga na USP

Professor Dennis de Oliveira, chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP (Foto: Mariana Gonçalves)

Os cursos pagos de pós-graduação lato sensu já são uma realidade na USP e em outras universidades públicas do país. Eles compreendem os cursos de especialização (mínimo de 360h de duração) e incluem programas de MBA (Master Business Administration), que, ao contrário da categoria stricto sensu, não conferem diploma, mas certificação. Também fazem parte da gama de extensão universitária, assim como atualização (mínimo de 30h de duração), aperfeiçoamento (mínimo de 180h de duração) e difusão, além de atividades de prática profissionalizante, programas de atualização e residência.

Arquivada no último dia 29 de março, a Proposta de Emenda à Constituição 395 de 2014, de autoria do deputado Alex Canziani (PTB-PR), tinha como objetivo a regulamentação da cobrança de mensalidades, alterando o artigo 206 da Constituição Federal que garante a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. De acordo com o texto da PEC, a pós-graduação lato sensu é facultativa e não compõe a grade acadêmica obrigatória das universidades, abrindo brecha para que não pudessem ser enquadradas no referido artigo.

No texto substitutivo da PEC, aprovado em 2015, o relator, deputado Cleber Verde (PRB-MA), explicita a autonomia das instituições para ofertar cursos pagos de extensão, pós-graduação lato sensu e mestrados profissionais, sem, contudo, alterar a gratuidade para os cursos de graduação, mestrado e doutorado – estes, sim, obrigatórios.

A intenção da proposta, segundo afirma Canziani em entrevista ao portal de notícias da Câmara dos Deputados, é garantir segurança jurídica para permitir que as cobranças continuem acontecendo, apesar de recursos no Supremo Tribunal Federal (STF) tentarem barrá-las. O arquivamento da PEC, no entanto, reacende as discussões e abre precedentes para processos contra as universidades. Em 2005, por exemplo, o Ministério Público apresentou ação civil pública contra a USP, na qual promotor Luiz Fernando Rodrigues Pinto Júnior afirmou que a cobrança para pós-graduandos usava espaço público para fins privados, privilegiando apenas quem tem o poder de pagar as mensalidades.

No arquivamento da Proposta – foram 304 votos a favor e 139 contra, sendo necessários 308 para aprovação em segundo turno – parlamentares e entidades estudantis manifestaram seu contentamento, como a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) que ressaltou a defesa da educação pública e gratuita e reproduziu a fala da deputada Alice Portugal (PCdoB/BA) em plenário: “Se essa PEC fosse aprovada, quebraria a gratuidade do ensino e nós teríamos já nas próximas semanas aqui no Congresso o projeto que prevê a quebra da gratuidade na graduação, conforme defendeu, recentemente, a secretária-executiva do MEC, Maria Helena. Isso seria um estrago na educação pública.”

Modelo de arrecadação

Para o coordenador do Centro de Estudos Latino-Americano sobre Cultura e Comunicação (CELACC), Prof. Dennis de Oliveira, é uma causa nobre defender a gratuidade, mas para isso seriam necessários recursos previstos no orçamento da Universidade para cobrir os custos, o que não acontece atualmente. “O problema dos cursos de extensão como um todo é que a Universidade não destina nenhum tipo de apoio, ela exige que eles sejam autossustentáveis”, explica. O CELACC é um Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP), que além da promoção e realização de pesquisas sobre a temática, também oferece três opções de Pós-Graduação lato sensu.

Segundo o professor, os recursos provenientes das aulas é repassado para a Fundação de Apoio à Universidade (FUSP) e usado para custeio de despesas como pagamento de professores externos e material didático, entre outros. O excedente dessa verba também é usado para financiar as pesquisas, à parte ao apoio conferido por agências de fomento.

A FUSP, assim como outras fundações presentes nos campi, é reguladas pela Lei Federal 8958/94 e também prevista no Artigo 15 da Resolução CoCEx nº 6667, de 19 de dezembro de 2013, que versam sobre as relações entre as instituições de ensino superior e as fundações de apoio. Seu papel é viabilizar recursos humanos e materiais para atendimento das finalidades de ensino, pesquisa e extensão, atuando como gestora administrativa financeira de aproximadamente 57 unidades da Universidade.

A distribuição dos recursos financeiros entre fundação, unidade e USP segue o determinado na Resolução nº 7290 de 14 de dezembro de 2016, estabelecendo que será calculada taxa de 10% sobre a receita bruta arrecadada pelos cursos, a qual será dividida igualmente entre a Reitoria e a Unidade. Cada projeto deve prever as despesas para sua execução. Segundo a assessoria de comunicação da Escola de Comunicações e Artes, na Resolução está previsto que a parcela dos valores que couber à Reitoria deverá ser recolhida ao Fundo Único de Promoção à Pesquisa, à Educação, à Cultura e à Extensão Universitária da Universidade de São Paulo (FUPPECEU-USP).

Na prática, os cursos recebem a certificação da USP, mas podem ser geridos por instituições privadas. Quando perguntado se essa relação configura um conflito de interesses, Dennis de Oliveira pontua: “Uma coisa que eu acho muito danosa é você usar os laboratórios e espaços físicos para projetos voltados para empresas, isso é muito forte em algumas unidades e aí o caráter da universidade acaba se perdendo, porque você está utilizando estruturas internas para fazer serviços privados”. Por outro lado, ele ressalta a importância das fundações como viabilizadoras dos projetos, embora defenda uma outra forma de arrecadação. Consultadas, as fundações FUNDECTO, Vanzolini e ARCO não quiseram se manifestar.

ACESSO À EDUCAÇÃO

Todo curso de extensão oferecido segue a política de isenção de custos para, pelo menos, 10% das vagas oferecidas (CoCex nº 6667 de 19 de junho de 2013), sendo garantido aos funcionários USP a gratuidade e ficando a critério das Unidades, Órgãos de Integração e demais Órgãos, tendo em vista as características e os objetivos de cada curso de extensão universitária, optarem pela cobrança de taxas (seleção, inscrição e custeio) e critérios para a concessão de bolsas de estudo.

Em nota, a Pró Reitoria de Pós-Graduação declarou que: “a despeito da proposta da PEC não ter sido aprovada pela Câmara dos Deputados, a USP aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) com relação à constitucionalidade ou não da cobrança de mensalidades nos cursos que não sejam de graduação e pós-graduação stricto sensu. Dessa forma, até que essa decisão seja promulgada, a Universidade não alterará os procedimentos hoje adotados”.