Estudo da USP sobre o uso de maconha como antidepressivo ganha prêmio internacional

Um estudo realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP – USP) analisa medicamentos utilizados no tratamento de depressão e de ansiedade. O objetivo do estudo é entender o efeito de duas substâncias sob o cérebro: os endocanabinóides (receptores encontrados no sistema nervoso) e o CBD, ou canabidiol (substância encontrada na Cannabis).  

Segundo Alline de Campos, pesquisadora da FMRP-USP, uma das motivações da pesquisa é que grande parte dos antidepressivos disponíveis possuem um período de latência de em média 4 semanas. Ou seja, para que o paciente sinta a diminuição de seus sintomas esperará um mês de tratamento. Isso, aliado ao grande número de efeitos adversos que esses fármacos podem causar, desestimulam o tratamento dos transtornos psiquiátricos.

Alline explica que o estudo busca compreender se essas substâncias podem se tornar um alternativa para reduzir a latência, e os efeitos adversos dos fármacos disponíveis hoje. “Nossa principal hipótese é que tanto o CBD quanto os antidepressivos aumentam a produção dos canabinóides endógenos, o que poderia auxiliar na resposta clínica dos pacientes que estariam sob esse tratamento.afirma pesquisadora.

Em testes realizados com modelos animais em situações de estresse crônico a pesquisa indica que o uso tanto do CBD quanto dos endocanabinoides têm menor tempo de latência em relação aos outros medicamentos, em média uma semana. Campos explica também que situações de estresse podem diminuir as ligações entre os neurônios, quadro que é recorrente em pessoas com transtornos de ansiedade e depressão. De acordo com testes da equipe de pesquisa, o CBD pode inibir essa consequência do estresse impedindo que as ligações entre neurônios sejam interrompidas.

Campos cita que pesquisas anteriores já haviam estudado os efeitos do CBD em pacientes com distúrbios psiquiátricos. Por exemplo, os experimentos dos docentes Antônio Zurardi e Francisco Guimarães da FMRP-USP, realizados em 1993, já demonstravam que o CBD produzia efeitos ansiolíticos em voluntários sadios expostos a situação de estresse.

O estudo de Campos encontra-se em fase experimental e busca levar aos pacientes com transtornos psiquiátricosuma melhor qualidade de vida, uma vez que quadros de ansiedade e depressão podem afetar profundamente o convívio social. nossa sociedade não está preparada para acolher esses pacientes. A inserção social e o entendimento da cronicidade dos sintomas impacta muito sobre a saúde, e também sobre a vida social dessas pessoas. O meu desejo é de que essas pessoas tenham suas vidas (sociais e plenas) resgatadas.ressalta a pesquisadora.

Sobre  resultados do estudo, Campos ressalta que ainda há um longo caminho pela frente com experimentos e comprovações. “Se porventura no futuro nossos dados indicarem que o uso do CBD trará benefícios e uma melhora  na qualidade de vida dos pacientes, estaremos prontos para demonstrar às agências reguladoras a segurança e a efetividade de nossa proposta.afirma a estudiosa.

RELAÇÃO COM A CANNABIS

Nos últimos anos a discussão a respeito do uso clínico de componentes da Cannabis tem evoluído em muitos sentidos, o número de grupos de pesquisa a respeito do uso dos componentes da planta têm aumentado expressivamente no Brasil conta Campos.

Cada um dos componentes da Cannabis, ou a planta em si, possuem dados científicos que sugerem que seus possíveis usos terapêuticos dependem do diagnóstico: desde um câncer, passando pela esclerose múltipla, doença de Parkinson, ansiedade e depressão, explica Campos.

No final de 2015, a Anvisa regulamentou o uso de THC, principal componente da Cannabis, em medicamentos. Porém, apesar dos avanços Campos conta que um dos principais pontos da discussão do uso medicinal da Cannabis ainda é o preconceito e é necessário conscientizar a população de que as evidências científicas existem e indicam aplicações clínicas para cada um dos componentes da planta, e essas aplicações devem ser devidamente estudadas.

A pesquisa de Campos foi uma das dez vencedoras do prêmio L’Oréal para Mulheres na Ciência em 2015. Fruto de uma parceria entre a Fundação L’Oreal e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a premiação busca incentivar a participação feminina na ciência e conta também com incentivo da Unesco (Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas).