Proposta de teto dos gastos salariais divide professores, estudantes e funcionários

Entidades, professores, alunos e funcionários da USP apresentaram críticas ao projeto de “Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira” aprovado no último Conselho Universitário (CO). Os comentários dizem respeito a forma como a medida foi aprovada, ao seu conteúdo e a colocam como parte de um processo de desmonte e precarização da USP da gestão do Reitor Marco Antônio Zago

A medida é uma proposta apresentada pela Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) para servir de resposta ao atual cenário de crise de financiamento da USP e sistematizar como o orçamento será usado após sua aprovação. Em todos os anos, desde o início da gestão do Reitor Zago, somente o gasto na folha de pagamento foi superior a todo o repasse do governo estadual, o que levou ao uso das reservas financeiras da Universidade.

Segundo nota divulgada por sua assessoria, a Reitoria afirma que a Universidade está apenas seguindo seu Estatuto, o qual prevê que a COP proponha parâmetros financeiros que seriam fiscalizados pela Controladoria-Geral, uma vez aprovados pelo CO. No entanto, muitas congregações não puderam sequer discutir o projeto dentro de seus institutos e, além disso, a aprovação veio através de uma reunião esvaziada, após ação desproporcional da Tropa de Choque da Polícia Militar, como noticiado na edição 468 do Jornal do Campus.

 


A proposta
prevê que que os gastos com a folha salarial da Universidade não ultrapassem 80% dos repasses feitos pelo governo do estado. Segundo a COP, este valor é o considerado ideal para a manutenção da saúde econômica da USP. Além disso, caso esta despesa ultrapasse os 85% do orçamento, o excedente deve ser cortado em caráter de urgência, porém a forma como isso aconteceria não é especificada. Esse parâmetros passariam a valer a partir de cinco anos, em 2022.

Outro ponto bastante polêmico levantado no texto dos parâmetros a relação do número de de servidores técnico-administrativos da Universidade que seriam reduzidos dos atuais 71% para 60% do total de funcionários da USP. Para isto acontecer teriam de ser contratados mais de 2000 professores, demitir cerca de 6000 técnicos-administrativos ou encontrar um meio termo entre ambos.

Em nota a Reitoria afirmou não haverá quaisquer demissões e a maneira pela qual a Universidade pode tratar da demissão de servidores “é exclusivamente por meio de Programas de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDVs), como, aliás, já foi feito em duas oportunidades”. Além disso, afirma que a aprovação dos Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira também não estabelecem a adoção de novos PIDVs.

O impacto da proposta sobre os salários indicaria uma redução significativa no poder de compra dos servidores da Universidade até mesmo no cenário mais positivo em que a inflação não ultrapassa o piso de meta do governo federal (2,5% ao ano). As informações são do Observatório da USP, seção do Centro Acadêmico Visconde de Cairu (FEA-USP) criada para para fornecer informações no intuito de embasar o debate sobre a crise na USP, com base em dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

Além disso, a provável saída de funcionários, por meio de demissões, PIDVs ou aposentadorias também afetaria e precarizaria serviços da Universidade. “Os efeitos do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), por exemplo, já podem ser sentidos no atendimento do Hospital Universitário (HU), funcionamento reduzido de bandejões e bibliotecas, para além de outros setores mais específicos de cada unidade”, pontou o Observatório da USP em entrevista ao Jornal do Campus.

A Adusp aponta que a situação é dramática há anos e problema agravou-se e ficou explicito na gestão Zago por conta, principalmente, dos PIDVs. “Há anos não há contratação regular de pessoal (por concurso público de efetivação), o que sobrecarrega os servidores na ativa. Isso não bastasse, a Administração Central adotou dois planos de demissão voluntária (PIDV) que resultaram na perda de 3.500 funcionários técnico-administrativos”, comenta César Minto, presidente da Adusp.

Críticas são realizadas à proposta original do texto desde antes de sua aprovação. Representantes do Sindicato dos Trabalhadores da USP, o Sintusp, denunciaram que a medida seria “um retrocesso” e colocaria em risco o emprego de funcionários assim que a pauta do Conselho Universitário foi disponibilizada. Estudantes e professores, através de sua associação, a Adusp, também somaram forças e indicaram posicionamentos contrários a aprovação da medida.

Um dos professores favoráveis ao estabelecimento de uma proposta de teto de gastos com salários, Mauro Bertotti, do Instituto de Química (IQ-USP) afirmou ao Jornal do Campus que “a ação era necessária para equilibrar as finanças da USP e, de maneira efetiva, esclarecer a sociedade que os recursos investidos são vultosos, mas empregados de acordo com diretrizes orçamentárias muito bem definidas e de longo prazo”. O professor, porém, acredita que talvez o processo pudesse ser conduzido de outra maneira.

A ponderação ao tempo vai ao encontro das manifestações de professores, estudantes e alunos, que surgiram durante a realização do Conselho Universitário. Segundo Rodrigo Toneto, ex-presidente do CAVC e estudante de economia, a ação vai na contramão da plataforma de democracia na Universidade com que a gestão Zago foi eleita e que a aprovação dos parâmetros pode ser questionada inclusive pela  forma como foi aprovada. “O projeto carece de legitimidade não só por suas proposições radicais, mas também porque foi aprovado sem o menor diálogo e fazendo uso de extrema violência”, comentou em entrevista.

“A medida de Zago, que em cinco anos — um horizonte de tempo irreal — promete resolver toda a questão orçamentária da universidade, é um descalabro. Não leva em conta as especificidades de cada campus e de cada unidade, não busca entender quais serviços já sofrem por falta de estrutura e parece ignorar que a crise na USP não é só financeira mas também política e institucional. Se o debate fosse amplo e democrático, seria possível que a comunidade universitária optasse por alguns serviços, que debatesse suas prioridades sem fazer um corte horizontal tal qual se propõe.”

O Observatório da USP também questiona a medida, apontando que os “Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira da Universidade” na verdade são um fim, para o qual os meios não são explicados. “É estabelecida uma meta sem explicitar os meios de atingi-la. Isso significa que ele não há é sozinho uma nova política orçamentária para a Universidade, mas sim, uma regra que cria dispositivos automáticos de ajuste que forçam a USP a cumprir as metas, abrindo assim, brechas para arrochos salariais e/ou demissões, por exemplo”

Alternativas são propostas pelos diversos grupos críticos do projeto e até por quem apoia a iniciativa da Reitoria e da COP, por acreditar que somente o teto dos gastos não será o suficiente para resolver a crise. Além disso, é colocado pelo Observatório da USP que não basta pensar o orçamento da Universidade somente através de medidas para conter os gastos com a folha salarial, mas também procurar estabelecer formas concretas para outros pontos importantes da vida universitária, como permanência e pesquisa.

“A universidade que queremos é inclusiva, para isso é preciso um projeto de permanência estudantil concreto, é tarefa do governo do estado pensar nisso. Não dá para o orçamento do USP ser disputado de uma forma que ignore a questão da permanência e da extensão. O governo do estado poderia pensar num mecanismo de financiamento amplo para permanência das três universidades estaduais (USP, Unesp e Unicamp). Tal qual ocorria com o plano nacional de assistência estudantil que havia no governo federal”, explica o ex-presidente do CAVC.

A Adusp aponta também que a medida não atinge o real problema orçamentário da USP, que seria uma questão de financiamento ao invés de financeira, como é alegado pela Reitoria. Segundo a entidade representativa dos professores, as universidades estaduais paulistas recebem o mesmo valor de 9,57% do ICMS desde 1995, e este valor ainda não chega completo, o que é muito pouco considerando a quantidade de cursos mais que dobrou e a quantidade de alunos aumentou em 76%.

A ideia vai ao encontro do posicionamento do Diretório Central Livre dos Estudantes (DCE Livre da USP), que declarou ao Jornal do Campus: “a alternativa mais viável [para a solução da crise] é o aumento do repasse do ICMS para a USP, pois já mostrou-se que existe uma crise de arrecadação, tendo em vista que a universidade expandiu-se e não arcou com as devidas necessidades impostas ao seu crescimento. A verdade é que não foram contratados um número expressivo de funcionários e docentes nos últimos anos  e, pelo contrário, instaurou-se os Planos de Demissão Voluntária, precarizando a educação pública.

Mensalidades para os cursos da graduação é uma outra possibilidade levantada na crise dos últimos anos, uma vez que, segundo a Folha de S.Paulo, a partir dos critérios do Prouni, em 2014, 64% dos alunos da USP teriam de pagar algum valor se estivessem no programa de bolsas do governo federal. Porém, o professor Mauro Bertotti discorda desta visão, lembrando que a universidade pública é um investimento do Estado ― não uma despesa ―, e que contribui para o desenvolvimento técnico e socioeconômico do país, além de questionar com outros dados.

“A análise dos dados socioeconômicos do vestibular de 2016 indicam que apenas 25% dos ingressantes pertencem a estratos sociais mais abastados (renda familiar maior do que 10 salários mínimos), ou seja, é uma falácia afirmar que a USP é uma instituição frequentada por ricos. Ainda que esses alunos pagassem pelos estudos a preços de mercado, a renda advinda representaria uma fração pouco significativa do montante que a universidade recebe do Estado e das agências de fomento”, explica.

O Enem surge nesse contexto como uma alternativa indicada pelo Observatório da USP. Segundo a comissão do CAVC responsável pelo órgão, a adesão completa ao Exame Nacional do Ensino Médio injetaria recursos do governo federal na Universidade. “Há também a possibilidade de a USP entrar integralmente no Enem, adquirindo o direito de repasses do Plano Nacional de Educação — que além de representar um caminho para uma democratização do acesso, significaria uma fonte alternativa de recursos.”

Desde 2016, a Universidade formalizou sua adesão ao exame nacional e parte significativa das vagas para ingressantes na graduação é feita pelo Enem. Além da possibilidade da injeção de novos recursos, pela tendência observada nos últimos anos, haveria a ampliação das cotas raciais e para estudantes advindos de escolas públicas — a exemplo das recém aprovadas na Faculdade de Direito de USP.