Nas Américas, somos geneticamente mutantes

ESTREITO DE BERING: Na teoria mais aceita, o homem chegou à América via uma ponte de gelo formada na Era Glacial entre a Rússia e o Alasca (Foto: Letícia Fuentes)

Uma pesquisa liderada pela geneticista Tábita Hünemeier, professora do Instituto de Biociências da USP, concluiu que uma modificação genética nos povos do continente americano favoreceu a adaptação de seu organismo à uma dieta rica em gorduras insaturadas.

O artigo, intitulado Genetic signature of natural selection in first Americans, publicado no início deste ano na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, é fruto de uma análise que durou pouco mais de um ano. A equipe coordenada pela Drª Hünemeier contou, entre outros integrantes, com a participação de dois pós-doutorandos Kelly Nunes (USP) e Carlos Eduardo Amorim (University of Columbia). A princípio, os pesquisadores trabalharam em paralelo com a análise dos genomas e, depois de semelhanças encontradas, uniram os resultados.

“Quando começamos a estudar e detectamos essa característica, percebemos que ela estava presente em diversos povos nativos americanos. Estamos falando de um continente muito grande e de uma mutação em alta frequência”, explica Hünemeier. “Isso só pode ser explicado por um evento de seleção natural anterior à ocupação da América”, continua.

Há cerca de 20 mil anos, asiáticos ocuparam o que hoje é o Estreito de Bering. Lá permaneceram por cerca de 5 milênios até que as geleiras começaram a derreter e a água inundar o território. Como forma de sobrevivência, deslocaram-se e chegaram à América. Durante esse tempo, eles tiveram uma dieta rica em proteínas e gorduras (carne de foca, por exemplo). Além do fator climático, tal dieta contribuiu para a mutação.

“Obviamente existiram outras modificações, especialmente relacionadas ao DNA mitocondrial, senão nós teríamos terras ocupadas exclusivamente por asiáticos, e não foi isso o que aconteceu: temos uma população continental com características diferentes”, elucida a pesquisadora. “Porém, nada tinha, até então, importância funcional. A grande diferença é que descobrimos um evento de seleção natural em uma população ancestral a todos os americanos e não somente aos esquimós como se pensava”, destaca.

Hünemeier revela que, naquele ambiente hostil, extremamente frio e úmido, os indivíduos que metabolizavam melhor as gorduras eram mais fortes e robustos e, portanto, mais resistentes, o que lhes conferia maior chance de sobrevivência. Por esse motivo, procriavam mais e, consequentemente, passavam a mutação genética adiante, aumentando sua frequência.

“Mesmo que hoje não tenhamos mais aqueles hábitos alimentares específicos, a modificação persiste, porque não é maléfica em nenhum estágio, não nos causa mal”, conclui.