Série ’13 Reasons Why’ foge à cartilha da OMS

’13 Reasons Why’ acompanha a trajetória de Hannah Baker (Katherine Langford), uma adolescente que comete suicídio (Foto: Beth Dubber/Netflix)

A série 13 Reasons Why, lançada pela Netflix no último dia 31 de março, trouxe à tona um assunto pouco abordado pela mídia: o suicídio. Ainda que a produção trate de assuntos como bullying e estupro, o trágico fim da personagem Hannah Baker foi o responsável por tornar 13 Porquês a série mais comentada nas últimas semanas, segundo dados publicados pelo The Huffington Post. Isso deixou em alerta profissionais de saúde, conscientes dos efeitos nocivos provocados pela abordagem equivocada do assunto. Por outro lado, textos sobre prevenção do suicídio e a importância do cuidado com a saúde mental pipocaram após o sucesso da produção: só na semana do lançamento, 3,5 milhões de posts nas redes sociais falavam sobre série, que baseou-se em livro homônimo de Jay Asher.

Para ajudar a compreender de como o suicídio deve ser tratado pela mídia, a Organização Mundial da Saúde desenvolveu o documento Prevenção do suicídio: um manual para profissionais de mídia. Com base nas diretrizes apontadas nele, os principais erros da série são informar detalhes específicos do método utilizado no suicídio e atribuir culpados pelo ocorrido. Teng Chei Tung, doutor em psiquiatria pela FMUSP, criticou a escolha feita pela produção de mostrar graficamente a morte de Hannah. “Nunca se deve ensinar como fazer um procedimento suicida de forma eficaz. Neste caso, a série 13 Reasons Why pecou por tentar ser fiel ao livro e mostrar com detalhes o ato. Isso é totalmente inadequado”. O contra-argumento apresentado pela Netflix no vídeo making off, exibido ao final da série, foi a intenção foi criar um retrato fiel à realidade. O produtor executivo da série, Brian Yorkey, explicou no vídeo os motivos para veicular a cena do ato. “Nós queríamos deixar claro que não há nada que valha a pena no suicídio”. Em seguida, a atriz Kate Walsh, que interpreta a mãe de Hannah Baker, conta como os produtores se preocuparam em prestar um tributo aos que passaram pela mesma situação, deixando claro o quanto é difícil e desesperadora.

Ao apontar culpados, a série comete mais um erro de acordo com a OMS. Tirar a própria vida é resultado de uma soma de fatores complexos e diferentes para cada indivíduo. O suicídio não é, no entanto, um fenômeno inexplicável. Segundo o doutor em Psiquiatria e professor da FMUSP, Francisco Lotufo, a principal explicação são transtornos mentais, como depressão e psicoses. Ainda que a decadência de Hannah Baker seja retratada através das suas mudanças de comportamento, como o isolamento e a queda no desempenho acadêmico, nenhuma das personagens da série procura ajuda especializada. Colocar o cuidado com saúde mental em segundo plano na narrativa não segue outra diretriz do Manual: a necessidade de destacar alternativas ao suicídio. Os adolescentes, em geral, têm dificuldade em se comunicar com adultos, principalmente com figuras de autoridade, como pais e professores. Ao mostrar a ineficácia do pedido de ajuda feito por Hannah ao conselheiro da escola sem apresentar outro caminho, a série dá a entender que naquela sequência de fatos o suicídio era o desfecho lógico, como aponta Paula Mesquita, estudante de comunicação: “A mensagem que é passada é que não existe ajuda possível”.

(Imagem: Leticia Fuentes)

Um único por quê Paula chegou perto da tentativa de suicídio dois anos atrás, após uma crise de pânico causada por um transtorno de ansiedade. Depois do acontecimento, procurou a única ajuda eficaz nesses casos: a profissional. “Por muito tempo eu procurei ajuda em pessoas próximas”, conta Paula, que identificou-se com a personagem Hannah Baker, que desenvolve o mesmo comportamento na série. “Mas, ninguém que não seja um profissional treinado vai conseguir dar a ajuda que você precisa”. Paula tratou seu transtorno de ansiedade com psicólogos e acredita que o principal erro da série é abordar superficialmente a questão da saúde mental. Por conta disso, segundo ela, a ideia transmitida aos espectadores é a de que o suicídio é opcional: “Nunca é uma escolha”.

Além disso, Paula atribui que a culpabilização das personagens pelo suicídio de Hannah é “pesada e incorreta”. “Eu entendo que a série quer passar uma mensagem para que as pessoas, principalmente os jovens, repensem suas atitudes. Nesse sentido, ela cumpre o seu papel”. Ainda que o ambiente externo piore a situação, Paula afirma não é possível encontrar nele os por quês do suicídio’: “O único motivo foi o fato de Hanna ter um transtorno mental e não receber a ajuda correta”.

Público alvo Para compreender as escolhas feitas na produção de 13 Reasons Why, sejam elas certas ou erradas, é importante ter em mente seu principal público alvo: adolescentes. As personagens estão no ensino médio, mas os diálogos às vezes remetem a preocupações comuns a faixas etárias mais jovens. A caracterização dos personagens, com base em estereótipos frequentemente relacionados à adolescência, como o nerd e o atleta, facilita a identificação imediata por parte da audiência. Esse recurso é utilizado em outras produções direcionadas ao mesmo público e, normalmente, não é alvo de críticas. No entanto, dada a sensibilidade dos temas abordados na série, a superficialidade na construção das personagens chamou a atenção do comunicador Sílvio Anaz.

De acordo com Sílvio, pós doutorando em Meios e Processos Audiovisuais da ECA, suas críticas sobre a série partem de uma máxima comum aos roteiristas: “a verdade não tem de ser plausível, a ficção tem”. Na opinião de Anaz, a construção das personagens de Hannah, Clay, amigo da protagonista que ouve as gravações durante episódios e do ‘vilão’ Bryce Walker prejudicam a narrativa da série. “É difícil aceitar que Clay não ouça todas as fitas de uma só vez. Além disso, ele tem atitudes excessivamente maduras em algumas situações para quem tem 17 anos”. O estereótipo associado a Bryce, de um garoto rico, mimado e com pais ausentes, não ajuda a evidenciar o impacto de suas atitudes na história. “Essa é uma caracterização extremamente simplista e rasa para um personagem que assume grande importância na narrativa. A não ser que sua caracterização seja aprofundada em uma eventual segunda temporada, esse foi um dos principais pontos fracos da série”, aponta Sílvio.

Para além das polêmicas, a série pareceu atingir o seu principal público alvo de maneira eficaz. Mobilizações através de redes sociais, como pintar a unha com a cor de esmalte utilizado por Hannah, criam a sensação de pertencimento e apoio para quem lida com situações comuns à protagonista. Além disso, duplicou o número de ligações para o Centro de Valorização à Vida (CVV), associação que fornece apoio emocional e prevenir suicídios. Inclusive, a série foi citada durante as ligações, segundo informações do CVV. Sílvio considera que, apesar desse desdobramento mostrar a eficácia do produto comunicacional, é inadequado utilizá-lo para o marketing da série.

Uma consequência positiva disso tudo, interligada a série, mas não limitada a ela, foi a conscientização acerca do suicídio e do bullying. Paula Mesquita, Sílvio Anaz, Francisco Lotufo e Teng Chei Tung concordam que 13 Reasons Why fomentou o debate acerca desses assuntos. No entanto, Tung aponta que a abordagem da prevenção no Brasil ainda é restrita, devido à falta de estrutura para atender uma demanda caracterizada pelo médico como “desconhecida e silenciosa”. “Os serviços de saúde não tem programas específicos para lidar com pacientes suicidas”. Todo cuidado ao abordar o suicídio, portanto, é pouco. Desencadear pedidos por ajuda em um país com pouca estrutura para atender a demanda pode gerar consequências graves, como o disparo de ‘gatilhos’ em indivíduos já sensibilizados por transtornos mentais.

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