‘Terceirização não gera novos empregos’, diz especialista

Dario Valeriano – Controlador de acesso terceirizado da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da USP

O presidente Michel Temer sancionou, na última sexta-feira (31), o projeto de lei da terceirização irrestrita no país. Com o objetivo de expandir de forma regulamentada a modalidade e defendida como uma solução para a situação do desemprego do país, a proposta se mostra falha para estes princípios quando analisada. Ademais, também são apontadas críticas pela pouca proteção ao trabalhador que ela oferece, além de fraudes em concursos públicos e a possibilidade de agravamento da crise econômica que ela representa.

A terceirização é o modelo de negócio pelo qual uma empresa prestadora de serviços é contratada, geralmente por uma empresa maior, para realizar funções específicas em certo setor. Até a aprovação do novo projeto de lei, não havia no Brasil uma legislação específica sobre terceirização, apenas um conjunto de decisões na Justiça que serviam como referência. Segundo elas, a prática só seria permitida nas atividades secundárias das empresas, nunca nas principais – tecnicamente conhecidas por “atividades-fim”. A maior novidade que a lei trará, é a regulamentação da terceirização de qualquer atividade. “Eu diria que o texto legislativo é ruim. Não há referência às atividades-fim, então podem existir diversas interpretações. Mas é claro que a intenção de seus defensores é que houvesse essa liberação de um modo geral”, explica Guilherme Feliciano, especialista em Direito do Trabalho e professor da Faculdade de Direito da USP. O professor também diz que o projeto só é específico nesse sentido em relação aos trabalhadores temporários, aqueles contratados em função do acréscimo de serviço em determinado período, como lojas em época de festas.

Dos três vetos feitos por Temer no texto original, apenas um é significativo: não será permitida a prorrogação do prazo de 270 dias de contrato temporário de trabalho. Os outros dois parágrafos foram cortados porque repetem direitos já previstos na Constituição Federal – são sobre carteira de trabalho e Previdência Social e garantias de segurança do empregado.

Profº Guilherme Feliciano, especialista em direito do trabalho

Resgate do passado. O Projeto de Lei de número 4302, agora Lei 13.429/2017, existe há um bom tempo. Ele foi redigido e encaminhado ao Congresso no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, e aguardava a análise final da Câmara dos Deputados (ocorrida no último 22 de março) desde 2002. Guilherme Feliciano estranha essa demora: “Houve um pedido de retirada [do projeto] pela presidência da república nos governos posteriores ao do FHC. É uma das razões pela qual se questiona a constitucionalidade da aprovação do PL, exatamente porque esse período de retirada não teria sido exatamente observado”. O professor, no entanto, analisa as razões que podem ter levado a essa retomada repentina. “As forças interessadas em ver aprovada a terceirização sem limites identificaram uma inesperada resistência no Senado Federal, ultimamente, no que diz respeito a alguns políticos, conhecidos defensores dos direitos sociais, que elaboravam propostas com o intuito de tornar a prática mais garantista e socialmente adequada”. Portanto, segundo Feliciano, entendeu-se por bem resgatar o PL 4302 para escapar desta discussão.

Um dos maiores argumentos levantados pelos defensores da terceirização irrestrita é a geração de novos empregos que a medida hipoteticamente trará. Mas o professor discorda. “Acho que o que ela fará será simplesmente estimular a migração dos postos de trabalho hoje diretos para postos terceirizados. Logo, não se criam novos empregos, apenas os precariza”. E já pensa nas consequências: “Se precariza, há redução da massa salarial. Economicamente, isto é um claro sinal recessivo dos efeitos dessa lei”.

Além disso, Feliciano ressalta que, na realidade brasileira, é mais vantajoso para o trabalhador ser contratado por uma empregadora do que por uma terceirizada. Em uma relação comercial, sempre que há um intermediário, o trabalho final é mais caro por conta do lucro deste intermediário. No Brasil, nos casos de terceirização, isso não acontece: é mais barato para a empresa contratar terceirizados do que funcionários diretamente. No entanto, mesmo com a remuneração do trabalho final pior, o intermediário (a empresa terceirizada, no caso) continua com seu lucro. Este fenômeno só se explica pelo sucateamento dos direitos sociais sempre que há a prática. “Salários piores, jornadas maiores, mais acidentes. As estatísticas mostram que a terceirização é algo nefasto para o trabalhador brasileiro”.

Vivendo na pele. Para Dario Valeriano, controlador de acesso de um dos prédios da FEA e funcionário terceirizado de uma empresa contratada pela faculdade, a medida também não agrada. “Do jeito que as firmas terceirizadas são má qualificadas, não acho que oferecerão um bom serviço em todas as atividades”. E reforça o pensamento do professor: “É muito melhor trabalhar para uma empresa contratante do que para uma intermediária. Essa lei vai ser, principalmente, ruim para a crise econômica”.

Funcionalismo público. Quando se trata das consequências da nova lei para o setor, principalmente na questão da admissibilidade por meio de concursos e provas, Guilherme Feliciano é claro ao dizer que, se prevalecer a interpretação corrente do “vago texto legislativo”, haverá interferência das novas regras no setor. Principalmente, no caso das estatais – empresas públicas de economia mista que, embora integrem a administração pública indireta, utilizam em suas relações trabalhistas o mesmo regime jurídico de empresas privadas. Um caixa de um banco estatal, por exemplo, só era empregado após aprovação em concurso público. Agora, com as atividades-fim podendo ser terceirizadas, o banco poderia contratar um caixa pelo intermédio de outra empresa. “Isso representaria uma burla ao princípio da admissibilidade ao serviço público. Se for este o uso, caberá o ingresso em juízo para discussão, uma vez que a lei não é clara sobre o assunto”, afirma o professor.

No entanto, no caso de professores, juízes e outros servidores públicos ligados à administração pública direta, Feliciano conforta ao dizer que não vê riscos da lei ser interpretada da mesma forma para esses cargos, ao menos de imediato. Mas alerta sobre a educação terceirizada ser um problema que já vivenciamos, independente da sanção de Michel Temer. Antes do PL 4302 sequer ser aprovado, o Supremo Tribunal Federal havia decidido sobre a legalidade das Organizações Sociais, que são associações privadas conveniadas ao poder público para prestar serviços educativos aos estados – entre eles, São Paulo é um dos que conta com escolas nas quais até atividades de docência são delegadas a essas organizações.

Indecisão de Temer. Após ver seu índice de rejeição, que classifica o governo como “ruim ou péssimo”, ter subido de 46% para 55%, e temendo o desgaste público que a sanção da polêmica lei traria, o presidente pensou em estabelecer mais garantias aos terceirizados antes de aprovar o projeto. Entretanto, pressionado pela base aliada e pelo setor empresarial, logo recuou. Renan Calheiros, líder do PMDB no Senado, foi a público no último 28 de março para se manifestar contra a decisão de Temer. Para ele, a proposta “precariza as relações de trabalho, agrava o desemprego, diminui as arrecadações e aumenta os impostos”. Guilherme Feliciano comenta que a declaração de Calheiros aconteceu pela percepção dos impactos eleitorais ruins que essa lei sancionada trará por parte da sociedade civil. “Tudo isso terá um reflexo negativo do ponto de vista estrutural. Talvez o Senador, inteligente como é, tenha se apercebido disto”, aposta.

IMPACTOS SOCIAIS

São comuns os casos, ao redor do mundo, de terceirizações utilizadas por grandes empresas de fornecimento global nas quais os processos produtivos acontecem em locais de trabalho extremamente precários e de modo ilegal. Por esses métodos ocorrerem em grande quantidade e as empresas intermediárias responsáveis ultrapassarem fronteiras, os fornecedores contratantes se eximem da culpa ao dizer que, no momento em que contrata uma terceirizada, não há como saber quais funcionários auxiliares esta adquire para o serviço e nem tem como fiscalizar o modo como ela está operando. “A negativa deste conhecimento se faz inclusive deliberadamente, como forma de se defender da responsabilidade”, explica Feliciano. No Brasil, o professor afirma que o Ministério Público do Trabalho tem se prevenido para que empresas com esse tipo de cadeia de fornecimento se preocupem com quais terceirizadas está fazendo um acordo. “No entanto, é claro que a possibilidade de uma terceirização na atividade-fim irá potencializar o quadro de exploração da mão-de-obra”.