Abram as cortinas! O espetáculo vai começar

Apesar dos obstáculos, atores das Cênicas mantêm chama do teatro na Universidade

(Foto: Elvira Cabral)

O espetáculo Experimento Bernarda Soledade iniciou uma curta temporada, até o dia 21 de maio, no Teatro Laboratório do CAC (Departamento de Artes Cênicas da ECA). Baseada na obra A História de Bernarda Soledade – A Tigre do Sertão, do autor pernambucano Raimundo Carrero, a peça apresenta um conjunto de relações de poder, marcadas por tensões, conflitos e traições, na região sertaneja. A apresentação faz parte da abertura do processo de conclusão de curso de Maíra Frois, aluna do departamento de artes cênicas e diretora do espetáculo.

Assim como o Experimento Bernarda Soledade, o CAC tem oferecido, nos últimos anos, diversos outros espetáculos abertos e gratuitos ao público. Apesar da oferta de um teatro de qualidade, “o número de pessoas que vem prestigiar as apresentações ainda é reduzido”, demonstrando uma certa “resistência do público ao teatro contemporâneo”. Idalvo S. ds Santos (Fernandes), produtor teatral do CAC há 12 anos, atribui esse comportamento ao fato de “as pessoas geralmente [procurarem] grandes musicais, peças clássicas, ou atores já conhecidos [quando vão ao teatro]. Muitas vezes, o público sai de casa para ver o ator [e não a peça]”.

Para ele, a inserção do público na atual cultura de massa contribui, muitas vezes, para essa resistência. “[As pessoas] estão tão habituadas a assistir televisão, novelas, e vão para o teatro buscando essas figuras que já veem todos os dias”. Em um trabalho que realizou com o ator Aílton Graça, Fernandes destaca a euforia do público em falar com o ator ao final do espetáculo. “O público realmente ia ver o Aílton, eles não estavam nem aí para o espetáculo. Eles iam ver o ator”.

Mas, a estudante Maíra afirma que esse comportamento deve ser aproveitado pelo teatro. Segundo a diretora teatral, as pessoas possuem um interesse por histórias, ainda que pautadas em uma cultura de novelas. Ela acredita que, mesmo assim, esse gosto deve ser estimulado, de forma “a resgatar o elemento essencial do teatro, que é contar uma história”. Para ela, o problema se encontra no fato “[das] pessoas acreditarem que já são contempladas por histórias [as das novelas]. Então, ao irem ao teatro, não vão em busca dessa história, mas das pessoas que [para elas] já lhes contam histórias [atores de televisão]”.

No ano passado, uma pesquisa da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo revelou que 62,1% dos paulistanos nunca foram a um teatro. Na época, o diretor da Escola do Parlamento, Christy Ganzert Pato, afirmou que o problema não estava na falta de acesso aos serviços, mas nos motivos que levavam as pessoas a não buscarem os recursos disponíveis. Um quadro semelhante a esse se manifesta na Universidade, uma vez que há diversidade de espetáculos oferecidos, mas um reduzido público que os procura.

Fernandes ressalta, por outro lado, que, apesar desse modesto número de pessoas, há também assíduos frequentadores das apresentações do CAC. “O público do CRUSP sempre vem procurar [peças], mesmo quando não tem”. Gustavo Saulle é um dos apreciadores dos espetáculos teatrais oferecidos pela Universidade. Ator e integrante de um projeto de pesquisa na área de dança, ele afirma que gosta de acompanhar experimentos teatrais e trabalhos de conclusão de curso.

Dificuldades

Entre obstáculos enfrentados por aqueles que desejam produzir peças na USP, Maíra destaca a dificuldade de conseguir verbas.. “Em São Paulo, sem nenhum financiamento público, sem verba da universidade, a gente não consegue manter uma companhia estável.” Para colocar o Experimento Bernarda Soledade nos palcos, a diretora realizou uma campanha na internet, a fim de arrecadar a renda necessária para sua produção.

Na peça Um Hamlet a menos, que esteve em cartaz no CAC até 30 de abril, as dificuldades foram semelhantes. Thaís Sodré, aluna de artes cênicas e responsável pelo espetáculo, afirma que a principal dificuldade foi a financeira., Há alguns anos existia um certo apoio financeiro que os grupos recebiam para montar os espetáculos. E isso foi cortado”.

Em parceria com Samara Nemenz e Bianca Nunche, também alunas das cênicas, Thaís constrói uma adaptação de Hamlet, de Shakespeare, conferindo um novo olhar a obra. Ao colocar em cena apenas personagens femininos, a atriz cria uma outra perspectiva ao clássico, uma vez que rompe com o padrão de predominância masculina, existente nos palcos ingleses da época do dramaturgo.

Samara, atriz do espetáculo, ressalta o valor dessa ruptura, destacando também a importância de uma maior divulgação para o aumento do público. “Sinceramente, eu vejo mais alunos do CAC virem às peças do que de outros departamentos. Eu acho que ajudaria muito ter mais divulgação”.

Ela ainda afirma que, muitas vezes, o encantar do público está relacionado à paixão com a qual os envolvidos na peça realizam seu trabalho. “Eu acho que quanto mais paixão a gente coloca no que estamos fazendo, quanto mais gostamos daquilo que a gente faz, acredito que isso passa para o público e acaba chamando a atenção.”

Marcelo Denny Leite, chefe do departamento de Artes Cênicas, argumenta que “a verba [disponível para isso] é a do departamento e nós vamos administrando”. Ele aponta que a oscilação do valor direcionado para cada espetáculo relaciona-se ao número de projetos de conclusão de curso que o CAC recebe a cada ano.“ o departamento tem de dividir essa verba como uma mãe para todas as áreas de conclusão.”

Além disso, Leite ressalta também as dificuldades de manutenção dessas atividades, uma vez que verba disponível “é a mesma há 5 ou 6 anos”, mas garante que “nesse ano nós vamos ajudar mais”. O coordenador completa “o departamento possui demandas tão importantes quanto, como o congresso IFTR International Federation for Theatre Research que iremos sediar em julho”.

Em relação a divulgação, ele comenta que “ [os alunos] têm de criar artimanhas de divulgação. Eles sabem que existe o setor de comunicação da ECA. Vai de cada projeto ir atrás.”

Benefícios

Para a professora Sandra Patrício Ribeiro, do Instituto de Psicologia, o teatro possui múltiplos benefícios, tanto para quem atua quanto para quem prestigia. “O inter jogo que ele estabelece com o espectador envolve muito mais que a pura cognição: mobiliza emoções e julgamentos. As imagens reveladas pelo teatro, como diria Bachelard, deformadas, transformadas, pela imaginação criadora do público, segundo as linhas de força de seus próprios sentimentos, valores, entendimentos e disposições.”

Sandra destaca ainda que a narrativa teatral possui, em sua essência, uma estreita correspondência com as tensões presentes nos níveis individuais e coletivos da vida cotidiana. “Quando uma peça teatral desvela limites do nosso conhecimento e do nosso controle sobre nosso agir e nosso destino individual e coletivo – e, portanto, nos desilude – ela pode fazer-nos perceber nossas limitações e pode nos impulsionar à uma atitude de serenidade frente às nossas próprias limitações”.