Combater as reformas e defender a política

Para Carina Vitral, essas são as principais tarefas de quem a suceder na presidência da UNE

(Foto: Mídia Ninja)

A estudante de economia da PUC-SP Carina Vitral (PCdoB-SP) foi eleita presidenta da União Nacional dos Estudantes em junho de 2015. Desde então, o Brasil passou por uma série de mudanças, como as ocupações das escolas por secundaristas, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a turbulência que foi o primeiro ano do governo de Michel Temer na presidência do Brasil.

Agora, ela se prepara para passar o cargo para uma sucessora ou sucessor, que será eleito no próximo Congresso da UNE (Conune), que será realizado entre os dias 15 e 18 de junho. Durante os dias 30 e 31 de maio e 1 de junho, a USP elegerá os seus delegados para o Conune. Em meio a isso, Carina conversou por telefone com o Jornal do Campus enquanto prepara a organização do congresso em Belo Horizonte.

Jornal do Campus: Qual o balanço que você faz da sua gestão à frente da UNE? E do renascimento da atuação dos secundaristas que ocuparam escolas em 2015 e 2016.

Carina Vitral: O balanço que fazemos dentro da gestão é bastante positivo, porque apesar de não ter sido um período marcado pelas vitórias, foi pautado com muita luta e resistência, que é justamente o que o Brasil precisava nesse período tão difícil da política brasileira. Começamos nossa gestão, e no segundo dia ocupamos a comissão da redução da maioridade penal e inviabilizamos aquela votação e continuamos naquele mês todo na luta contra o Eduardo Cunha, contra todo o retrocesso que ele representava, a agenda de redução de direitos. Nesse período a gente já começa a puxar o “Fora Cunha!”. Uma luta que veio a ter vitória depois e também nos rendeu uma série perseguições na câmara dos deputados com a CPI da UNE.

Também foi um período de luta contra o golpe, que a partir dessas pautas conservadoras começou a se articular junto ao centrão a sanha golpista, o chantagismo do Eduardo Cunha. E a UNE foi a primeira entidade a falar que era um golpe. Quando a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo não chamavam de golpe porque avaliavam que poderia ser um cheque em branco para a Presidenta Dilma aplicar um ajuste fiscal que a gente discordava, a UNE nunca vacilou e disse desde o início que era golpe e precisávamos estar vigilantes e tomar cuidado quanto a essa possibilidade. E, infelizmente, o golpe que ninguém acreditava aconteceu.

Depois disso, tivemos as jornadas de ocupação, que foram a primeira grande resistência ao governo Temer, porque com a reforma do ensino médio os secundaristas começam a ocupar as escolas e com a PEC 55 os universitários se juntam a essa luta e também ocupam as universidades. Em todo o Brasil foram mais de 300 universidades ocupadas, que mostravam a nossa oposição frontal ao governo Temer e a sua política de cortes e limite de gastos, que afetariam em especial a educação pública. Disso conseguimos organizar uma passeata histórica em que reunimos no dia 29 de novembro [de 2015] todas as ocupações do país em Brasília, mostrando a força da UNE e da unificação do movimento estudantil em luta.

JC: E este ano?

CV: O nosso principal fator de luta na UNE é estar ao lado dos trabalhadores na luta contra a reforma trabalhista e a reforma da previdência. Em especial a reforma da previdência, que vai colocar em risco o futuro da nossa geração. Não vamos poder nos aposentar por causa de uma reforma que acaba com o direito à aposentadoria.

JC: Existem críticas ao DCE da USP por ser pouco atuante para divulgar o papel da UNE na Universidade. Como os estudantes podem se aproximar da entidade? E como é a atuação da USP na UNE?

CV: Torcemos muito para que os estudantes se envolvam nas eleições para o congresso da UNE. O papel de divulgação dessas eleições e promovê-las é do Diretório Central dos Estudantes, mas numa das universidades mais importantes do Brasil a divulgação das lutas UNE fica muito aquém do ponto de vista do papel do DCE e no empenho em trazer essas lutas para a Universidade. O que é necessário é o envolvimento dos estudantes com a UNE diretamente, sem a mediação, e que participem do congresso da UNE, quando a opinião dos estudantes estará refletida na representação dos delegados eleitos para o congresso da UNE. É muito importante participar de chapas e concorrer nas eleições de delegados para congresso da UNE. Para que cada vez mais o movimento estudantil da USP seja cada vez mais ativo, plural e representativo.

JC: No dia 12 de maio, Michel Temer completou um ano como presidente em exercício. Como você avalia o primeiro ano de governo?

CV: Eu acredito que o governo Temer está até agora pagando a conta do golpe. A conta do empresariado, dos banqueiros, de quem apoiou o impeachment e agora exige a contrapartida. A primeira atitude do governo foi a mudança na lei do pré-sal, que demonstra toda a sanha entreguista do golpe e da lava-jato de entregar de bandeja nosso maior patrimônio. Porque nós, estudantes, conquistamos com através dos royalties pré-sal [que iriam em grande parte para a educação] um passaporte para o futuro. Depois disso foram mudanças na educação, a reforma no ensino médio, a PEC 55, que são medidas que não nos permitem acreditar que o Estado brasileiro estaria se sabotando ao ponto de sabotar os investimentos públicos por 20 anos na vida política brasileira. Isso é muito ruim, porque infelizmente a PEC foi aprovada. E para a educação foi dar fim ao Plano Nacional de Educação (PNE).

E todos esses retrocessos vêm junto com as reformas trabalhista e da previdência. O que fará com que cada vez mais a previdência pública dê lugar à previdência privada. Os interesses por trás de tudo, não somente ao seu governo, mas também a sanha inquisitória da Operação Lava-Jato mostram que há muitos interesses por trás desse golpe e que vamos precisar tirar a esperança e a solução para esse crise da nossa luta. É imprescindível que retomemos o caminho da democracia e a democracia reivindica voto popular, portanto as eleições diretas devem estar na nossa ordem do dia.

JC: E a sua experiência na disputa pela prefeitura de Santos? Como foi?

CV: Muito positiva. Foi uma campanha de superação que mostrou para a sociedade que uma jovem, uma menina como muitas pessoas falam, poderia fazer uma campanha eleitoral e demonstrar suas ideias com qualidade concorrendo à prefeitura. Foi isso que conseguimos mostrar. Chegamos em segundo lugar, passando na frente de pessoas tradicionais na cidade, vereadores de vários mandatos e conseguimos ser um contraponto da esquerda em Santos. Hoje podemos apontar num caminho de reconstrução e renovação da esquerda muito importante.

JC: O mundo inteiro tem acenado para a necessidade de novos quadros políticos. Como você avalia o surgimento de candidatos considerados outsiders, como João Dória e Alexandre Kalil, prefeito de Belo Horizonte?

CV: Eu acredito que com a democracia fragilizada, o alvo de toda a rejeição são os partidos políticos. Toda rejeição e saturação da população a política com todos os escândalos estão sendo aproveitadas por esses políticos, pelos caciques para subverter a política, porque os partidos são a marca da democracia. Quando eles vão mal, a democracia vai mal. Quando eles são questionados, a democracia é questionada.

Eu acho que é esse o momento que vivemos no Brasil, em que a solução tanto à esquerda quanto à direita acabam sendo pessoas que não vêm de tradição em partidos, mas não significam uma renovação. Significam na verdade, a rejeição à política.

Isso em lugar nenhum do mundo resulta em coisa boa, vide Donald Trump, nos Estados Unidos, vide toda a tentativa de desconstrução de saídas políticas na Europa, na América Latina.

É preciso entender que toda essa jornada de desmoralização da política que existe é parte de uma aliança entre o judiciário, a mídia e os partidos oportunistas de direita, que embalaram neste projeto de tirar a presidenta Dilma e agora não sabem o que fazer com o resultado.

E no lugar dessa desmoralização da política, só sobram regimes autoritários, portanto precisamos saber que a nossa luta é pelo resgate da política. Não pela política como ela é nos dias atuais, não pela política capitulada por empresários, mas da política como forma de transformação coletiva da sociedade.