Entre o parque e o parquinho

A greve geral do 1º de Maio pegou em cheio a última edição do Jornal do Campus. Com as reformas trabalhista e previdenciária em pauta, milhares de trabalhadores foram às ruas protestar, inclusive trabalhadores da própria USP, organizados em sindicatos e apoiados por estudantes. Houve protestos, choques e prisões, que renderam a capa e outras três páginas do jornal.

O evento deu uma oportunidade preciosa para a redação unir a cobertura de assuntos da Cidade Universitária com a pauta política nacional, mais ampla. Esse tipo de costura exige habilidades mais sofisticadas de quem escreve e de quem edita. É preciso, de saída, planejar o funcionamento da própria redação para garantir o exato equilíbrio entre as notícias factuais — sobre o itinerário da marcha, as frases dos líderes, os números e nomes das pessoas detidas, as diferentes versões, o saldo da eventual destruição do patrimônio e os excessos da polícia — com o conteúdo de fundo, que diz respeito às reformas em si, ao estágio atual de tramitação no Congresso, ao número de votos necessários para aprovação da lei, às possíveis alterações no texto e também ao alcance nacional das manifestações que estavam em curso em todo o país.

Faltou exatamente essa química. O jornal cobriu os protestos na Cidade Universitária como um assunto de bairro, quando deveria ter coberto como um assunto de política nacional, com implicações locais. A matéria principal não informa o número de funcionários da USP, o percentual de terceirizados, o rombo orçamentário e o possível impacto das mudanças trabalhistas nas contas da universidade. Essas informações estão apenas sugeridas. Faltou apuração.

O texto que trata dos protestos em si não tem sequer uma informação sobre a amplitude dos protestos no Brasil. Cabia um box ou intertítulo com a visão geral. O contexto é importante. A dimensão do fenômeno faz toda a diferença. Do jeito como está, a briga pela instalação da grade na ECA (Escola de Comunicações e Artes) ficou parecendo o mais importante do 1º de Maio.

Por fim, fala-se do lançamento de um “manifesto político” (mais um entre infinitos) assinado por “artistas, juristas, intelectuais, políticos e membros de movimentos sociais” (de esquerda? Ex-membros de governos petistas? O texto não informa). Mas o mais surpreendente é que não há informação sobre o conteúdo do manifesto, para além da ideia de “refundar a nação brasileira” — o que poderia ter sido dito tanto por alguém como o atual presidente, Michel Temer, como por sua sucessora e antagonista, Dilma Rousseff. Ou seja: novamente, falta contexto e amplitude na leitura do fato político.

Sem a visão do parque todo, prevaleceu a visão do parquinho, da caixa de areia. A melhor saída teria sido a de dosar aspectos locais e nacionais do 1º de Maio, sempre com a prevalência do local sobre o nacional, em se tratando de uma publicação que se destina a leitores da Cidade Universitária. Sem isso, o Jornal do Campus repetiu o erro dos muitos jornais que cobriram a greve como uma notícia de trânsito.