“O narcisismo na universidade requer atenção”

Pesquisadora analisa as influências desse comportamento em estudantes de graduação

Bruna queria verificar se traços narcisistas na personalidade de estudantes poderiam prejudicar as atividades acadêmicas. (Foto: Cecília Bastos/USP Imagens)

A pesquisadora Bruna Avelino analisou em seu doutorado se traços do narcisismo na personalidade de universitários influenciavam suas atividades discentes. Ela descobriu que essa influência é pequena, mas requer atenção de educadores, pois pode causar problemas futuros na vida profissional dos indivíduos.

Atraída pelo assunto, a pesquisadora decidiu aprofundá-lo em sua pesquisa pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). “Percebi que as características inerentes aos narcisistas podem causar a um indivíduo problemas em sua experiência acadêmica, e, futuramente, no ambiente de trabalho”, explica Bruna. Entre essas características, está o senso exacerbado de autoimportância, que leva o indivíduo a achar que é melhor que os outros, e, por isso, mereceria maior reconhecimento e recompensas. Nesse cenário, um eventual revés é encarado de maneira muito negativa. Um narcisista geralmente considera o sucesso uma conquista pessoal e culpa o fracasso por fatores externos, fora de seu controle. Essa maneira de pensar pode prejudicar o processo de aprendizagem.

Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, o narcisismo é um transtorno de personalidade. Traços desse comportamento, entretanto, são encontrados em indivíduos considerados normais. Segundo a literatura existente sobre o tema, em que Bruna se apoiou, esses traços podem levar um estudante a não se envolver profundamente com as atividades acadêmicas – pois ele busca gratificações imediatas, não a longo prazo. Por superestimar seu desempenho, esse aluno pode deixar de interagir e buscar conselhos com professores. E por ter dificuldade de lidar com o fracasso, um narcisista poderia se envolver com comportamentos antiéticos na busca por um melhor desempenho.

Interessada em analisar se essa conduta desonesta de fato acontecia, Bruna resolveu focar sua pesquisa em estudantes de Ciências Contábeis. “Contadores lidam diretamente com as mais diversas possibilidades de fraude”, explica. “E os estudos que envolviam o narcisismo no cenário contábil se concentravam em gestores e sua influência na tomada de decisões, o que deixava o estudo do tema incompleto, na medida que esse comportamento pode afetar outros indivíduos também”. Bruna aplicou um questionário a 153 estudantes de Contabilidade da FEA. Seu objetivo era evidenciar a relação dessas características comportamentais com o desempenho acadêmico e com a percepção de desonestidade dos participantes.

No questionário, os alunos responderam a um inventário que identificava a presença de traços narcisistas na personalidade e fizeram uma autoavaliação de seu desempenho acadêmico. Bruna percebeu que, quanto maior a pontuação nesse inventário, maior era a probabilidade do aluno avaliar seu desempenho como superior. Na prática, porém, o desempenho não seguiu essa tendência, o que mostrou que os traços narcisistas não exerceram influência na performance acadêmica.

Outra descoberta importante, principalmente para a área contábil, foi que o narcisismo não exerceu influência sobre a percepção do estudante acerca da desonestidade. Um estudante que apresenta traços narcisistas não está necessariamente mais propenso a considerar atitudes consideradas antiéticas aceitáveis no ambiente acadêmico.

Bruna verificou, entretanto, que estudantes mais tolerantes com fraudes no ambiente acadêmico também são mais tolerantes com esse tipo de atitude no ambiente profissional. “Há uma correlação. A tomada de decisões antiéticas no ambiente acadêmico pode ser um forte indício de comportamentos antiéticos futuros no local de trabalho”.

Especialmente importantes para as Ciências Contábeis, os achados de Bruna vão além e abarcam o mundo acadêmico em geral. “Como educadora, acho essencial que os traços de narcisismo na personalidade de estudantes sejam discutidos, na medida em que podem prejudicar o processo de ensino”. Bruna alerta que indivíduos narcisistas não costumam transparecer sofrimento emocional ou incômodo, mas podem precisar de atenção pessoal. “Ao reconhecer as tendências narcisistas, os membros das instituições de ensino têm a oportunidade de auxiliar o estudante, lidando com situações de desconforto ainda na universidade e contribuindo para o seu preparo no ambiente de trabalho”.