Quais os desafios de ser uma mãe uspiana?

Os últimos acontecimentos nas creches da Universidade de São Paulo têm afetado a rotina de mães que estudam e trabalham nos campi. Apesar dos cortes de gastos das creches, existem outros fatores que interferem no cotidiano das mulheres que utilizam os recursos oferecidos pela Universidade. O JC conversou com algumas mães para entender melhor como é a rotina de cada uma delas.

Durante os primeiros anos da graduação, Rosa Soares, estudante de Enfermagem da Universidade de São Paulo, viveu uma rotina apertadíssima. Acordar cedo, arrumar sua filha Antonieta, deixá-la na creche às 7 horas. Chegar à aula às 8 horas. Sair da aula às 17h e buscar Antonieta o quanto antes. Chegar em casa, colocar a pequena para dormir, dormir junto ou estudar para as provas que se aproximavam.

A creche de Antonieta era próxima à casa de Rosa, no bairro da Lapa. Hoje, a menina tem seis anos e está no Ensino Fundamental em uma escola no Butantã. O curso de Rosa é em período integral, e não permite mais que ela leve e busque a pequena todos os dias. Antonieta mora atualmente com a avó, mãe de Rosa, e vê a mãe aos finais de semana.

“Até ano passado, perdi a possibilidade de participar de outras coisas além da graduação” conta Rosa, porém, apesar de hoje poder participar das atividades do campus, não vê a filha com a frequência que gostaria.

Laila Sangaletti é funcionária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e tem dois filhos. Laila conta que seu filho mais velho, hoje com oito anos, só conseguiu a vaga na Creche Central após uma longa espera. O menino foi matriculado quando tinha três anos de idade. Caleb, o mais novo, conseguiu a vaga mais facilmente por ter o irmão já matriculado na creche.

Tanto Laila quanto Rosa contam que deixar o filho em uma creche fora da Universidade é complicado, pois as creches da prefeitura, que funcionam geralmente das 7h às 17h, não atendem o horário de trabalho e de aula que demanda a USP. “Acho que no país existe uma problemática da mãe que trabalha, porque é bem complicado você conseguir uma vaga para seu filho, e infelizmente você não pode deixar de trabalhar” acrescenta Laila quando questionada a respeito da dificuldade de ser mãe e funcionária da Universidade.

Gabriela Pereira é mãe de gêmeos e estudante de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e também encontrou dificuldades para colocar seus filhos na creche universitária. Hoje, os gêmeos têm dois anos e, além dos bebês, a moça também tem uma filha de 19 anos.

O pai dos bebês é indígena e mora no Acre. Ele vem mensalmente visitar as crianças. A filha mais velha de Gabriela é quem a ajuda no cuidado das crianças, os meninos estão matriculados na Creche Central e começam no próximo dia 23. Gabriela conta que conseguiu a vaga após dar entrada em um recurso, sem recorrer provavelmente não teria a vaga para os filhos. Hoje ela cursa o equivalente ao terceiro ano de graduação, já que sua grade se alterou em decorrência da gravidez e da necessidade de cuidar das crianças.

A funcionária da FFLCH Kelly Mendes é mãe de dois meninos, Henrique, de seis meses, e Miguel, de quatro anos, ambos também estudam na Creche Central. Como Henrique tem apenas seis meses, Kelly vai à creche para amamentá-lo todos os dias. Alternando entre os cuidados com os pequenos e com ela mesma, Kelly conta que a rotina de mãe é muito corrida e que muitas vezes seus assuntos pessoais são deixados de lado, porém não é algo de que ela se arrependa.

Kelly chama atenção para o fato de o ambiente na creche da Universidade ter mudado nos últimos meses, a crise financeira que se instaurou está afetando as funcionárias e desestabiliza o espaço como um todo. “E isso, querendo ou não, reflete no convívio com as crianças. O que é muito triste, pois é um lugar excelente” ressalta Kelly, com preocupação.

Assim como Rosa, Ivy Gomes também estuda em período integral. A estudante é mãe da pequena Alice, hoje com cinco anos de idade, e cursa veterinária na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ). Gomes está atualmente no último ano de graduação, e chama atenção para o fato de que seu curso possui um semestre realizado no campus de Pirassununga e diversas viagens técnicas, ambos fatores que dificultam sua rotina como mãe e estudante.

Após passar no vestibular, Ivy trancou o curso por um ano, em decorrência da gestação, e se inscreveu na lista de espera da Creche Universitária, pois sem colocar Alice em uma escola não seria possível estudar.

A estudante conta que obteve muita ajuda de outras mães que tinham filhos na creche em períodos de greve ou dias de formação continuada, que não há aula nas creches, pois é utilizado para planejamento e capacitação das educadoras. Durante o semestre cursado em Pirassununga, Ivy teve dificuldade em aliar os estudos e o cuidado com a filha, porém sua mãe a acompanhou para cuidar de Alice enquanto ela estudava.  

Ivy ressalta que a Universidade carece de recursos que as mães possam utilizar para que sua experiência no campus não dependa apenas da sorte, mas possa ser efetivamente assegurada, pelo cumprimento de seus direitos.

 

Liminar suspensa: “Ocupação Creche Aberta” se mantém

No último dia 20 de abril, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) suspendeu a medida liminar de reintegração de posse da Creche e Pré-Escola Oeste da Universidade de São Paulo. Um dos pontos abordados pelo juiz Danilo Mansano Barioni foi o fato de que após a desocupação do espaço a Reitoria não deixou claro qual finalidade daria ao imóvel.

De acordo com a ata da audiência, não há urgência na retomada do imóvel, pois a sua imediata desocupação “implicaria mais prejuízo do que a manutenção do estado de coisas como hoje se apresenta’’. Ainda de acordo com o parecer judicial, “O fechamento da Creche Oeste ocorreu de forma inexplicavelmente abrupta”, sem um planejamento concreto e sem levar em consideração o comprometimento da estrutura que é voltada ao atendimento das crianças.

Foi estabelecido um prazo de dez dias para que a Universidade, autora do processo, retorne com um parecer resultado de conversa com o Reitor. Até o momento o TJ-SP não divulgou o parecer da USP.  Procurada pela reportagem do JC, a assessoria de imprensa da Reitoria declarou que, o corte de gastos priorizou atividades prioritárias da Universidade, como ensino e pesquisa. O texto apresenta também números que correspondem aos gastos da Reitoria com as creches e o número de vagas ofertadas em cada unidade.  

A Superintendência de Assistência Social (SAS), responsável pelas creches universitárias também foi contatada para dar um posicionamento a respeito da situação atual da Creche Oeste, porém até o fechamento da edição não houve manifestação da SAS. Desde o dia 17 de março, a “Ocupação Creche Aberta” mantém o prédio da Creche Oeste em funcionamento e tem o apoio da Associação dos Docentes da USP (Adusp), do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp).