A muleta da interrogação

Existe uma regra no jornalismo que diz o seguinte: o jornal não publica dúvidas, mas respostas. Quem tem dúvidas é o leitor. Essa regra foi quebrada cinco vezes na última edição do Jornal do Campus.

Afinal, chegou “a hora dos ‘não-políticos’ na Presidência?”. O jornal abre uma página nobre com esse título, de lado a lado, em cinco colunas, mas a matéria não traz respostas, apenas pistas. Fala do presidente americano, Donald Trump, do presidente francês, Emmanuel Macron, e dos brasileiros Jair Bolsonaro e Luciano Huck. Mas o leitor fica sem saber a resposta para a pergunta proposta: “chegou a hora” ou não chegou?

O texto sequer apresenta os números da última pesquisa Datafolha. Caso apresentasse, o leitor veria que o petista Luiz Inácio Lula da Silva aparece num cômodo e isolado primeiro lugar, com o dobro do segundo (Bolsonaro) ou da segunda colocada (Marina Silva), a depender do cenário. O que acontece? Lula é uma ‘não-político’? Ou ele é um político que, até outubro de 2018, ou antes, vai naufragar, dando espaço a algum ‘não-político’? Não dá para saber.

Outro exemplo: “Onde foram parar as bandas da USP?”, pergunta o repórter no título com foto no alto da página da sessão “Cultura”. Há 25 anos, 86 bandas se inscreveram no Programa Nascente. Hoje, são 38. Mingou. Mas onde todas essas bandas foram parar? Não se sabe. O repórter traz muitas informações interessantes, testemunhos de artistas e até uma peça de “serviço”, indicando o prazo para inscrições para o festival. Mas a pergunta do título não é respondida de maneira assertiva.

Na sessão “crônica” é a linha fina – elemento do texto que destrincha um pouco mais o sentido do título – que traz questionamentos: “onde você ainda se reconhece? Na foto de capa ou no espelho da porta?” Nem o formato mais “literário” serve de desculpa para a avalanche de interrogações que a edição inteira do Jornal do Campus traz.

De todos os exemplo de títulos interrogativos, o único que apresenta a resposta no próprio texto é o que trata da diferença entre “preconceito” e “bullying”. Ora, então, se a repórter tem a resposta, por que titulou com uma pergunta? Muleta é a resposta.

Por fim, transcorridas 5 colunas em 11 semanas, é importante dizer que a redação não deve esperar elogios do ombudsman. Não é essa a função da coluna, cuja utilidade maior se revela ao apontar justamente o que ainda pode melhorar. A crítica honesta é uma forma sofisticada de apreço. De resto, o crítico também está sujeito a críticas. É próprio do jornalismo.

João Paulo Charleaux é editor de política e economia do Nexo. Trabalhou no Estadão e na VICE. Colaborou com a Folha e o Globo. Foi correspondente, editor, enviado especial e analista na área internacional, além de porta-voz da Cruz Vermelha Internacional, coordenador da Conectas e consultor de comunicação da Avaaz. Escreva para o ombudsman: ombudsman.jc[@]gmail.com