O jogo da mídia na crise política

Fernanda Giacomassi e Natália Belizário

No último dia 17, o jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo, divulgou através da edição on-line a informação de uma conversa entre Michel Temer e Joesley Batista, um dos donos do grupo JBS, na qual o presidente teria autorizado a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, entre outras questões. O fato destacado, se comprovado, caracteriza crime de responsabilidade e abre precedentes para o processo de impeachment.

O jornal O Globo faz parte do maior conglomerado de mídia do país, ao qual pertencem também a rede Globo de televisão, a editora de mesmo nome e outros produtos. Na sequência do furo* por Lauro Jardim, a emissora veiculou a notícia em caráter especial através de seu conhecido “Plantão”. A partir daí, veículos nacionais e internacionais iniciaram uma corrida atrás da informação, mas quase sempre pautada pelo primeiro veículo. Mônica Rodrigues, especialista em jornalismo audiovisual e professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, acredita que nesse momento “estamos pisando em ovos” quando se trata da divulgação de notícias.

Mônica critica o fato de um veículo ser pautado por outro quando se trata de uma denúncia tão grave como a que foi feita contra Michel Temer: “Não podemos repetir um discurso do qual não temos certeza”. As gravações só foram liberadas no dia seguinte à divulgação. Nesse meio tempo, todas as notícias tomaram como verdade o que foi divulgado por Lauro Jardim. A especialista classifica a situação do jornalismo atual como uma “sinuca de bico”, já que não acredita na maioria das notícias que recebe por não saber como as informações foram editadas. Para Mônica, isso revela um problema estrutural do jornalismo de hoje: a falta de apuração. “Estamos numa crise de identidade jornalística, na qual o furo* vale mais do que qualquer outra coisa e as barrigas* vão surgindo uma atrás da outra. E com um veículo sendo pautado pelo outro, uma mentira acaba virando verdade.”

O caminho da informação Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia, feita pela Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal em 2016, 63% dos brasileiros utilizam a televisão como principal meio para obter informações sobre o país. A emissora Globo foi mencionada como o canal mais assistido, considerando tanto a TV aberta quanto a fechada, assim como o O Globo é o jornal impresso mais lido. Segundo Elizabeth Saad, especialista em mídias sociais digitais da ECA, esse cenário gera um desequilíbrio no processo informacional: “Nenhum outro veículo tem um alcance tão grande. Hoje, a Globo consegue imprimir seu recorte nos mais diversos formato, dos telejornais as novelas e programas de humor”, observa a docente.

A pesquisa também revela que a Internet é o segundo meio de comunicação mais utilizado pelos brasileiros como fonte de informação. No entanto, Mônica afirma que os usuários, na verdade, têm acesso às redes sociais e não necessariamente ao conteúdo das notícias: “Muitas dessas pessoas informam-se apenas através de manchetes*.”

Notícias falsas O episódio trouxe também a discussão sobre o aumento da divulgação de notícias falsas na internet. Para combatê-las, iniciativas como a da Agência Lupa, que checa a veracidade dos fatos, têm ajudado jornalistas e consumidores de informação a ter acesso à verdade. Além disso o Facebook, a maior rede social do mundo, lançou em abril uma ferramenta que auxilia o usuário a identificar se uma informação é ou não confiável.

Segundo Mônica, a falta de veracidade das informações é reforçada pelo fato de que muitos utilizam o formato jornalístico para dar credibilidade à opiniões próprias:  as pessoas usam a forma jornalística para falar do que quiser, e essa forma traz credibilidade, pois o que o jornalista diz é visto como verdade. “A mudança nesse cenário, acredita a especialista, virá “de baixo”, com a conscientização individual da responsabilidade sobre as informações que passamos para frente.

Posicionamentos As especialistas entrevistadas pelo Jornal do Campus pontuaram de maneiras diferentes o posicionamento adotado por veículos após a divulgação das gravações e a crise política deflagrada a partir disso. Mônica afirma que até o vazamento, “toda a mídia estava dando crédito para um governo que, de repente, se mostrou tão corrupto quando outros que foram afastados do poder.” Elizabeth aponta dois caminho possíveis para entender o discurso escolhido editorialmente, principalmente pelo Grupo Globo: “A grande questão é se esta mudança de recorte editorial foi sistêmica, por conta de política, anunciantes e sustentação financeira, ou se foi baseada na relação de proximidade e distanciamento com seus leitores”. Nesse ponto, Mônica e Elizabeth concordam ao considerar que a audiência estava em jogo na escolha. “Se eles (Grupo Globo) não mudassem seu posicionamento, ficaria muito ruim também, porque é evidente que o Temer, mesmo que não tenha recebido nenhum valor (em dinheiro), não denunciou as coisas erradas que Joesley disse ter feito”, avalia Mônica.

* furo: é o jargão para a informação publicada em um veículo antes de todos os demais.

* manchete: título principal, de maior destaque, no alto da primeira página de jornal ou revista

* barriga: matéria falsa ou errada, publicada com o estardalhaço de uma grande novidade