Cresce número de alunos de escola pública na USP

Também aumentaram em 2,2% os ingressantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas

Em sessão do Conselho Universitário, no último dia 30 de Maio, o pró-reitor de graduação, Antonio Carlos Hernandes, apresentou uma boa notícia: aumentou o número de alunos oriundos da escola pública e os autodeclarados pretos, pardos ou indígenas (PPI) ingressantes em 2017. Os dados vão ao encontro da meta da Universidade de ter metade de seus ingressantes oriundos da escola pública até 2018.

Dos 10.994 matriculados este ano na Universidade, 4.036 vieram de escola pública, o que corresponde a 36,9%, um aumento de 2,3% com relação a 2016. Já os ingressantes autodeclarados pretos, pardos ou indígenas saltaram de 17,1% para 19,3%, o que corresponde a 2.114 dos matriculados.

Um dos principais motivos apontados para este aumento é a adesão de mais institutos à seleção pelo Sistema de Seleção Unificado (SiSU). Diferentemente do vestibular pela Fuvest, o SiSU permite a criação de cotas sociais e raciais, enquanto na Fuvest existe apenas o sistema de bonificação que é calculado em cima do número de acertos do candidato. Unidades como a Escola de Comunicações e Artes (ECA) e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), que não tinham aderido ao SiSU em 2016 por causa da existência de provas de habilidades específicas durante o seu processo de seleção, decidiram participar este ano, utilizando de políticas afirmativas tanto para escola pública quanto para PPI.

Para o professor Marcos Garcia Neira, presidente da Comissão de Graduação da Faculdade de Educação (FE) da USP, outro motivo que explica esses dados é o aumento da procura pelo ensino superior no país. Segundo ele, houve nos últimos anos um incentivo maior para que as pessoas busquem o ensino superior, e a USP é impactada diretamente por este cenário, já que é a maior universidade do país.

Entretanto, ele ressalta que mais importante do que olhar esses números brutos de ingressantes, é analisar em quais carreiras que este aumento tem acontecido. “Às vezes eles estão se concentrando justamente naqueles cursos com menor concorrência. O ideal é que a gente alcance 50% oriundos da escola pública em todas as carreiras”. Alguns cursos muito concorridos, como a Faculdade de Medicina e a Escola de Engenharia de São Carlos não aderiram ao SiSU, outros, como a Escola Politécnica, não abriram vagas em ações afirmativas, apenas em ampla concorrência.

O estudante Vitor Braz, calouro do curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, afirma que sua entrada na USP só foi possível graças à existência das cotas pelo SiSU. Tendo estudado a vida toda em uma escola pública de São José dos Campos, Vitor fez cursinho por meio de bolsa de estudo e mesmo assim não obteve a vaga pela Fuvest. “Quando eu decidi por fazer letras eu sabia que queria a USP por causa de toda a oferta de línguas que ela tinha, mas eu só consegui entrar porque a FFLCH ofereceu vagas tanto para escola pública quanto para PPI”.

Será difícil para a USP atingir a meta de aumentar mais 13,1% de ingressantes de escola pública até o ano que vem, mas será possível chegar próximo de 50% se a Universidade adotar ações afirmativas de inclusão em seu vestibular tradicional, aponta o professor. Pensando desta forma, desde a primeira vez que a USP decidiu aderir ao SiSU, a Faculdade de Educação não abriu suas vagas para ampla concorrência. No primeiro ano todas as vagas foram destinadas para a escola pública. Em 2017 houve reservas tanto para escola pública quanto PPI e no próximo ano as vagas serão destinadas apenas para alunos de escola pública e PPI, ou seja, que se enquadrem nas duas condições.

Porém, além de aumentar o incentivo a entrada de escola pública e PPI, o professor Garcia destaca que é importante a Universidade criar um ambiente que permita a manutenção destes alunos em seus cursos. Portanto, ampliar políticas de permanência estudantil e reformar as grades curriculares das carreiras também tem que estar em pauta. “Precisamos mudar três coisas: criar meios de ingresso das classes sociais mais humildes, garantir a sua permanência e garantir processos pedagógicos que sejam absolutamente inclusivos”, afirma. “Continuar com currículos que priorizam a cultura dominante, pontos de vistas de determinados grupos e que não dão abertura para conhecimentos de outros setores da sociedade, acaba produzindo a segregação”

Mudanças nas regras faz alunos perderem auxílio moradia 

Se por um lado a USP comemora o aumento nos ingressantes de escola pública, por outro, cerca de 500 alunos que recebiam auxílio financeiro para permanência perderam suas bolsas sem aviso prévio. Mudanças nas regras de pontuação socioeconômica dos estudantes tornou mais rígida a obtenção de auxílios moradia. Estudantes relatam não ter como pagar aluguel pelos próximos meses.

Erick Carvalho, estudante do segundo ano de História da FFLCH, é um dos ingressantes pelo SiSU de 2016. Ex-aluno de uma escola pública de Minas Gerais, a adesão da Universidade ao Sistema de Seleção Unificado lhe permitiu concorrer à vaga. A escolha pela USP aconteceu não só por ser a melhor universidade da América Latina, mas também pela existência do Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (Papfe). “O que me animou bastante a vir pra cá foi justamente o fato de ter auxílios, pois meus pais não queriam que eu viesse morar longe e sem conhecer ninguém aqui”.

Logo após a matrícula dos calouros, a Superintendência de Assistência Social (SAS) abre inscrição para que alunos de baixa renda peçam as bolsas de permanência. Após entregar uma série de documentos que comprovem a situação do aluno e uma entrevista com as assistentes sociais, o estudante recebe uma pontuação que o classifica dentro de um perfil socioeconômico. P-1 é o aluno com grande necessidade de apoio, P-2 o aluno com necessidade média de apoio e o P-3, com pequeno grau de necessidade.

Até 2016, alunos com pontuação acima de 95 eram classificados como P-1 e portanto receberiam ou auxílio financeiro para manter um aluguel ou a vaga em um apartamento do CRUSP (ou o conjunto residencial de seu Campus). Aparentemente, essa regra valeria para este ano, até a entrega dos resultados das bolsas, quando foi anunciado um aumento de 10 pontos nessa pontuação mínima, passando de 95 para 105. Centenas de alunos ficaram de fora do perfil de apoio.

Erick foi um desses alunos. Ele obteve 103 pontos e agora ele não sabe como fará para se manter em São Paulo. A orientação passada por sua assistente social foi para que escrevesse um recurso pedindo a reavaliação de seu caso, porém ainda não há perspectiva de resposta do recurso. “Nesse mês eu consegui me virar e paguei o aluguel sem ajuda, mas já ficou pesado e espero que resolvam logo para o próximo mês, pelo menos.Se eu não conseguir vou ter que dar um jeito de trabalhar, de conseguir estágio ou alguma coisa, ainda não sei. Mas isso prejudicaria bastante meu curso, pois gasto todo meu tempo com os estudos e leituras”.

Pedro Henrique Sena é aluno de arquitetura da FAU, também estudante de escola pública, fez cursinho popular e obteve bolsa em cursinho particular. O fato do curso ser em período integral quase o fez desistir do vestibular, mas a paixão pela FAU o motivou a passar. Já dentro, o estudante contava com o auxílio moradia para completar seu aluguel em São Paulo. Este ano sua pontuação caiu para menos de 95, o que o fez perder a bolsa. Sem poder pagar o aluguel, a única alternativa foi voltar para a casa dos pais, em Guarulhos, de onde vai e volta do curso todos os dias. “Se o curso não fosse período integral eu trabalharia sem problema algum, como sempre fiz. Estou procurando alternativas, como buffet infantil e freelas mas é difícil achar e o dinheiro não costuma ser muito”.

Segundo os alunos, nem suas assistentes sociais estavam sabendo das mudanças até poucos dias antes da divulgação dos resultados. A orientação passada aos alunos era para que todos escrevessem recurso pedindo pela reavaliação. A intenção, segundo informações dos estudantes, é pressionar a Reitoria para que volte atrás nas mudanças.

Procuradas pelo Jornal do Campus, nem a Reitoria nem a Superintendência de Assistência Social quiseram se pronunciar sobre o caso.