Curso de Audiovisual cancela prova específica

Sétimo curso mais concorrido da USP retira prova específica e adere ao Sisu

No último dia 30, o Conselho do Departamento de Cinema, Rádio e TV (CTR) da Escola de Comunicações e Artes decidiu suspender a prova de habilidades específicas exigida para os ingressantes do curso de Audiovisual. Semelhante à faculdade de Arquitetura – que no ano passado também adotou tal medida – , o CTR inaugura um novo momento na Escola, uma vez que rompe com um padrão que vigora em diversos cursos da ECA. A decisão vincula-se ao desejo do departamento em disponibilizar cotas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que impede avaliações de competências específicas não cobradas pelo ENEM. Entretanto, apesar da medida representar um avanço, ela ainda precisa ser aprovada pelo Conselho Universitário (Co) – marcado para o próximo dia 27 de junho.

O exame de competências específicas consistia em uma avaliação aplicada posteriormente à prova da segunda fase. Com temas ligados a composições Audiovisuais, o exame exigia do candidato habilidades com roteiro e construção de diálogos, como também noções de cromatismo, escala e perspectiva – assuntos extracurriculares a grade de disciplinas do ensino médio. Além disso, a prova também possuía uma lista de livros e filmes paralela à solicitada pelo vestibular. A ECA ainda possui mais três outros cursos que não aderiram ao Sisu e que contêm avaliações específicas. Música, Artes Visuais e Artes Cênicas permanecem com suas provas, tendo, como única forma de entrada, a FUVEST.

Para o chefe de departamento do CTR, Eduardo Simões Mendes, essa decisão representa um mecanismo encontrado para a inclusão de diferentes grupos no curso. O professor, que estudou em colégio público, ressalta que “somos uma nação multicultural, multirracial e com grande desigualdade socioeconômica. Precisamos pensar toda essa heterogeneidade.” No entanto, Mendes aponta que a decisão não deve ser vista como um progresso “Não vejo a suspensão da prova específica como um avanço. Sua aplicação foi temporariamente interrompida até que se consigam modos de aplicação simultânea da prova específica e do sistema de cotas.”

No entanto, nem todos enxergam a medida dessa maneira. Para o professor Roberto Franco Moreira, docente do CTR, a adesão do Audiovisual ao Sisu e a suspensão da prova específica representam um avanço no processo de seleção. “É preciso reconhecer que já temos uma presença negra e de alunos de escolas públicas bem maior que no passado. Um problema da prova específica é ela favorecer alunos preparados em escolar construtivistas, geralmente dos colégios de elite.” O professor ressalta ainda que não vê necessidade de uma prova específica para alunos do audiovisual: “tenho lá minhas dúvidas se o aluno de audiovisual precisa de habilidades tão definidas como nas artes plásticas, música ou artes cênicas. Acho que se o aluno é bem motivado, o curso oferece várias áreas e numa delas o aluno há de se encontrar.”

Ao comparar hoje com a época em que foi aluno da Universidade, o professor aponta uma grande melhoria no acesso ao curso, destacando a importância da diversidade dos alunos. “De lá pra cá melhorou tanto que não dá para comparar. Quanto mais diversas as equipes, mais rico o processo de troca, melhor o resultado e maior o diálogo com a sociedade.”

A alteração propõe o fim do exame de habilidades específicas e que 30% das vagas sejam oferecidas pelo Sisu – 10% para estudantes de escolas públicas e 20% para autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI). Segundo o chefe de departamento, as chances de aprovação do Co são altas: “a Universidade apoia a entrada de alunos pelo Sisu e neste momento, não é possível a adesão ao Sisu e a manutenção da prova”.   

Em busca de soluções

Cientes da dificuldade da avaliação específica, diversos alunos do Audiovisual planejavam organizar um curso gratuito, com o conteúdo exigido pela prova, para estudantes de baixa renda. Marcado para o período entre os dias 3 e 11 de outubro, o evento buscaria proporcionar ao vestibulando um contato prévio com alguns dos temas cobrados pela avaliação – como dramaturgia, imagem e som. A ideia era – ainda que de forma bastante reduzida – tentar equilibrar a disputa que  o exame criava. Para a estudante Mariane Nunes, que está no 5o ano do curso, a suspensão da avaliação é fundamental. Foi unânime entre os estudantes [do CTR] que a prova específica era menos importante [do que as cotas]. Foi bem difícil aqui no departamento porque muitos professores veem a prova como uma conquista, um elemento de autonomia [do curso]” Mariane, que chegou a realizar o exame  por três vezes, ressalta que  “a demanda por cotas na universidade, há muitos anos, é uma necessidade. Precisávamos cumprir uma demanda que há muito tempo estava atrasada aqui no departamento”.

Vestibulando

Gabriel Scapin é vestibulando de Audiovisual há dois anos. Ao escolher um dos cursos mais concorridos da USP, o jovem afirma que, apesar dos obstáculos, nunca pensou em desistir do sonho de ser cineasta. Ciente das dificuldades que uma prova específica impõe, ele ressalta a importância da mudança. “Com a suspensão da prova dá para ficar mais tranquilo quanto aos estudos. Antes você tinha que correr atrás de começar a estudar muitos assuntos extracurriculares à escola. Eu ficava desesperado, porque além de estudar Física e Matemática, que já são coisas com que eu sofro muito, tinha que procurar sobre esses livros”

Não só para Scapin, como para muitos outros estudantes, a adoção das recentes medidas representa uma democratização do acesso ao curso de Audiovisual. Nos últimos anos, diversas outras faculdades têm  alterado suas formas de ingresso, ao reavaliarem seus processos de seleção. Com a adoção de cotas e medidas afirmativas, o acesso ao ensino público tem se tornado mais humano e plural. Para Scapin, que continua nessa corrida rumo ao ingresso na Universidade, saber que uma das barreiras imposta a seus sonhos já foi quebrada, representa um alívio.

Unicamp. No mesmo dia da aprovação das novas medidas para o Audiovisual, a Unicamp também aderiu à política de cotas destinando parte de suas vagas para estudantes de escolas públicas e PPI. As alterações da Estadual de Campinas passam a valer a partir do vestibular de 2019.