Especialista em cachorro quente

“Não sou muito paciente não. Sou meio rápido. Gosto de resolver as coisas na hora”. É o que me diz Seu Cícero Salvador de Santana, antes de quase 40 minutos de conversa. Cearense de Jardim e pai de dois filhos, chegou em São Paulo aos 18 anos. Hoje tem 45, e há “uns 20” possui uma barraquinha de cachorro quente ao lado das agências bancárias da Cidade Universitária Armando Sales de Oliveira, sede da USP na capital paulista.

Passadas as perguntas rotineiras, me conta que, no início, o preço padrão do hot dog no campus pouco passava dos 50 centavos. Quanto à receita, nenhum segredo. “Foi melhorando. Todo mundo colocou batata palha, eu coloquei. Todo mundo colocou catupiry, eu também coloquei. Como tem pouca gente que faz cachorro quente, aqui a gente vai conversando, e o povo gosta da coisa mais simples”.

Quanto ao campus, diz que a grande alteração nos nesses 20 anos foi o aparecimento de mais agências bancárias. “Quando eu cheguei tinha só a Nossa Caixa e o Banespa, agora tem uma agência de cada”. Hoje, cada um dos grandes bancos possui uma agência ao lado da banca do seu Cícero. E essa mudança teve efeito positivo sobre seu empreendimento, estrategicamente localizado ao lado de uma das passagens de pedestre para elas. “O pessoal tira dinheiro e consome né?”

Seu Cícero trabalha sozinho. Os filhos e a esposa têm empregos “normais”, segundo ele. em empresas. Um cunhado fica responsável por reabastecer os ingredientes.  “Eu sempre quis que meus filhos estudassem um pouquinho, para não se envolver aqui. Hoje os dois trabalham em empresa normal, estão bem na vida”. Ele possui o fundamental completo e queria que seus filhos tivessem algo diferente. “Minha esposa trabalha fora também”, termina.

Voltando à barraquinha, nunca pensou em abrir outra, por não confiar em dar o negócio para outra pessoa. Garante que o faturamento do mês é suficiente para pagar as contas e ainda sobra para tomar um refrigerante, uma vez que não bebe. “No início tive que fazer a freguesia. Comecei a trabalhar e o pessoal passava no boca a boca. Quando a pessoa gosta não precisa nem falar nada”. Sua clientela é de todo o tipo. Estudantes, professores, funcionários dos bancos, da reitoria, visitantes, sendo os últimos maioria. “O cara vem no banco e para pra comprar um refrigerante, uma água…”

Após 12 minutos de papo, pergunto o que ele mais gosta em seu trabalho. “As amizades. Principalmente porque quando você encontra uma pessoa lá fora, vê que é a mesma coisa que aqui”, conclui, e narra um episódio no qual uma aluna o reconheceu no sambódromo do Anhembi. “Tava com um monte de amigo. Podia não ter falado. Mas fez questão. Isso que é legal”

Conta que o momento mais estranho que viveu nesses 20 anos foi quando um carro invadiu a calçada e quebrou as caixas de isopor em que guardava suas bebidas. Fora isso, diz ser muito tranquilo trabalhar ali, até por ficar das 10 às 17h.

Completados 15 minutos de entrevista, vou ao banco e tiro dinheiro para experimentar o cachorro quente do seu Cícero. Durante o preparo, falamos um pouco sobre o futuro. Me pergunta o que eu quero fazer quando me formar. Digo que não sei. Ele tem certeza: “Daqui uns cinco anos volto pro Ceará. Para ficar com meus pais e minha família. Lá melhorou muito, é mais fácil de viver que aqui”. Fico curioso. Por que diabos uma cidadezinha no sertão nordestino pode ser melhor que a maior cidade do país?

Ele explica que mudou muita coisa em sua terra natal, que a vida das pessoas melhorou “90%”. “Até dez anos atrás não tinha luz elétrica, porque lá é roça mesmo, mato. Ai meu pai me ligou dizendo que tinha chegado luz elétrica, e que agora ele tinha geladeira e fogão a gás. Eu não consegui imaginar a casa do meu pai com isso”. Também foi construída uma cisterna, que aumentou o fornecimento de água. “Quando eu era pequeno, tomava banho em lamaçal, ou tinha que andar até uma nascente, mas quando voltava já estava empoeirado de novo. Agora tem até chuveiro na casa de minha mãe”. Outra razão apontada por ele é o fato das coisas serem mais baratas lá, e de ser mais fácil comprar “o que é necessário”.

O maior responsável por essa mudança é, para Cícero, o ex-presidente Lula. “Ele estendeu a mão para o nordeste, e ninguém tinha feito isso antes”. É categórico ao dizer que, caso Lula seja candidato, seu voto será dele. “Sem medo de errar. E tenho certeza que 96% dos nordestinos pensam a mesma coisa. Voto nele só pelo que ele fez pelos meus pais. E por mim também”, antes de narrar a compra de seu carro, possibilitada pela política de crédito dos governos petistas. “O Lula não me deu nada. Mas me deu a chance de ter”, concluiu.

Sobre o prefeito João Dória, diz não ser “fã”. “Todo mundo sabe que ele é da elite. Então se o cara é da elite, ele vai ficar do lado dos grandões. É sempre ele e o Geraldo (Alckmin)”. Acha que pode vir a ser um bom prefeito, mas que vai abandonar a prefeitura para concorrer à presidência. Sobre o governador, Cícero se limita a afirmar que “engana bem”, e reclama do atraso nas obras do metrô.

Depois de falarmos sobre política, chega um cliente, e Cícero se concentra em preparar o cachorro quente. Pergunto que time ele torce. “Flamenguista”. “E teu time vai pra frente?”. “Acho que agora vai”. Assim termina nossa conversa. Não tão rápido quanto ele gostaria, mas com boas histórias para contar. Agradeço, apertamos as mãos, e ele reitera que não quer ser fotografado. Digo que não tem problema, que vou pensar em uma ilustração. Elogio o cachorro quente, e deixo que ele volte ao trabalho.