Instalação de ponto eletrônico para funcionários gera desconforto

 

Entre as principais queixas estão o mau funcionamento do aparelho e a inadequação a algumas atividades

Por Camilla FreitasTaís Ilhéu

Na última sexta-feita, dia 11 de agosto, foi realizada uma reunião na Regional do Ministério do Trabalho para discutir a situação dos trabalhadores em condição insalubre da USP. Após a instalação do ponto eletrônico na Universidade, não é permitido que eles façam banco de horas para compensar pontes (emendas de feriado), como fazem todos os outros funcionários. De acordo com o Departamento de RH da USP (DRH), estes funcionários não podem estender sua jornada por conta da própria legislação trabalhista, que prevê um procedimento para esses c

asos, implicando, inclusive, na autorização do Ministério do Trabalho. Estiveram presentes na reunião representantes do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), do DRH e da Coordenadoria de Administração Geral da USP (Codage).

A negociação é parte da tentativa do Sindicato de flexibilizar e ajustar as medidas impostas pela Portaria Codage-658, de 13 de outubro de 2016, que instituiu o Registro Eletrônico de Ponto. De acordo com o DRH, a USP estaria recebendo recomendações externas para a adoção do ponto, inclusive do próprio Ministério Público Federal (MPF). Apesar de questões como a da insalubridade ainda não terem sido resolvidas, diversas outras foram apontadas e revistas a partir do acordo coletivo firmado entre a Reitoria e o Sintusp em junho deste ano. Ainda assim, a posição do sindicato se mantém a mesma: o novo sistema não traz benefícios para a Universidade. Luis Ribeiro de Paula Júnior, um dos diretores da entidade, participou da reunião e acompanha desde o início a discussão “a decisão pela instalação dos pontos eletrônicos não foi em acordo com o Sintusp, foi uma decisão unilateral da reitoria”. A justificativa do DRH é que a decisão foi tomada com “estrita observância da legislação trabalhista, que não exige participação do sindicato na definição do mecanismo de registro da frequência”.

Arte: Mariana Rudzinski

Não só para Luis, como também para outros funcionários ouvidos pela reportagem do JC, o ponto eletrônico faz parte de um programa “para baixar a moral do trabalhador”, pressupondo-se, segundo eles, que o servidor não estaria cumprindo sua jornada de trabalho. No entanto, o que vinha acontecendo, de acordo com o relato de alguns funcionários, era justamente o contrário, já que diversas vezes eles estendiam seus horários para além da jornada de oito horas diárias. “Muitas vezes, temos que executar uma tarefa além do nosso horário de trabalho, como uma pesquisa de campo, um atendimento público, uma montagem de uma exposição, e isso não pode acontecer porque temos que registrar o ponto”, afirmou um funcionário de um museu da USP que, assim como outros entrevistados, não quis se identificar por medo de sofrer retaliações.

Cecílio de Souza, assistente técnico de gabinete da Pró-reitoria de Cultura e Extensão (PRCEU) observou que a instalação do registro eletrônico foi uma medida justamente para a proteção dos trabalhadores, ou seja, para que eles não excedam seu horário de trabalho sem que recebam por isso. A opinião é partilhada por alguns funcionários, que destacaram a isonomia da medida. “Acho que o ponto eletrônico foi um ganho, pois todos os funcionários se igualaram em termos de deveres e obrigações”, destaca Dorival Pegoraro Junior, analista de comunicação do Museu Paulista. Shirley Ribeiro da Silva, especialista em pesquisa e apoio do Museu, faz coro ao colega, afirmando que a medida torna clara e “unifica a regra para todos”.  Entre os benefícios que o DRH apresentou para a instalação dos pontos eletrônicos estão “a transparência, para que o funcionários possam monitorar sua frequência, a confiabilidade do sistema e a diminuição de erros no registro”.

Os interesses da Reitoria por trás da medida, no entanto, são questionados entre alguns funcionários ouvidos pelo Jornal do Campus. Segundo fonte do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), era muito comum que funcionários do instituto entrassem na justiça para requerer o pagamento pelas horas extras trabalhadas e, com a instalação do ponto e as rígidas instruções para não ultrapassar o horário, a Universidade se protege destes processos.

 

Extensão, pesquisa e ponto

A instalação dos pontos eletrônicos causou maior desconforto , principalmente, entre os funcionários ligados às atividades de extensão e pesquisa, dois dos três pilares da Universidade. Para Magali Chamiso, assistente técnica de direção do Teatro da USP (Tusp), o registro do ponto está dando mais trabalho aos funcionários porque ele não atende algumas especificidades de cultura e extensão. “No caso do Tusp, fica difícil enquadrar nossas atividades numa perspectiva padrão, os horários dos espetáculos variam”, comentou René Piazentin, orientador de arte dramática do Teatro.

Para os funcionários, a flexibilidade, nesse caso, seria uma alternativa. A posição do DRH é que estas demandas, relativas à melhor maneira de adequar as atividades de cultura e extensão ao uso do ponto, já foram sanadas pelo acordo coletivo firmado com o Sintusp. Segundo Michel Sitnik, chefe da divisão de comunicação institucional da PRCEU, ajustes ainda estão sendo feitos para que essas atividades se adequem. “A ideia é não prejudicar as atividades realizadas”. Ele ainda reitera que, se alguma diretoria está encontrando problemas com o ponto, deve informá-los para que consigam resolver.

Um outro problema ocorrido no próprio Tusp foi a falha do equipamento durante uma semana. Segundo relatos dos funcionários do Teatro, desde o dia 4 de agosto o registro é feito, mas não está sendo computado no ifPonto. Ou seja, mesmo indo trabalhar, o sistema contabiliza falta. Prevendo esse tipo de intempérie, foi aconselhado aos funcionários que guardassem o comprovante emitido pelo ponto. Magali, no entanto, disse que não leva esse tipo de problema, junto aos de adaptação de horário das atividades, à PRCEU, e que tenta resolver essas questões internamente. Apesar disso, acredita que a Pró-reitoria de Cultura e Extensão estaria aberta ao diálogo. De acordo com o DRH, as unidades ou órgãos que se enquadram nessas especificidades já teriam sido orientadas a encaminhar suas dúvidas à administração central.

As atividades de pesquisa, que assim como a extensão contam com horários diferenciados, estão, também, com algumas dificuldades para se adequar ao novo sistema. É o caso do ICB, que tem grande parte de funcionários em insalubridade e sem a mesma liberdade de gestão de tempo em relação aos outros por não terem como fazer banco de horas. A natureza das atividades desempenhadas no âmbito da pesquisa não são facilmente adequadas ao ponto eletrônico, uma vez que as laboratoriais, por exemplo, não podem ser abandonadas no seu percurso para obedecer ao relógio de ponto.

Sobre esta inadequação, o DRH se pronunciou dizendo que “as atividades de extensão e de pesquisa são perfeitamente compatíveis com o respeito aos direitos trabalhistas dos servidores, bastando que haja organização do trabalho para que tais atividades não sofram prejuízo”.

Já as funções administrativas não sofreram tantas mudanças com a instalação do sistema, visto que os horários de funcionamento se mantiveram praticamente inalterados. Entre as principais mudanças destacadas pelos funcionários está a impossibilidade de ajustar sua jornada diária de acordo com a demanda, uma vez que alguns se estendiam em alguns dias e compensavam essas horas em outro. “Trabalhávamos sem essa questão rígida, era uma situação mais flexível. Você chegava às 7h da manhã, mas tinha que ficar até as 20h, não tinha problema”, destacou Lucas Martins, funcionário da secretaria do Departamento de Filosofia da FFLCH.

Uma outra situação citada como exemplo é a inflexibilidade em relação a questões pontuais como consultas médicas. A partir da instalação do ponto, só é possível abonar as horas com atestado ou declaração médica se a consulta durar até três horas. O tempo de deslocamento, no entanto, não é previsto, e é apontado como uma desvantagem em relação às negociações diretas que aconteciam antes, como afirma José Antônio, do Departamento de Sociologia da FFLCH. “Às vezes o médico é muito longe e não compensa voltar para cumprir pouco tempo de trabalho, isso antes era acordado com os chefes para cumprir em outros dias”.

A adaptação nesses setores administrativos, no entanto, tem gerado menos turbulência e comoção. “Nunca me preocupei muito com a questão do porquê da instalação do ponto, é controle de horário de entrada e de saída, simples assim”, afirma Lucas.

 

O ponto dos alunos

A Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes (ECA), está fechando mais cedo, às 21h45, desde que o ponto foi instalado. “Na Biblioteca ninguém recebe adicional noturno ーo adicional é depois das 22h. É difícil, portanto, fechar exatamente antes disso”, conta Marina Macambyra, bibliotecária da ECA e representante dos funcionários da Escola no CTA (Conselho Técnico Administrativo). “A compensação de horários também é uma dificuldade, porque muitos não podem compensar mais cedo e nem ficar depois das 22h”.

Outro problema que a bibliotecária ressalta em relação ao horário é que ele impediu os funcionários da biblioteca de acompanhar aulas dos alunos de Biblioteconomia, quando convidados pelos docentes. Essas conversas não ocorrem mais porque muitas aulas terminam depois das 22h, ou seja, depois que o funcionário registrou sua saída.

O Centro de Práticas Esportivas (Cepe), assim como a biblioteca, reduziu seu horário de funcionamento. Delminda Branca Machado, chefe técnica da Divisão Administrativa e Financeira do Cepe, conta que não só o ponto foi o responsável por essa redução, mas também o Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), que diminuiu significativamente o número de funcionários do ano passado para cá. “O diretor geral entendeu que o horário estendido iria prejudicar um pouco, porque não temos como pegar um funcionário que trabalha durante o dia e fazer com que ele trabalhe também no horário estendido”. Com a nova exigência de bater o ponto exatamente às 22h, as atléticas só podem treinar até às 21h. Segundo Esequias Bueno, da Atlética da Faculdade de Economia e Administração (FEA), a redução foi apenas informada à LAAUSP, que repassou para as Atléticas.

 

Proteção ou intimidação?

Além dos infortúnios com ajuste de jornada e adequação das funções, uma outra queixa entre os funcionários foi quanto à utilização do ponto enquanto elemento de coerção. Anonimamente, um entrevistado do ICB declarou que as chefias instruem funcionários a bater o ponto de saída e voltar ao trabalho. “Não é uma manipulação direta, não é aquela pressão, ameaça, isso é feito por meio de indiretas”, relata. De acordo com ele, isso faz com que as pessoas do instituto fiquem visivelmente abaladas. “Há um clima de terror. Tem gente que chega e fica fixamente olhando para o ponto esperando o horário exato de bater, com medo de ser punido caso erre minimamente o horário”.

Além disso, de acordo com Luis Ribeiro, alguns funcionários ainda não estão batendo ponto porque teriam horas extras para receber, como os motoristas. A justificativa apresentada pelo DRH, nesse caso, é que trata-se de uma situação específica de funcionários que realizam funções predominantemente externas. Alguns termos do acordo que permitem negociação entre funcionário e chefia também estão gerando conflito, como a escolha dos horários para compensação. O acordo prevê que haja consenso entre ambos, e que as decisões da chefia sejam sempre justificadas, mas muitas vezes não é o que acontece. “As decisões dos superiores são arbitrárias, até autoritárias”, relatou um funcionário.

Relativo a qualquer abuso ou desrespeito, o DRH se pronunciou afirmando que “desrespeitar os direitos trabalhistas dos servidores não é uma opção. A legislação trabalhista que rege o controle de ponto foi integralmente estabelecida de forma a evitar abuso por parte dos empregadores”.

Uma outra dúvida levantada por alguns funcionários foi o critério estabelecido para que os docentes não utilizem o ponto eletrônico. O DRH afirmou que “os docentes não registram sua frequência no sistema de ponto eletrônico por possuírem regimes de trabalho específicos previstos no Estatuto Docente”. Luis afirmou que os advogados consultados pelo Sintusp esclareceram que a Universidade pode fazer essa distinção principalmente por conta do regime de tempo integral. Ele reitera, no entanto, que o ponto eletrônico também não seria adequado para os docentes “se é ruim para o funcionário, seria um absurdo maior ainda para professores”.

 

Para além da USP

A implementação do ponto eletrônico na Universidade não é exclusividade uspiana. Diversas universidades públicas vem sendo instruídas pelo MPF, como apontado pelo DRH, a aderir o sistema. A história, no entanto, acaba se repetindo: muitos funcionários questionam a efetividade do método em atender às demandas de um ambiente que tem tantas especificidades.

A exigência pela implantação, no entanto, assim como em outras instituições de ensino como a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), se manteve. Na USP, o processo já foi finalizado, e atualmente 14.500 funcionários fazem uso do sistema.