O que há de real no negacionismo

Aquecimento global: o JC checa as falas de quem desacredita a influência humana no fenômeno

Por Fredy Alexandrakis

Arte: Mariana Rudzinski

Foi na década de 90 que o termo “aquecimento global” começou a ganhar espaço no debate público. De lá até os dias de hoje, muitas pesquisas, relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e acordos internacionais contribuíram para consolidaro assunto como um problema urgente e causado pela ação humana. Na contramão disso, negacionistas têm construído um arsenal de argumentos que busca refutar as conclusões que caminham para se tornarem consenso científico. O Jornal do Campus compilou uma série desses argumentos, extraídos de falas de deputados e senadores em plenário, e consultou três especialistas para descobrir quanto do que dizem é verdade: Nelí Mello-Théry, vice-diretora da EACH e professora de gestão ambiental; Tércio Ambrizzi, professor do IAG e coordenador do Incline, núcleo de apoio a pesquisas em mudanças climáticas da USP; e Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

“Os alarmistas do aquecimento advertem que o CO2 é poluente, apesar de saberem que, sem ele, é impossível a vida na Terra. O CO2 é vital para todas as formas de vida e o seu aumento fará as plantas crescerem mais e beneficiará todas as formas de vida.” Luiz Carloz Heinze (PP-RS), 2009

O CO2 é essencial à vida na Terra como nós a conhecemos. Ele é um dos principais gases do efeito estufa e parte integral do processo da fotossíntese nas plantas. “O efeito estufa controla a temperatura média do planeta, mantém-na em torno de 15ºC. Sem esses gases, ela seria da ordem de -18ºC”, pontua Ambrizzi. No entanto, a conclusão de que seu aumento na atmosfera “fará as plantas crescerem mais e beneficiará todas as formas de vida” é exagerada. O aumento da concentração de CO2 no ambiente eleva as taxas de fotossíntese até um ponto limite, a partir do qual não há mais alteração na atividade fotossintética. Elevando-se ainda mais essa concentração, pode-se alcançar um ponto em que ela se torna tóxica à planta, tendo o resultado inverso.

Além disso, o aumento da concentração de CO2 na atmosfera intensifica o fenômeno do efeito estufa, aumentando as temperaturas. Cada planta possui uma temperatura ótima para a ação de suas enzimas na fotossíntese. Ultrapassar essa temperatura ou ultrapassar a faixa dos 30ºC a 35ºC, em geral leva à redução das taxas de fotossíntese.

“As mudanças no clima ocorrem há bilhões de anos e não há como alterá-las, pois obedecem a ciclos astronômicos complexos e sofrem a influência das radiações cósmicas.” Luiz Carlos Heinze (PP-RS), 2009

O clima terrestre é sujeito a variações naturais, e o planeta Terra passou por diferentes eras geológicas antes mesmo da existência do ser humano. Todavia, essas variações naturais são notadas ao longo de milhares e milhões de anos. Quando se discute o aquecimento global antropogênico, não se pensa no tempo geográfico das grandes eras geológicas e, sim, no tempo histórico das ações humanas. O que tem sido registrado são alterações climáticas e ambientais em rapidez muito maior, principalmente a partir da Revolução Industrial. “Nos últimos 800 mil anos, baseado em dados paleoclimáticos, [a concentração de CO2 na atmosfera] era em torno de 280, 290 partes por milhão (ppm). Hoje, com toda a discussão de mudanças climáticas, nós estamos em 400 ppm. Em pouco mais de 100 anos, nós crescemos em torno de 40%. É uma questão de escala de tempo”, explica Ambrizzi.   

“Os conceitos, as estratégias e o planejamento do ambientalismo internacional não surgiram espontaneamente, como resultado de um processo discutido abertamente pela comunidade científica. Ao contrário, houve – e ainda há – esforços intencionais das grandes potências, para servir a propósitos pré-estabelecidos. Isso dá ao movimento a estrutura de uma ideologia política imposta pelo mundo” Acir Gurgacz (PDT- RO), 2010

A ideia de que o combate ao aquecimento global trata-se de uma imposição internacional é uma narrativa muito comum em discursos negacionistas e utilizada, inclusive, em diversos países. Um exemplo recente disso é o de Donald Trump, ao tirar os EUA do Acordo de Paris.

Dizer que o ambientalismo é uma imposição das grandes potências é contraditório, uma vez que, como aponta Mello-Théry, duas das maiores potências econômicas do mundo, EUA e China, são também dois dos maiores emissores de gases poluentes. Há, pelo contrário, uma grande resistência dessas nações em assumir os compromissos de mitigação do aquecimento global, já que suas economias são fortemente pautadas pelo consumo de combustíveis fósseis.

“Aquela questão da anomalia climática antropogênica, no sentido de que o homem iria destruir o planeta devido ao aquecimento global, provou-se uma fraude. […] Abordo agora a questão do desmatamento zero. Desmatamento zero, no caso, significa que o Brasil tem de renunciar à expansão de sua área econômica.” Paulo Cesar Quartiero (DEM-RR), 2013

O aquecimento climático antropogênico está longe de se provar uma fraude. Pelo contrário: “todos os relatórios do IPCC, desde o primeiro até o quinto apontam cada vez mais com certeza de que é a ação humana que está fazendo essa mudança”, relata Mello-Théry. Falar em consenso científico em torno do tema é controverso, e figuras como os famosos 97% de consenso apontados por John Cook já foram muito contestadas. Ainda assim, é possível afirmar que os negacionistas são minoria na comunidade científica minoria esta que vem diminuindo ao longo dos anos.

Quanto ao desmatamento, aplicar o mote “desmatamento zero” (no caso, o fim do desmatamento) certamente limita a expansão econômica brasileira aos moldes de como, historicamente, tem-se tratado a relação com a terra no país. Contudo, existem outros caminhos para a expansão da produção. “Nós temos hoje, por exemplo, no Centro-Oeste, uma quantidade de pastos degradados. E nós nos acostumamos, desde sempre, a explorar a terra até ela exaurir. Quando ela exauria, você não cuidava dela”, explica Mello-Théry. A recuperação de terras degradadas é uma solução mais custosa do que o desmatamento, mas é uma saída. Assad aponta, ainda, para a importância da inovação: “O que falta no campo não é abrir área e, sim, levar tecnologia”.

(2014) “O calor com o qual padecemos neste início de ano tem uma explicação, estamos no que se chama de Oscilação Decadal do Pacífico. De 1975 a 2005, o Pacífico esteve mais tempo quente do que frio. Agora há um consenso na comunidade científica de que voltamos ao padrão registrado entre 1945 e 1975, quando o Pacífico ficou mais tempo frio.” Lael Varella (DEM-MG)

A Oscilação Decadal do Pacífico (ODP) é um fenômeno real, com impactos significativos sobre o clima, e pode mesmo ter tido algum impacto sobre o calor de 2014. Usar essa informação para defender que a ação humana não tem impacto sobre o clima é enganoso, entretanto. A ODP varia em períodos de 20 a 30 anos, enquanto as temperaturas médias anuais da Terra têm registrado um aumento relativamente constante ao longo de mais de cem anos. Ainda esse mês 3 anos depois de quando o deputado disse que estaríamos retornando a um período mais frio as temperaturas do verão na Europa seguem batendo recordes e levando países a declararem estado de emergência. Além disso, apontar um único evento climático como prova de processos muito maiores é irresponsável. “Você não pode definir um fenômeno isolado como uma consequência do aquecimento global”, diz Ambrizzi. Discutir aquecimento global significa discutir conjuntos de eventos, é sua intensidade e frequência que pode apontar para uma instabilidade da atmosfera terrestre.