SanFran debate destino de verbas estudantis

Atual repasse para a moradia é insuficiente e não faz jus ao direito à permanência estudantil

Por Liz Dórea

O que é necessário para garantir condições mínimas de existência em uma casa? A resposta, naturalmente, varia de acordo com o número de moradores e as necessidades particulares de cada lar. Mas não é preciso ir muito adentro da Casa do Estudante, a moradia universitária da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, para se dar conta de que eis ali um lugar onde essas condições não estão sendo supridas.

Da vidraça arrebentada, é possível espiar o hall vazio. Não há porteiro ou alarmes. O interfone não funciona. Eduardo Rocha, estudante do segundo ano de Direito e residente diretor da Casa, é quem abre manualmente o portão. Se, ainda assim, quiser galgar os dez andares do número 2044 da Avenida São João, tome as escadas: o elevador está quebrado desde que a sala da máquina foi infiltrada. Os escombros do gesso, ainda ao chão, revelam o rombo no teto despedaçado cujo reparo não aconteceu por falta de dinheiro.

E não à toa. O prédio, que abriga setenta e quatro pessoas, sobrevive com uma verba mensal de aproximadamente sete mil reais. O orçamento, porém, praticamente se esgota no pagamento das contas de água e luz. Enquanto isso, a necessidade de se investir em reformas elétricas e hidráulicas, em segurança e limpeza, na compra de extintores, na dedetização dos espaços, em reparos físicos, além da instalação de uma lavanderia e de um bebedouro industrial de água potável, não para de urgir.

 

A prestação de contas

A Casa do Estudante é financiada pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, que, atualmente, ainda repassa verba para duas outras entidades da faculdade: a Atlética e o Departamento Jurídico. Durante toda a semana passada, essas entidades prestaram contas abertamente, de modo a expor suas realidades financeiras, vislumbrando uma redivisão de verbas. “As entidades estão apurando suas arrecadações, despesas, e estudando como realocar esse quadro de modo a garantir que a Casa tenha uma condição de vida melhor”, explica Luís Fernando Bierdmann, suplente da diretoria do Centro Acadêmico.

A pauta de redistribuição foi encampada pela moradia universitária em 6 de agosto, na assembleia geral de Reforma do Fundo do XI, o patrimônio financeiro de 6,2 milhões do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito. Para a Casa, foi o limite: seria impossível falar de reforma financeira sem pautar redistribuição de receita. “Com respaldo unânime dos moradores, reivindicamos uma assembléia geral no dia 29 de agosto para debater a redivisão de verbas”, conta o diretor da moradia. “O fórum levantou, aplaudiu, apoiou. Nossa proposta é que, de 2 em 2 anos, as entidades continuem praticando a prestação de contas e redistribuindo a verba do XI.”

Desde então, as entidades têm se articulado para negociar seus orçamentos, unificar o discurso e tentar aprovar a pauta por consenso. A Casa do Estudante, até o momento, havia descrito uma proposta de 20.600 mensais para cobrir seus gastos. “Essa proposta foi colocada para produzir acordo entre as entidades, mas não estamos contando com nenhuma reserva nessa conta”, ressalta Eduardo Rocha. “A faculdade precisa entender que moradia é um direito, e não um privilégio. Nossa situação é tão delicada que estamos pedindo aquém do que precisamos.”

 

O trâmite da redivisão de verbas

Ainda assim, para efetivar qualquer mudança no repasse, será preciso reformular o modelo atual de distribuição de recursos. Ele está previsto num documento de 2008, que define porcentagens específicas da verba do Centro Acadêmico destinada a cada entidade. Ocorre, porém, que alguns valores atribuídos jamais foram repassados e se tornaram fictícios porque não há receita para cobrir tudo. “Não conseguimos pagar todas entidades porque nossa demanda de pagamentos é muito grande”, explica Bierdmann. “Então, priorizamos sempre por pagar os funcionários e os impostos. Todas as gestões foram assim.”

A saída, nesse caso, consistiria em realocar verbas da Atlética que não passam pelo crivo do Centro Acadêmico antes de serem absorvidas. A entidade arrecada, atualmente, cerca de 34.000 mil reais com contratos de aluguel nas áreas internas do Campo do XI, um patrimônio do Centro Acadêmico do qual ela usufrui mediante acordo de cessão administrativa. São quadras poliesportivas, um estacionamento, uma chopperia e uma sala de fisioterapia. “Hoje, muitos contratos estão vinculados à Atlética”, relata o vice-presidente. “Com a redivisão, esses contratos deixariam de estar. Ou seja, o bolo de onde as despesas vão sair será um só.”

Durante esse processo, há ainda a perspectiva de que outras entidades se integrem às negociações, como explica o suplente do XI de Agosto: “a redivisão de verbas não diz respeito somente à Casa ou à Atlética. Eles têm mais grana, mas existem outras entidades que estamos procurando saber se também vão pleitear verba. o Núcleo de Direito à Cidade, por exemplo, tem direito à repasse estabelecido no estatuto, mas não recebem nem nunca receberam esse dinheiro.”

O desafio, agora, será manter o diálogo aberto entre todas os envolvidos, conciliando seus interesses de modo a não inviabilizar as atividades de ninguém. A gestão atual da Atlética, nesse contexto, já se dispôs a abrir mão de parte de suas receitas para aumentar a verba repassada à moradia. “A gente entende que temos muitos privilégios. Recebemos uma quantidade de dinheiro muito grande comparada às outras entidades de importância essencial, como a moradia. Agora é o momento de pôr tudo na mesa, estabelecer as prioridades e chegar a um campo em comum.”  

E esse lugar onde todos os discursos parecem convergir é, em essência, o reconhecimento da questão da permanência estudantil. A partir de 2018, em virtude da ampliação do sistema cotas para ingresso no curso de direito da USP, serão 30% do número de vagas reservadas pelo Sisu, sendo que dois terços se destinam para autodeclarados pretos, pardos e indígenas. A perspectiva, com isso, é que se amplie demanda pela moradia universitária e, consequentemente, a importância do aumento do repasse para a Casa do Estudante.

“Vamos receber, no ano que vem, alunos pretos, pardos e indígenas. A faculdade está caminhando para se tornar mais popular e democrática. Então, é nesse mesmo sentido que o Centro Acadêmico tem que andar na hora de manter suas entidades.”, defende Eduardo, que há mais de um ano vive na moradia. “As pessoas pobres precisam entrar e permanecer. Se a Casa não receber o mínimo do mínimo do mínimo, que são esses 20.600 reais, essa faculdade vai parar.”