Alunos apostam em projetos independentes

Em paralelo à graduação, ideias desenvolvidas por alunos visam complementar os estudos 

Por Liz Dórea e Luís Henrique Franco 

arte: Dado Nogueira

Diversos alunos da Universidade de São Paulo têm realizado projetos pessoais de maneira independente da graduação, visando escapar à limitação imposta por aulas mais tradicionais, quer seja por pressão da carga horária, quer seja pelo conteúdo restritivo do currículo acadêmico. Para o doutor em sociologia e mestre em comunicação, José Muniz Júnior, estudioso de produções editoriais independentes, os autores dessas iniciativas usufruem de autonomia para decidir como e quando fazer, sem recorrer a qualquer instância de poder, mando ou arbítrio. “Trata-se, de uma solução alternativa às formas mais tradicionais de produção e difusão da cultura em cada campo de produção simbólica.”

Muniz observa, porém, que não há propriamente uma característica que defina ou unifique esses projetos, além de seu próprio posicionamento como independentes. “É um universo extremamente diverso, que abarca distintas formas e ritmos de produção, alinhamentos estéticos e ideológicos, objetivos e perspectivas para o futuro.”

E quais são essas perspectivas?

Uma revista digital, um game de aventura, uma banda feminista. Esses são apenas alguns dos projetos independentes encontrados pelo Jornal do Campus universidade afora. A grande variedade de produções autônomas em unidades tão distintas parece refletir um desejo generalizado de expansão: seja de uma energia criativa que antes não usufruía de condições propícias para se manifestar seja das limitações próprias ao currículo acadêmico. “É importante que a universidade reflita sobre suas carências e incorpore, sempre que possível, novas diretrizes curriculares”, argumenta Muniz Júnior. “Nesse sentido, a produção cultural dos alunos tem uma função pedagógica, na medida em que propicia o exercício de práticas que sua formação regular não fornece, e essa experiência retroage sobre o papel dos alunos na reflexão sobre seus cursos, departamentos e disciplinas.”

Game de RPG e aventura

É o que acontece com Samuel Ducca, estudante do segundo ano de engenharia de computação, atualmente engajado na produção de um game de aventura e exploração. “O jogo supre uma carência muito grande da graduação: motivação. Aqui na USP, os cursos são muito puxados, tem umas horas em que você pensa em desistir. É tudo muito abstrato, por exemplo, no meu curso. Muito cálculo, muita álgebra. Fazer o jogo me leva a aplicar os conhecimentos que eu estou adquirindo em uma coisa que me faz sentir realizado”.

Com o notebook aberto sobre a mesa, Samuel demonstra alguns aspectos gráficos do game. Ele lembra que a ideia de criar um jogo de exploração ideal, que preservasse os bons elementos dos que já existem e substituísse os falhos por outros mais interessantes, vem dos tempos de colegial. Mas foi só depois de entrar na faculdade que Samuel conseguiu se reunir com sete amigos, também assíduos jogadores, para concretizar o desejo. A empreitada, atualmente, está em processo de desenvolvimento. “Estamos construindo o conceito do jogo. Colocando todas as mecânicas para provar que funciona certinho. Aí, vamos mostrar para professores e procurar apoio”, conta. “Se o jogo ainda é só um protótipo, é meio difícil as pessoas olharem e verem potencial. Então, primeiro a gente quer construir uma base sólida. Estamos nessa fase.”

Revista Pólen

Lançada em 2014, a Revista Pólen é um projeto desenvolvido inicialmente pelas alunas Lorena Pimentel, do curso de Jornalismo, e Milena Martins, do curso de Letras. “Nós temos duas linhas principais de produção”, explica Lorena. “Primeiro, temos os posts que analisam, resenham e recomendam livros, filmes, séries. Depois, existem contos, crônicas, poemas, enfim, textos originais sobre o tema do mês”. A ideia da revista é trabalhar sobre conteúdos mensais, constituindo uma linha comum entre seus textos originais, de forma a discutir todas as possíveis abordagens para aquele assunto.

Na revista, o ritmo de produção se mantém em equipe, com todos os integrantes se ajudando para garantir que o projeto siga com conteúdo regular. “Minha maior dificuldade foi gerenciar tanto o projeto quanto o meu TCC, porque os dois tomavam muito tempo, mas tive ajuda da minha coeditora”, afirma Lorena. Ela também diz que a Pólen lhe proporcionou o aprendizado de escrever e editar para um conteúdo diretamente online, algo que ela não sentia tão fortemente em seu curso. “Na graduação, na parte de texto, tive muito conteúdo bem cara de jornal mesmo, mas ter uma experiência digital me ajudou tanto na produção e edição de textos em si quanto na melhor forma de divulgá-los, redes sociais e tudo”.

Pariá

No quarto ano de Artes Visuais, na ECA, Aryani Marciano se considera uma artista multidisciplinar. Nesse sentido, a experiência em artes plásticas não cegou suas zonas de contato com a música. “Acho esse separatismo muito prejudicial. Minhas composições são muito visuais. Faço paisagens sonoras”, relata ela, que remonta o início de sua trajetória musical ao Coro de Carcarás, onde aprendeu a tocar alfaia e maracatu. Também conheceu os outros membros da sua primeira banda, os Mil Pássaros Dançando. Mas não demorou a perceber que ainda não era isso. “Embora eu amasse os meninos da banda, eles eram todos brancos e homens. Eu queria fazer um som com minas”, afirma. Foi quando saiu à procura algo mais seu. Há pouco mais de dois meses, Aryani se juntou com outras três artistas e formou a Pariá: uma banda formada apenas por mulheres negras, lésbicas e bissexuais. “Acho que a arte é um lugar de fala. Ainda que você queira ser o mais despolitizado e neutro possível, não vai ser. Nós quatro, por exemplo, subindo no palco, todas pretas: não precisa falar mais nada.”

Papel da Universidade

Uma proliferação tão sensível de iniciativas autônomas na universidade faz questionar o papel da instituição dentro desse movimento e se caberiam planos de apoio. Ducca acredita que a USP poderia dar mais visibilidade a projetos discentes, e aposta na hipótese de massificar a divulgação em canais institucionais. Outra proposta apresentada por Lorena diz respeito a mudanças curriculares, como a de introduzir mais conteúdos de empreendedorismo. “Assim, não só a gente cai no mercado que já existe, mas também aprende a criar coisas nossas”.

Quando o maior obstáculo enfrentado pelo nicho dos independentes é a própria sobrevivência, debater como a universidade pode proporcionar condições para que os alunos se desenvolvam criativamente dentro dele é importante, assinala Muniz Júnior. “O número de projetos culturais independentes tem aumentado bastante nos últimos anos, e é provável que isso continue acontecendo. No entanto, permanece o desafio de fazer com que tais iniciativas consigam perdurar no tempo, já que muitas delas enfrentam muitas dificuldades práticas para se estabelecer de maneira regular e sustentada.