Centrinho espera mudanças com chegada da Medicina

Completando meio século, hospital se prepara para ampliação das atividades; intenção é manter a excelência

Por João Victor Escovar

foto: USP imagens

O Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP (HRAC), situado no campus de Bauru, deve passar por um processo de adaptação devido à chegada do curso de Medicina à cidade. A ideia é que o chamado “Centrinho” passe a funcionar no mesmo modelo dos Hospitais das Clínicas da capital e de Ribeirão Preto, cuja parte acadêmica é de responsabilidade da universidade, enquanto o aporte financeiro fica a cargo do poder público.

A incorporação do novo curso será feita junto à Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), e era uma demanda antiga, tanto dos responsáveis pelo campus, como da comunidade local e dos ingressantes, que terão mais uma opção da carreira mais concorrida do vestibular.

A Medicina é um desejo antigo da FOB e da região de Bauru. A oportunidade surgiu neste ano, a partir de uma parceria com o governo estadual. Nossos objetivos são os de proporcionar mais vagas aos estudantes, estar presentes na comunidade bauruense e propor um projeto pedagógico moderno”, declarou o pró-reitor de graduação da USP, Antonio Carlos Hernandes.

O Centrinho é um hospital especializado em fissuras lábio-palatinas, anomalias graves na região do crânio e do rosto, síndromes e deficiências auditivas e consequências secundárias desses problemas. Teve início há 50 anos, quando professores detectaram que uma a cada 650 crianças nascidas em Bauru possuíam fissuras lábio-palatinas (fendas nos lábios e céu da boca).

No começo, o HRAC funcionava em apenas seis salas e recebia suporte de entidades locais. Com a divulgação do trabalho que vinha sendo feito, a demanda aumentou e, consequentemente, o hospital se expandiu, tanto em termos de espaço como de pessoal.

Com o passar dos anos, o Centrinho acumulou novas áreas de atuação, como a aplicação de próteses e implantes. Atualmente, é um dos poucos hospitais do mundo que utilizam microscópios eletrônicos na cirurgia de palato, e tem como ponto forte seu atendimento humanizado, sendo reconhecido nacional e internacionalmente – inclusive pela OMS –, como referência em intervenções craniofaciais.

A manutenção dessa excelência tem sido a principal preocupação com relação ao futuro do hospital. Embora conte com um prédio inativo, que proverá mais leitos médicos à cidade, a expansão do escopo de atuação – associada à restrição de verbas, tanto da universidade como dos poderes públicos –, exigirá  maior atenção ao Centrinho.

A fase de adaptação de uma transição tão grande assim sempre é complicada. Mas acredito que, a longo prazo, nosso campus vai ser muito beneficiado. Temos uma infraestrutura que não é usada, devido à restrição do hospital a certas especialidades. Com a vinda da Medicina, a abrangência será maior, o que tornará possível prestar mais serviços à comunidade”, declarou a dentista Isadora Prado, que faz especialização em prótese dentária no HRAC.

Contudo, Isadora faz uma ressalva quanto à questão orçamentária. “Infelizmente, passamos por um ajuste nas verbas que recebemos e o fluxo de pacientes do hospital diminuiu drasticamente, mas não tenho como afirmar se foi por conta do investimento no curso de Medicina”.

Segundo disse o reitor da USP, Marco Antonio Zago, na reunião que chancelou o novo curso, a expansão da área de atuação do hospital não irá interferir nas características de excelência do HRAC e contribuirá com a formação dos novos profissionais. Conforme declarações anteriores – ao próprio site do hospital – da superintendente do Centrinho, Maria Aparecida Andrade, que não quis atender ao Jornal do Campus, os servidores devem ficar tranquilos, pois permanecerão vinculados à USP, embora tenha ressaltado que “eventuais e graduais mudanças sejam para proporcionar mais tranquilidade de trabalho e infraestrutura hospitalar”.

Outra mudança prevista pela diretoria do HRAC é o aumento das parcerias com órgãos externos à USP, como ONG’s e a iniciativa privada, a fim de captar recursos para uma modernização constante do hospital, prática que vem sendo uma das bandeiras mais criticadas da gestão Zago, em virtude da perda da independência da universidade.

Hoje, o hospital recebe recursos do SUS, que segundo Isadora, “funciona bem em Bauru, apesar dos desafios de gerência”. Conta com cerca de 600 profissionais, responsáveis por tratar mais de 63 mil pacientes, sendo que 63% deles são do Estado de São Paulo. Mesmo com o objetivo de atender potenciais pacientes de todo o Brasil, em virtude de sua especificidade, o hospital dá preferência à região de Bauru e à população paulista.

Humanização faz do hospital referência mundial 

A proposta do HRAC em buscar a reabilitação total do paciente – não simplesmente no viés médico, mas também nos aspectos estético, funcional e psicológico – é o que o torna, segundo funcionários, pacientes e instituições, um modelo internacional em saúde. Premiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Centrinho tem a humanização como diferencial nos serviços que oferece.

“Somos reconhecidos internacionalmente como o único hospital que oferece um tratamento humanizado e diferenciado para aqueles que nos buscam com o objetivo de ter uma oportunidade de se reabilitar e se integrar à sociedade de maneira adequada”, afirmou a superintendente do HRAC, professora Maria Aparecida Machado, na celebração dos 50 anos do hospital, em junho.

O envolvimento humano foi consolidado, inclusive, como política institucional do hospital em 2004, a partir da criação do Grupo de Trabalho da Humanização, um encontro de pessoas interessadas em discutir o hospital e sua relação com ele, sejam servidores, usuários, pacientes, acompanhantes, familiares ou interessados. O hospital conta também com diversos especialistas em áreas de apoio da saúde (assistência social e psicológica), além de projetos específicos, como auxílio às famílias.

“Desde que iniciei meu estágio no Centrinho, fiquei encantada com a maneira como a equipe do hospital – funcionários, enfermeiros e estudantes – trata os pacientes”, relatou a dentista Isadora Prado. “O tratamento é realmente diferenciado, pois existe um amparo para toda a estrutura da pessoa que tratamos, não apenas uma correção física do problema”.

A residente explica que, para uma mudança de vida efetiva do paciente, é necessário acompanhar tudo que se relaciona à sua anomalia ou doença. “Existem muitos casos em que o problema do paciente provoca ‘sequelas de vida’, como a baixa autoestima, o que exige um acompanhamento psicológico. Além disso, existe o apoio familiar: a mãe, desde que descobre eventuais malformações do feto na gestação, é conduzida e aconselhada para tomar as melhores decisões”.

Isadora também conta sobre o acompanhamento genético oferecido pelo hospital, que orienta os pacientes sobre possíveis anomalias e deficiências que podem ser transmitidas de maneira hereditária.

Embora existam preocupações quanto à manutenção do atendimento humanizado do Centrinho, em virtude das mudanças que estão por vir, a superintendente afirma que a vinda da Medicina para Bauru não deve interferir na excelência do hospital. Para ela, a formação humanística do HRAC agora poderá ser expandida aos novos médicos, o que, segundo pretende, também será um diferencial do novo curso.