Ciclistas são impedidos na Rua do Matão

Prefeitura do Campus argumenta que a medida acarretará a diminuição dos acidentes na via

Por Daniel Miyazato e Gustavo Drullis 

(foto: Claire Castelano)

Um longo trecho da Rua do Matão, entre as praças Prof. Alípio Corrêa Neto e do Oceanógrafo, tem sido fiscalizado pela Guarda Universitária para impedir a circulação de ciclistas. Placas indicam a proibição há anos, porém, apenas a partir do começo de agosto, alguns ciclistas vêm se queixando de coerções efetivas.

Danilo Lessa Bernardineli, estudante do Instituto de Física (IF), tinha o hábito de passar pela rua diariamente, pois acessa o campus pela Entrada do Mercadinho. Ele conta ao JC que mais de uma vez foi parado por agentes da Guarda e orientado a continuar o caminho pela Rua do Lago. Em um dos casos, Danilo conta que, ao argumentar que o caminho alternativo implicaria a subida por um trecho de contra-mão, o guarda teria lhe sugerido que substituísse a bicicleta pelos ônibus circulares. Quando insistiu em seguir em duas rodas, acabou sendo escoltado por uma viatura. “A rua do Matão é o caminho mais direto e eficiente, energeticamente falando, para ciclistas de diversos institutos acessarem os portões da Vila Indiana, Mercadinho e P3”, declara Lessa.

Casos semelhantes são relatados por outros ciclistas. Quando questionados sobre o motivo para a medida, os guardas universitários apontaram a quantidade de acidentes envolvendo ciclistas esportivos. A interdição, no entanto, atinge todos os usuários de bicicleta. “Há a sensação de que a Prefeitura do Campus está buscando resolver os problemas de convívio no trânsito culpabilizando os ciclistas e os banindo, ao invés de buscar medidas que alertem os motoristas de carros para manterem a velocidade baixa”, opina o estudante do IF.

Oscar Lazcano Patroni, aluno do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), também diz ter sido impedido de seguir de bicicleta pela Rua do Matão. A solução que Patroni sugere para o problema é a implantação de ciclofaixa em uma das calçadas, pois “levando em consideração o baixo fluxo de pedestres que utilizam essa rua, a habilitação de uma via não seria prejudicial para os pedestres”. Eduardo Gonçalves, doutorando do IF que pedala na USP há oito anos e foi impedido de andar no Matão, concorda: “a inclinação da via não é fora do comum. É fácil encontrar ruas com inclinação igual ou maior na cidade. A Rua do Matão não é perigosa para o trânsito de bicicletas, enquanto a legislação for respeitada.”

O Projeto Executivo para Sistema Cicloviário e de Empréstimo de Bicicletas, feito pela empresa TcUrbes e aprovado em agosto de 2015 pelo Conselho Universitário (CO), entretanto, indica que o Matão não poderia comportar uma ciclovia. Ao mesmo tempo, o projeto prevê a construção, na rua, de uma ciclofaixa no sentido da Praça da Prefeitura e o trânsito compartilhado de bicicletas e automóveis no sentido da Praça do Oceanográfico.

O prefeito da Cidade Universitária, professor Osvaldo Nakao, informou ao JC que entre 2014 e agosto de 2017 ocorreram nove acidentes envolvendo ciclistas na Rua do Matão. “Diante desse cenário, e em função das reclamações realizadas por pedestres, foi implementada a vigilância para que seja respeitada a sinalização e sejam evitados os acidentes”, explica Nakao. O prefeito não soube informar quantos desses acidentes envolviam ciclistas esportistas e quantos não.

Histórico de conflitos

Há mais de dez anos, a USP vem tentando tornar menos problemático o convívio entre ciclistas esportivos – principalmente organizados em pelotões de treinamento – e motoristas no campus. Ambas as partes relatam se sentirem desrespeitadas.

No dia 25 de abril de 2005, a Prefeitura do Campus proibiu a circulação de ciclistas não-vinculados à USP na Cidade Universitária, de segunda a sexta-feira. Somente alunos, professores e funcionários eram autorizados a andar no campus durante os dias da semana. Muitos ciclistas-atletas se queixaram da proibição na época, argumentando que a USP era um dos únicos lugares em que poderiam treinar em São Paulo, por ser extensa, plana, em sua maior parte, e espaçosa.Na época, o Jornal da USP escreveu que, segundo a Prefeitura do Campus, havia, em média, três reclamações por semana sobre ciclistas de docentes, funcionários e alunos, dirigidas à Prefeitura, à Ouvidoria Geral da USP e ao Ministério Público Estadual.

Após protestos de ciclistas e negociações de Adolpho José Melfi – reitor da USP entre 2001 e 2005 –, com Lars Grael – secretário estadual da pasta de Juventude, Esporte e Lazer, do governo de Geraldo Alckimin (PSDB) –, não se chegou a nenhum acordo. Sem a USP, muitos atletas passaram a treinar em rodovias estaduais, como a dos Bandeirantes, a Anhanguera, a dos Imigrantes e a Anchieta. Em menos de um mês do veto, a morte de Amandio Pereira Fernandes Bacalhau e Luís Fernando Costa Rosa – professor da universidade –, que treinavam na USP motivou outro protesto, organizado pela Federação Paulista de Ciclismo.

No dia 30 de agosto, a juíza Cynthia Thomé, da 8ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, concedeu autorização à Federação Paulista de Triathlon para treinar na USP, pois sem essa opção muitos atletas federados não tinham onde praticar adequadamente. Eventualmente, a autorização se estendeu a todos os outros ciclistas-atletas, que voltaram a frequentar o campus para treinos.

Em fevereiro de 2007, a Prefeitura do Campus instaurou uma regulamentação para a prática de ciclismo na Cidade Universitária. O documento restringe o treino de ciclistas-atletas a terças e quintas-feiras, das 5h às 6h30, e aos sábados, das 7h às 14h. A regra perdura até hoje, mas a reportagem do JC observou o treino de ciclistas fora dos horários estipulados. Esse regimento é um dos argumentos utilizados pelo prefeito do campus para fiscalizar a utilização de bicicletas na Rua do Matão – único local onde a prática não é permitida em nenhum dia ou horário.

O Projeto Executivo para Sistema Cicloviário e de Empréstimo de Bicicletas na Cidade Universitária prevê, entre ciclovias, ciclofaixas e caminhos compartilhados, a construção de 35 km de vias para ciclistas. Além disso, 36 estações de empréstimo de bicicletas seriam construídas pelo campus. Do projeto, somente 10% das ciclofaixas, 2,6 km, concentradas na região do Portão 1, foram construídas.