Eu, Nós e Eles

Por Pedro Graminha 

arte: Fredy Alexandrakis

Posso te fazer uma pergunta?

Por favor, não me leve a mal. Antes de mais nada, quero esclarecer as minhas intenções: não pretendo ofender ninguém, nem nada do tipo. E não pergunto por curiosidade, mas sim porque julgo necessário. Permite? Pois bem, vou tentar ser o mais direto possível. Alguma vez você parou para pensar o quanto suas atitudes são babacas?

Não, não estou te xingando. Só peço para refletir e ver o quanto seu comportamento recente se encaixa no perfil de uma pessoa babaca – o conceito é relativo.

Mas se a sua resposta for um “não” sonoro, seja o caso de você fazer a pergunta a si mesmo mais uma vez, só por vias das dúvidas. Porque, veja bem, é fato que muitas coisas no mundo estão erradas. Não precisa ir procurar muito longe. Basta ligar a televisão ou ver o seu feed do Facebook. Está tudo lá: passeata de neonazistas nos Estados Unidos, floresta Amazônica posta à venda, malas e malas repletas de dinheiro no apartamento de um ex-ministro. E esses são os casos mais óbvios. Nem falei do que acaba não sendo pauta na grande mídia, como os conflitos que perduram no Oriente Médio ou a violência galopante nas periferias do Brasil. Diante disso, é muito fácil dizer “eles estão errados”, ou, “as pessoas ficaram loucas”. Ok, concordo, mas quem são “eles”? Será que nós também não estamos doidos, não contribuímos com a nossa cota (por menor que seja) de intolerância e de culpa? Por isso, julgo válida a reflexão.

Vejamos o caso brasileiro: nos últimos anos o cenário político do país tornou-se um verdadeiro inferno. Nossa democracia mostrou suas fraquezas e certas espécimes que habitam os bastidores do poder revelaram suas verdadeiras faces, deixando claros quais são seus reais interesses. Antes de tudo, antes que as coisas se mostrassem como são – uma sujeira difícil de se dimensionar – dividiu-se o país. O sujeito é oculto. Não se trata de uma figura mística, onipotente, um diabo amante do caos, mas para “alguns alguéns”, esse  pandemônio foi sim interessante. A situação econômica era complicada e o caos só deu as bases para que começássemos a atacar uns aos outros, procurando culpados confessos entre as massas. Nos dividimos por cores e quitutes: vermelho vs amarelo, coxinha vs mortadela. [SPOILER ALERT]. Não importa o lado que você escolheu: nós perdemos. Nós, como país, perdemos; nós, como brasileiros. E isso não é segredo a ninguém. Mas veja só, um ano se passou desde que tudo, de fato, começou a piorar (e o impeachment de Dilma Rousseff – independente de sua opinião sobre ela –  foi o marco desse processo) e continuamos ressentidos, querendo sangue, expurgar os inimigos da pátria para bem longe de nossas fronteiras. Sim, porque nós estamos certos, nós escolhemos a justiça e a verdade. A História nos recompensará. Mas não se trata de estar do lado certo ou não, a situação é bem mais complexa que isso, se trata de estar na merda, juntos. E precisamos sair desse buraco.

Talvez, um primeiro passo seja aprender a ouvir. São poucas as pessoas que realmente sabem fazer isso. Ouvir não é esperar pacientemente pela sua vez de falar, ou buscar na fala do outro uma deixa perfeita para dar uma resposta adequada. E isso vai um pouco além. Não saber ouvir implica em não saber dialogar, e não saber dialogar transforma as pessoas em coisas, rótulos pré-determinados. Deixamos de ver um “ser”, com seus direitos e deveres, para ver comunistas, reaças, negros, gays, bem e mal. A falência de uma nação começa assim: nada é mais idiota do que simplificar alguém, ignorar as complexidades inerentes em cada um. As pessoas são mais, muito mais do que os traços que se apresentam aos olhos e os decibéis captados pelo ouvido.

Nos dias de hoje, a retórica de muitos políticos, como uns Trumps, Le Pens e Bolsonaros, é coisificar as pessoas, separá-las em rebanhos distintos, definindo quais serão mandados ao sacrifício em benefício dos demais. Nenhuma caça às bruxas resolve problemas, mas como dá votos! Isso é uma política velha, tão antiga quantos os aquedutos de Roma. Velha e caduca.

Não, nós como seres humanos ainda não estamos encaminhados para uma “Segunda Era dos Extremos”, mas nossas atitudes são preocupantes e a lucidez tende a cobrar o preço de seu abandono. O mundo está ficando louco porque as pessoas estão assim. Não pensamos direito sobre aquilo que fazemos e acreditamos. Para recobrar a consciência, precisamos ver se nossas atitudes, por mais bem-intencionadas que sejam, não excluem ninguém, de alguma maneira. Se nossos discursos e amadas ideologias – que nos tiram da cama todos os dias – não fazem, por mais que não chegue ao ponto do ódio, guardar ressentimentos.

Mas atenção, não se trata em abster-se no combate aos extremismos. O racismo, a homofobia e o machismo – qualquer tipo de intolerância – não podem ser aceitos, mesmo com base nos discursos que defendem a liberdade de expressão. Ser livre para exprimir opiniões é uma coisa, ferir a dignidade de um ser humano, outra. Mesmo assim, é importante não perder de vista a necessidade de examinarmos nossa própria conduta. Por mais que a maioria das pessoas não saia às ruas munidas de tochas e gritando palavras de ódio contra minorias, precisamos nos submeter ao julgamento.

Quanto a isso o escritor Albert Camus, em seu livro A Queda – onde apresenta um personagem realizando um profundo exame de consciência, esmiuçando seu egoísmo e hipocrisia, diz: “Somos todos casos excepcionais. Todos queremos recorrer a qualquer coisa! Cada qual exige ser considerado inocente, a todo custo, mesmo que para isso seja necessário acusar o gênero humano e o céu (…) O essencial é que sejam inocentes, que suas virtudes, pela graça do nascimento, não possam ser postas em dúvida, e que seus erros, nascidos de uma infelicidade passageira, nunca sejam mais que provisórios. Já lhes disse: trata-se de fugir ao julgamento (…)”.

Sim, nos consideramos superiores e é essa mesma noção que nos permite ver com tanta clareza a loucura do gênero humano, e nos torna tão cegos quanto aos nossos erros. Admiti-los é inconcebível, mas é preciso começar a ver além de nós mesmos e, mais do que nunca, dialogar, saber separar os sons dos ruídos. Não nos poupemos das autocríticas, da paciência, de ouvir e conversar com o outro, saber explicar as coisas. Não existe o certo e o errado, assim como não existe apenas uma única versão de um fato. Falar é fácil, bem sei, mas a tarefa é nobre e válida.

E já está mais do que na hora de deixar o orgulho de lado.