Na USP, tudo acaba em pizza e memes

(Foto: Mariana Rudzinski; Montagem: Fredy Alexandrakis)

Páginas no Facebook representam de maneira bem-humorada o cotidiano universitário

Por Mariana RudzinskiTaís Ilhéu

Filas enormes no bandejão, o empurra-empurra para descer do circular, a demora no lançamento das notas no Jupiterweb. Qual uspiano nunca enfrentou esses problemas? E mais, quem não se sente aliviado ao saber que outras pessoas também estão passando pelas mesmas coisas? É a isso que se propõem as páginas de memes da USP no Facebook, que começaram a se popularizar especialmente a partir do ano passado: retratar, por meio do humor, as alegrias e dificuldades vividas na Universidade.

Solo fértil

O conceito de “meme”, de acordo com Sergio Kobayashi, mestrando em Teorias do Discurso na FFLCH, ainda não tem uma definição concreta. O termo, ele aponta, foi cunhado em 1970, baseado na ideia dos genes e sua capacidade de replicação. “Os memes são replicadores que sofrem variação na internet”, explica. “Existe um texto qualquer que viraliza (isto é, espalha-se rapidamente pelo meio digital) e, a partir dele outros são formados, com uma base variável”. Segundo o pesquisador, o humor — particularidade do meme no Brasil — e a identificação que causa são motivos para a sua popularização. “Quando você consegue reconhecer um outro discurso, que é colocado com um viés humorístico, ele tende a fazer mais sentido e você sente que precisa colocar para o mundo”, observa.

Essa necessidade de externalizar as experiências na vida universitária de maneira bem-humorada foi o que motivou o surgimento da página USP e o Pagode dos anos 90, por exemplo. O administrador, que preferiu não se identificar, conta que seu intuito foi criar um lugar de desabafo, em que as pessoas se reconhecessem nas situações representadas. O objetivo, segundo ele, foi alcançado: em comentários nas postagens, muitas pessoas dizem estar vivendo o mesmo, ou ainda mencionam amigos — o tipo de interação mais comum nessas publicações.

A ideia de unir o pagode aos “perrengues” da universidade surgiu enquanto o aluno ouvia uma música que dizia “não vai dar tempo” e se lembrou de um trabalho que precisava entregar. Ele comenta que começou a perceber que muitas das músicas que ouvia combinavam com as situações pelas quais passava. “Música de pagode é assim: ou é ‘bom demais’, ou ‘dói demais’, então é muito universidade”. Os posts de maior sucesso, de acordo com ele, são os memes do cantor Péricles. “Você está de boa na semana da pátria e pensa na matéria atrasada, e está lá o Péricles com carinha de gol contra”.

“Acredito que aqui na Universidade nós temos o costume de rir da própria desgraça”, destaca o idealizador de Problemas da USP retratados por tuítes do Neymar, uma das páginas mais populares sobre a Universidade. Com mais de 21 mil curtidas, ela relaciona tuítes antigos do jogador de futebol, já famosos na internet, e episódios comuns da USP. “Eu conhecia algumas páginas que faziam esse tipo de coisa, pegavam um tuíte e usavam com alguma imagem para dar um efeito engraçado. Então eu pensei: ‘Por que não o Neymar na USP?’”. Diante do sucesso da página, ele credita boa parte ao jogador. “Os tuítes dele são um patrimônio cultural do nosso país”.  O aluno é também  responsável por outras páginas, como a do Circular da USP, na qual escreve do ponto de vista do ônibus que transita pela Cidade Universitária. Ele revela achar curioso que muitas pessoas mandem mensagens para tirar dúvidas, com relação aos horários dos ônibus, por exemplo, confundindo-a com um canal institucional. A página é uma das mais antigas e surgiu, segundo ele, na mesma época que uma das primeiras da Universidade, a Aranha da USP.

De acordo com Felippe Regazio, criador da página, a ideia nasceu quando notou a grande quantidade de aranhas na USP. “Eu pensava: ‘Um dia uma aranha vai me adicionar no Facebook’ e criei um perfil de bobeira”. Quando o perfil foi derrubado por infringir a norma de que todas as contas nessa rede social devem ser pessoais, decidiu criar a página. A brincadeira de analisar a Universidade pelo ponto de vista da personagem deu certo: no primeiro dia, já tinha mais de duas mil curtidas. Ele deixou a USP em 2017 e passou a administração para outras pessoas que, seguindo a tradição estabelecida por ele, não se identificam. “Eu ouvia falar sobre a página perto de mim, mas não contava para ninguém que eu era o administrador, nem para amigos”, recorda. “Eu me sentia o Batman”.

O humor aproxima

Assim como Kobayashi, Felippe destaca o papel do viés humorístico do meme, além de seu potencial de fomento de debates. “Quando você consegue falar com humor, geralmente há uma abrangência quase universal do assunto. É uma das poucas formas de crítica que eu acho que dá essa possibilidade”, pontua. “Atinge quem você quer, quem você não quer, quem você gosta e quem você odeia”.

A premissa de chegar até grupos distintos por meio do humor e das semelhanças nas situações enfrentadas dentro da Universidade é um consenso entre as páginas. Felippe acredita que os memes sobre a USP são uma forma de aglutinar os estudantes em torno dos problemas da vida universitária. É também o que defende o administrador da USP e o Pagode dos anos 90: “Eu tento focar nas dificuldades acadêmicas. Quero usar o que nós temos em comum e unir a todos”. Para Kobayashi, esta é, fundamentalmente, uma habilidade da linguagem como um todo. “O meme é um fruto de como a linguagem tem ficado cada vez mais complexa, principalmente com as redes sociais. Hoje, um meme pode dizer muita coisa”.