Onde está o professor?

(Foto: Pedro Graminha; Montagem: Fredy Alexandrakis)

Desfalque no corpo docente dos cursos da EACH prejudica alunos

Por Ana Harada e Rafael Castino

A crise financeira da USP teve início em 2014, e afeta boa parte, senão todos os departamentos. Mesmo depois de demissões massivas, a Reitoria ainda a utiliza como justificativa para precariedade. Desde então, cursos como  Marketing e Obstetrícia, ambos da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP vivem uma situação alarmante: em Marketing, este semestre letivo contabiliza déficit de sete docentes e, em Obstetrícia, necessita-se de, no mínimo seis novas contratações, sendo que o ideal seriam 21, de acordo com as respectivas representações discentes.

Na Obstetrícia, o ano letivo de 2017 começou com 13 docentes temporários, aqueles que têm permissão para trabalhar na Universidade por até dois anos. Após uma demissão e dois contratos não renovados, o número caiu para dez. Para o curso de Marketing, no primeiro semestre havia um déficit de três professores devido à não abertura de concurso e à não renovação de contrato dos temporários. Tal número aumentou para 7 no semestre atual. Em boa parte dos casos, alunos acabam atrasando ou  disciplinas ou, no caso do estágio supervisionado obrigatório, realizam as atividades em turmas maiores que as apropriadas. Para compreender melhor a situação, o JC conversou com alunos dos respectivos cursos.

Em nota ao Jornal do Campus, a representação discente do curso de Obstetrícia comenta que a falta de docentes na EACH trata-se de um problema estrutural, que acompanha a Escola desde sua fundação, no ano de 2005. “Atualmente, a situação é gravíssima, insustentável. Não há professores suficientes para realização dos estágios curriculares em 2018”, afirmam. De acordo com Leonor Pinheiro, membro da diretoria da Associação de Alunos e Egressos do Curso de Obstetrícia da EACH, ex-aluna e professora temporária do curso, “A falta de docentes sempre traz prejuízos à formação do aluno, mas não somente isso. Os docentes atuantes acabam ficando sobrecarregados, o que prejudica a produção científica que é exigida na carreira acadêmica”.

O curso de Obstetrícia é o único do Brasil destinado para formação de obstetras — profissionais capacitadas para atender a saúde da mulher de maneira integral, com foco na gestação, parto e pós parto.  Mesmo com a graduação e a consolidação da área de pesquisa em plena consonância com as mais recentes recomendações de órgãos nacionais e internacionais — como a OMS e o Ministério da Saúde — em relação à atenção à vitalidade feminina, a qualidade no processo de ensino-aprendizagem continua fragilizada na EACH.

Em Marketing, o problema também está sustentado no planejamento inicial. No ano de 2005, o coordenador responsável solicitou um número enxuto de docentes para ministrar as disciplinas da graduação. Segundo a estudante Laís Naves D’Assunção, do 6ª semestre e representante discente, Marketing iniciou sua grade contando com 25 professores, enquanto outros cursos tinham cerca de 35 a 40 docentes. Problemas de saúde e aposentadoria afastaram professores de seus respectivos cargos ao longo dos anos.  Com 18 docentes — número que transforma Marketing no curso com a maior relação entre alunos para cada professor, como informa Laís — vagas temporárias foram abertas. No entanto, dois dos contratados desistiram antes do tempo determinado, e o último já teve o contrato vencido.

Por conta da falta de problemas na contratação de professores substitutos, matérias obrigatórias — como Gestão Simulada (7º período) e Matemática Financeira (3º período) — ficaram comprometidas, impossibilitando a formação de parte dos estudantes. Além disso, cogitou-se diminuir as vagas disponibilizadas ao curso, a proposta era o  encerramento de  uma das turmas. “O problema tende a ser recorrente, muito por conta da baixa remuneração de docentes contratados pela Universidade.”, comenta Laís. “Ultimamente, está realmente difícil. Muitos alunos precisam se formar, e é complicado ver os cursos, certas vezes, serem deixados de lado”.

Gustavo Machado, aluno do 4º semestre, passou seu último período impossibilitado de cursar a disciplina de Matemática Financeira por conta da falta de docentes.

“No início do ano, todos alunos se matricularam normalmente na disciplina de Matemática Financeira. Quando começaram as aulas, nos informaram que não teríamos professora e, desde então, ficamos com uma janela durante este horário. Sempre éramos atualizados pelo coordenador sobre a situação e a dificuldade da contratação de um docente. Em meados de abril, ele explicou que, mesmo se conseguisse contratar um novo professor, este só poderia começar, no mínimo, em setembro.”

Mesmo assim, segundo o estudante, a busca por um novo educador continua firme. Os responsáveis pelo curso de Marketing estão tentando evitar com que alunos ingressos em 2016 consigam fazer essa disciplina apenas no ano que vem, junto aos calouros de 2017, fato provável que atrasaria a formação da turma mais antiga.

As manifestações

No dia 9 de outubro, segunda-feira, a representação discente eachiana convocou uma audiência pública para questionar a reitoria sobre os motivos da EACH receber tão pouco investimento do orçamento da USP. Após a primeira manifestação em 27 de junho, pela segunda vez, estudantes irão até a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) para reivindicarem seus direitos. Segundo nota dos alunos de obstetrícia, esta foi a maneira encontrada para levar a realidade do curso à conhecimento público e sensibilizar deputados e deputadas.

“A demanda pelo curso de Obstetrícia aumentou pelo que esse profissional significa para a saúde da mulher, do bebê e da comunidade, portanto, as condições apropriadas para que obstetrizes se formem se faz essencial”, afirmou Leonor.

Os centros acadêmicos dos dois cursos elaboraram uma carta explicitando suas demandas, encaminhada aos coordenadores de curso. O JC não teve retorno ao contatar as respectivas coordenações, porém os estudantes de Obstetrícia divulgaram em nota oficial que “o congelamento de contratações vai na contramão do crescimento do número de estudantes. Muitos ingressantes estão sendo atraídos e houve uma grande diminuição da evasão de graduandas”.