Os percalços do treinador universitário

Técnicos de equipes universitárias falam sobre as dificuldades da carreira dentro da USP

Por André Siqueira

foto: Dado Nogueira

1º de setembro é o dia do profissional de Educação Física, responsável por planejar e coordenar atividades físicas, esportes e recreação. Na Universidade, onde a prática esportiva é incentivada como mecanismo de inclusão, a figura do técnico é muito presente no dia-a-dia dos atletas. Porém, as diversas dificuldades enfrentadas por estes profissionais no segmento universitário não são expostas. Para ilustrar esse quadro, a reportagem do Jornal do Campus conversou com dois técnicos que, embora estejam em estágios diferentes de suas carreiras, passaram por situações semelhantes exercendo a atividade.

Lucas Yarshell, bacharel em esporte pela Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), pensa que existem algumas dificuldades em ser um técnico dentro da USP. Para ele, a estrutura disponibilizada para as equipes é escassa. O espaço destinado à prática esportiva no campus é grande, mas não comporta a quantidade de modalidades e atletas existentes. Os horários de treino, que são cada vez mais disputados por conta do fechamento antecipado do CEPE, tornam-se ainda mais reduzidos em situações particulares. ‘’Quando não tínhamos luz pela noite, foi difícil dar treinos’’, disse. ‘’Entre 16h e 19h é quase impossível encontrar quadras, porque antes das aulas do noturno, temos muitos atletas, mas pouco espaço’’, continuou. Para manter a rotina de treino das modalidades, algumas atléticas alugam quadras fora da USP. Para Yarshell, porém, essa saída não é das melhores. ‘’Nem sempre é possível fazer isso, porque muitos atletas não têm condições de pagar por essas quadras’’, completou.

Outro problema enfrentado por alguns treinadores da Universidade é a fiscalização do Conselho Regional de Educação Física, o CREF. Durante a graduação, conta Yarshell, há uma disciplina denominada estágio supervisionado. Na teoria, o estudante, por não estar habilitado para coordenar atividades físicas, deve estar acompanhado de um supervisor. Porém, por diferentes motivos, como a incompatibilidade de agenda, o estudante fica responsável pelos treinamentos, o que cria uma situação de ilegalidade.

Segundo o site do CREF, se uma pessoa sem registro profissional for flagrada exercendo as funções próprias de um profissional, será realizada uma autuação, caracterizando o exercício ilegal da atividade. Comprovada a irregularidade, o processo é remetido ao Ministério Público para que se proceda à adoção das penalidades cabíveis em legislação. O estudante pode ser afastado e sofrer sanções que o impeçam de exercer a profissão quando formado. Yarshell conta que nunca teve problemas maiores com o órgão, mas relatou algumas experiências desagradáveis. ‘’Antes de começar a dar treinos, vivi uma situação ruim. Estava no CEPE, quando o CREF autuou dois rapazes que estudam na EEFE comigo’’. Quando já treinava a equipe feminina de futsal do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, a situação foi pior. ‘’Você não sabe quem é do CREF, é uma correria. É muito chato também. Eu tive que jogar com as meninas, fingir que não estava trabalhando. Foi constrangedor’’, lamentou.

Plínio Cotta, técnico da equipe de futebol da campo da ECA, é outro técnico que enfrenta dificuldades.  Formado em 2014 pela EEFE, como bacharel em esporte, Plínio trabalha na USP desde 2012, todos esses anos como treinador da equipe auri roxa. ‘’As dificuldades em trabalhar na USP são inúmeras, mas as questões de material e praça esportiva são as que acho pior normalmente’’, diz. ‘’Muitas equipes têm que se virar para conseguir material simples de treino, como bola e colete’’, continua. A infraestrutura no CEPE também é algo que preocupa. No período noturno, a quantidade de treinos é maior, dada a disponibilidade de boa parte dos atletas. Porém, nem todas as quadras ou campos do Centro têm iluminação.

A remuneração é outra dificuldade relevante. Segundo dados do Site Nacional do Emprego (SINE), um estagiário de Educação Física recebe, em média, R$ 798,98, em regime que pode variar de quatro a seis horas. Para profissionais formados, os valores são variáveis. Com até dois anos de experiência, o salário é de R$ 1.361,00; de dois a oito anos no mercado, a quantia varia entre R$ 1.701,98 e R$ 2.659,35. Segundo o CREF, o piso salarial de um educador físico é de R$ 2.432,72, em regime de trabalho de 220 horas mensais. O técnico diz que essa questão não é tão relevante, uma vez que dificilmente o regime de trabalho é exclusivo a uma única empresa. ‘’A diversidade é imensa, essa área é muito abrangente e as empresas não contratam para um cargo exclusivo de 220h mensais’’, analisou. Plínio trabalha em quatro lugares, em dois deles com carteira assinada. ‘’Tenho carteira assinada em um colégio, no qual leciono para o ensino médio e dou aulas extracurriculares e em uma escolhinha de futebol. Além disso, trabalho em outra Atlética, fora da USP’’. Embora hoje receba um salário que lhe permite viver da profissão, Plínio conta que recebia apenas cinquenta reais como auxiliar técnico. Yarshell conta que recebe um valor acima da média nacional paga a um estagiário, mas, para isso, precisa trabalhar com cinco equipes, sendo três delas dentro da USP, além de estar submetido a uma situação de risco iminente.

O Projeto de Lei do Senado 127/2017, que propõe o aumento do piso salarial para R$ 3.740,00 mensais, mantendo a jornada de 220h por mês, pode ser visto como um alento. Plínio, porém, não acredita que essa medida vá mudar o cenário universitário. ‘’Isso é bom para o profissional que trabalha em escolas, porque um bacharel dificilmente será contratado para trabalhar exclusivamente para uma empresa’’, aponta. Isso fica evidente, principalmente, no cenário universitário. As Atléticas, na maioria dos casos, procuram estudantes, que estão obtendo experiência, porque os custos de um profissional formado são insustentáveis para a realidade financeira das entidades estudantis. Não possuir vínculo com a instituição também é um fator que diminui os custos. Por isso, é comum que os atletas contribuam com um valor simbólico, a caixinha, para auxiliar seus treinadores.

Yarshell propõe a criação de uma certificação provisória, destinada aos graduandos. ‘’Essa medida nos habilitaria para os treinamentos, nos dando condições de aplicar o que aprendemos na graduação’’, comenta. Isso seria fundamental para que os treinadores pudessem acompanhar seus atletas em competições como a NDU, Novo Desporto Universitário. ‘’Na NDU, quem não tem CREF não fica no banco. Às vezes, os atletas ficam sem ninguém. Você não pode ficar perto dos seus atletas, mas faz o curso de educação física, se prepara para isso’’, continua.

Em meio às dificuldades, contudo, os dois treinadores dizem que não pensam em trocar de área. Há mais tempo no mercado, o treinador da ECA destaca as oportunidades no setor escolar. ‘’Gosto muito da área da educação, principalmente da educação física escolar. Meu desejo é me aprimorar mais e trabalhar no ensino fundamental, que nos proporciona grandes experiências, como participar do desenvolvimento das crianças’’, disse Plínio. Para Yarshell, trabalhar nesta área é uma forma de desenvolver profissionalmente, além de representar uma oportunidade de aplicar os conceitos que aprende na graduação.