Universidade não valoriza saúde mental dos alunos

Fragilidade dos atendimentos psicológicos oferecidos pela USP é evidenciada após casos recentes

Por Beatriz Arruda e Victória Martins 

No primeiro semestre de 2017, a descoberta de ao menos seis tentativas de suicídio por alunos da Faculdade de Medicina (FMUSP) chocou a comunidade USP. Investigações em curso de um outro caso, ocorrido no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) em agosto, apontam para suicídio de um aluno de doutorado. Esses casos, embora não possam ser considerados como resultado de um único fator, mas sim de uma série de questões, chamam atenção para o estado da saúde mental de estudantes na Universidade.

Juliana Maltoni Nogueira, mestranda em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), cita taxas de até 20% dos universitários com sintomas depressivos e ansiosos clinicamente significativos, segundo estudo publicado no International Journal of Behavioral Medicine. Outra pesquisa revela, ainda, cerca de 8% de ideação suicida nesse meio. Contudo, “o processo de adoecimento pode começar antes mesmo do estudante estar no ambiente universitário”, afirma a psicóloga. De acordo com ela, a entrada na universidade já é um momento marcado por intensas mudanças, como a pressão da escolha do curso e das provas do vestibular, a saída de casa, a entrada no mercado de trabalho e começo de novos desafios e relacionamentos.

A pesquisadora também acrescenta que algumas pesquisas apresentam taxas elevadas e até maiores dos que as encontradas na população geral. Isso demonstra que o estudante universitário pode ser um grupo de risco para o aparecimento destes transtornos, apesar dos sintomas serem explicados por outras causas, como família, relacionamentos e trabalho. “As relações estabelecidas com colegas e professores, o suporte institucional recebido e o próprio projeto pedagógico de cada curso podem facilitar ou dificultar o surgimento de ansiedade, depressão e estresse”, revela.

Contudo, nem sempre o cenário ideal de ensino e apoio aos estudantes se realiza, o que pode dificultar a experiência dos alunos durante seus anos na universidade. De acordo com a psicóloga Sônia Volpi Guimarães Brólio, do Centro de Saúde Escola da Faculdade de Saúde Pública (FSP), por exemplo, “o ambiente universitário reflete a sociedade como um todo” e, assim, surgem as questões da “competitividade, da pressão por performance e desempenho e dos níveis de exigência dos próprios estudantes consigo mesmos”. Para diversos alunos, estes são fatores determinantes em seus processos de adoecimento mental.

“O ambiente é muito pesado pela quantia exagerada de créditos e pela cobrança,” afirma Júlia Figueiredo, que abandonou o curso de Farmácia e Bioquímica devido às dificuldades de lidar com essas questões. “No fim, todo mundo está odiando a faculdade. Acho que esse não devia ser o intuito da graduação em momento nenhum”.

Por sua vez, uma aluna da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), que não quis se identificar, afirma que o alto nível de exigência do curso foi um fator determinante para que entrasse em depressão. Diagnosticada com Transtorno de Personalidade Borderline e um consequente Déficit de Atenção antes de entrar na faculdade, ela revela que o ambiente universitário agravou a sua situação e, mesmo se dedicando – chegando até mesmo a estudar nas férias “para dar conta do semestre”–, ela começou a acumular muitas reprovações. “Eu achava que aquilo não era para mim, que eu nunca ia conseguir me formar,” completa.

Para além da pressão, há, também, a falta de estímulo e sensibilidade por parte dos professores, o que favorece o surgimento de sentimentos de frustração.  A aluna conta que a persistência de um sensação de incapacidade, que a levou posteriormente a abandonar a faculdade e tentar o suicídio, a fez conversar com o coordenador do seu curso. “Eu falei com ele para ver se os professores ao menos paravam um pouco de pressionar tanto a gente, que cobrassem as matérias, mas parassem de ter uma postura agressiva”, conta. “Ele não se importou…”.

Em outros cursos, a situação não é muito diferente, como relata Carla Vieira, aluna de Sistemas de Informação: “Alguns professores pouco se importam com você. Como se não tivéssemos que trabalhar e, depois, estudar durante a madrugada e ir para a aula novamente no dia seguinte.” Para uma outra aluna que optou pelo anonimato, da Escola Politécnica, “as cobranças são altíssimas, as correções muitas vezes injustas e parte dos professores parece ter prazer em reprovar alunos”. Ela acrescenta: “Minha graduação foi pontuada por crises de ansiedade, muito choro e noites mal dormidas, especialmente em fim de semestre”.

arte: Dado Nogueira

Apoio psicológico

Conforme explica Juliana Maltoni, o adoecimento mental é influenciado tanto por fatores individuais, quanto por biológicos e ambientais. Desta forma, a Universidade teria um papel determinante no oferecimento de um espaço saudável aos alunos, já que “relações opressivas, assédio, cargas de trabalho, leituras inapropriadas e falta de suporte institucional podem significar risco à saúde mental do indivíduo deste meio”.

Além de providenciar práticas efetivas de lazer e bem-estar, espaços de socialização, campanhas expressivas de conscientização e adequação das grades curriculares e projetos pedagógicos, o passo principal seria o investimento em serviços de atendimento psicológico, com aumento e aprimoração da equipe e dos locais de atuação, de modo a institucionalizar um apoio às dificuldades dos alunos. Tais práticas, entretanto, são escassas na USP e recebem pouco suporte.

O Instituto de Psicologia (IP) é um dos locais que da Universidade que oferece programas de atendimento psicológico, como o Serviço de Aconselhamento Psicológico (SAP), o Laboratório de Estudos de Personalidade (LEP) e o Laboratório de Estudos em Fenomenologia Existencial e Prática em Psicologia (LEFE).

Contudo, segundo as psicólogas Ana Paula Sammogini e Maria Cristina Rocha, do SAP, a crise financeira pela qual a USP passa atualmente tem sido influente na precariedade destes serviços. No SAP, por exemplo, a equipe, que idealmente teria sete profissionais, está reduzida às duas psicólogas que conversaram com o Jornal do Campus. Isso criou a necessidade de aumentar os grupos e reduzir o número de atendimento por alunos.  “É um momento de muita dificuldade na USP e no IP, de bastante precariedade. A gente não sabe o que vai acontecer com o nosso serviço”, pontua Ana Paula.

Sônia Brólio também ressalta que, apesar da Universidade oferecer atendimento psicológico, a maioria deles não são voltados para os alunos. O Centro de Saúde Escola da FSP, por exemplo, realiza atendimento aos moradores da região e não aos estudantes.

O cenário é diferente na Faculdade de Medicina, que possui, desde 1986, o Grupo de Assistência Psicológica ao Aluno (GRAPAL). Segundo o Dr. Eduardo Humes, coordenador do programa, ao contrário do SAP, o serviço é independente da USP e os profissionais são contratados através das fundações ligadas à FMUSP; por isso, não é afetado pela atual crise.

O ICB, por sua vez, afirma que está se articulando para implementar ações concretas para melhorar a questão da saúde mental na faculdade. Segundo o diretor Luís Carlos Ferreira, por enquanto, um grupo de voluntários está pensando em medidas que auxiliem no apoio psicológico e melhorem as condições de convívio.

Apesar da Universidade ainda não conseguir suprir a demanda existente, redes de psicólogos e serviços como o Centro de Valorização da Vida (CVV) estão disponíveis para oferecer apoio a quaisquer pessoas em situação de fragilidade emocional e instabilidade mental. O CVV é, também, um dos responsáveis pela criação da campanha Setembro Amarelo, que desde 2014 estimula a divulgação da prevenção do suicídio por todo o país.