Recusado no Brasil, longa é reconhecido lá fora

Intimidade Pública ganha prêmios internacionais depois de não entrar em festivais brasileiros

(Foto: Iolanda Paz)

Por Iolanda Paz

Sem ter sido aceito nos circuitos nacionais, o filme Intimidade Pública (2016) participou, até o momento, de mais de 20 festivais ao redor do mundo e conquistou 11 premiações. No Brasil, havia entrado apenas para a mostra paralela de São Paulo do Festival de Tiradentes e, como exibição única, teve sua estreia nacional em 26 de março do ano passado, no CineSesc. “Se fosse depender dos festivais nacionais, o filme não teria ido a lugar nenhum”, diz Luciana Canton, professora do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da Escola de Comunicações e Artes (ECA–USP).

Luciana, que assina a fotografia e direção do longa, contou ao Jornal do Campus que está batalhando agora  após os reconhecimentos no exterior  para que o filme seja exibido mais amplamente no Brasil. Ela acredita que talvez um conservadorismo tenha influenciado na não participação de Intimidade Pública nos festivais brasileiros.

O longa tem como temática principal o amor e a sexualidade, e foi dividido em quatro histórias de acordo com as estações do ano. A primavera é sobre um jovem que tem receios de viver sua homossexualidade, mas que descobre o amor. O verão é sobre uma prostituta que mantém sua profissão mesmo depois de entrar em um relacionamento estável. O outono, sobre uma professora transsexual e sua relação com um estudante e uma aluna. E por último, o inverno mais sombrio, como define Luciana , que lida com a loucura de um ponto de vista subjetivo e deixa a interpretação do final ao público.

“Eu espero que cada espectador entenda o filme de um jeito, mas, para mim, ele trata da coragem de você ser você mesmo, independentemente do que o meio vai te determinar”, diz Luciana. Em contraste com outros longas, as quatro histórias nunca foram escritas ou tiveram roteiro: são fruto de um processo colaborativo com os 12 atores escolhidos. Ao longo de quatro meses, Luciana propôs improvisações e exercícios em seu estúdio, testando a química entre eles. “Ainda não sabia como eu iria misturá-los e quem eles seriam”, conta.

Organicamente as histórias foram surgindo. “Eu gosto muito da ideia do ator criador, que contribui de modo ativo para o roteiro e não apenas recebe um personagem”, diz Luciana. A diretora trabalhou com pessoas que já conhecia e que até já foram seus alunos, como Yuri Bathista, Júlio Silvério e Talita Contipelli. Seu propósito foi não ter atores famosos, por acreditar que o cinema brasileiro está escravo de uma pasteurização: a simples transposição da TV para o cinema.

Todo o processo de produção de Intimidade Pública foi envolto por diversas dificuldades relacionadas à falta de recursos. “Eu tentei editais por quatro anos e não consegui nenhum que comprasse a ideia de que o filme fosse ser sem roteiro”, diz Luciana. “O modo de produção no Brasil nunca nem é questionado: é roteiro e pronto”, pontua. Em 2012, resolveu fazer o longa mesmo sem financiamento. Foi nessa época que as câmeras portáteis estavam surgindo, e Luciana gravou tudo com uma Canon t2i, a mais barata disponível.

“Nunca ninguém recebeu nada do filme: era um projeto que eu não estava pagando”, comenta Luciana sobre o engajamento dos atores, que mesmo assim não desistiram. Com orçamento de menos de 5 mil reais, o processo todo demorou cinco anos, muito por depender da ajuda de outras pessoas. Em 2015, por exemplo, a diretora pediu apoio ao CTR para a edição de som. Ele foi concedido, e Luciana trabalhou com dois alunos, João Vitor Muçouçah e Lucas Piloto. A cópia final do longa ficou pronta em 2016.

Segundo Luciana, um possível tom documental do filme tem relação com a forma como foi gravado: a diretora seguindo os atores com a câmera na mão e diversas improvisações. Quando a equipe foi para Santos, por exemplo, chegaram às seis  da manhã com o elenco, mas sem locação definida. “Podemos filmar aqui?”, lembra Luciana. “Na guerrilha mesmo, as portas foram se abrindo.”

Intimidade Pública foi o primeiro longa de Luciana Canton, que optou esperar estar pronta para desenvolver o tema. “Eu arrisquei e dava um medo de as pessoas não entenderem, mas é muito prazeroso ver elas gostarem, se envolverem, chorarem…”, diz. “O filme comunicou: tem um diálogo próprio com o público.”

(Arte: Mariana Rudzinski)