Valor inviável para impressão dos jornais-laboratório ganha licitação na ECA

Devido à falta de comunicação durante processo, serviço da gráfica vencedora equivale a quase toda a verba do Departamento de Jornalismo e Editoração; repercussão faz Diretoria solicitar auditoria do pregão

Foto: Giovanna Querido

Texto: Fredy Alexandrakis e Laila Mouallem

Reportagem: Fredy Alexandrakis, Giovanna Querido, Iolanda Paz, Isabel Marchenta e Laila Mouallem

O curso de jornalismo da USP se encontra em uma encruzilhada. Com o final do contrato com a gráfica antes responsável pela impressão dos jornais-laboratório do curso (incluindo o Jornal do Campus) e a abertura de licitação, uma nova empresa – com preço equivalente a 88% da verba do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) – saiu vencedora, tendo sido a única concorrente. O valor é quase o dobro do que era pago anteriormente, impossibilitando o departamento de arcar com o custo. Frente a esse cenário, três disciplinas obrigatórias têm seu futuro incerto, e alunos e professores correm o risco de não terminar o semestre conforme previsto.

A licitação, feita em modalidade pregão de menor preço pelo Setor de Compras da Escola de Comunicações e Artes (ECA), é irrevogável, salvo em casos de irregularidade comprovada. Assim sendo, se o CJE optar por cancelá-la, a abertura de novo pregão para o mesmo serviço estaria impedida por um ano, podendo a empresa vencedora processar a Escola caso isso fosse desrespeitado.

O aumento no preço veio como surpresa à Chefia do Departamento, que esperava uma redução desse valor, resultante da diminuição de tiragem proposta para o Jornal do Campus e seu suplemento mensal, o Claro!, de 8 mil para 7 mil exemplares por edição. Questionamentos levantados no CJE sobre a condução do processo licitatório resultaram na abertura de uma auditoria interna à USP para avaliar sua regularidade. A auditoria tem término previsto para até o dia 27 de outubro. Até lá, está suspenso o pregão e, consequentemente, a impressão dos jornais.

Falta de comunicação

Segundo o chefe de departamento, Dennis de Oliveira, a requisição ao Setor de Compras referente à impressão dos jornais foi feita com antecedência, no dia 1° de junho, enquanto anteriormente era realizada mais próxima ao fim do contrato vigente, em outubro. A antecedência visava a contemplar a demanda de redução de custos, mantendo a qualidade do serviço. “Nós pedimos ao fim de maio para ter um tempo razoável, fazer uma pesquisa de preço boa”, relata. No entanto, isso somente adiantou o processo licitatório em vez de prolongá-lo, com a abertura do pregão ocorrendo em 6 de julho. “O Setor de Compras dá início ao processo a partir do momento em que é solicitado pelo requisitante”, explica o pregoeiro responsável e Chefe do Setor de Compras, Genivaldo Alves de Souza.

A requisição enviada pelo CJE declarava o valor de 95 mil reais como uma referência para o preço esperado com a redução da tiragem dos jornais. A base tomada para a estimativa foi a quantia de 126 mil reais, atualmente cobrada pela Gráfica Atlântica – responsável pelas impressões. O valor cobrado pela gráfica vencedora do pregão, a Meu Pequeno Autor, no entanto, é de aproximadamente 213 mil reais, sendo cerca de 240 mil reais o orçamento total do CJE. Segundo Marcio Ruiz Calancha, Chefe do Serviço de Materiais e Licitações, nenhum limite de verba departamental foi comunicado formalmente. “O valor informado na requisição de compra é o valor estimado, e não sabemos que metodologia foi usada pelo Departamento para defini-lo”, comenta.

Em vez dos 95 mil indicados, o parâmetro de preço utilizado no pregão foi a média das cotações feitas pela Seção de Compras, que contata, no mínimo, três fornecedores para fazer uma pesquisa de mercado prévia, segundo Genivaldo. Nesse caso, o responsável pelas cotações prévias teria sido José Alberto Ribeiro, subscritor do edital da licitação. Embora Marcio afirme que “todas as cotações apresentaram valores de mercado próximos”, Walquer Rodrigues, diretor financeiro da Gráfica Atlântica, considera o preço “bem fora do que se prega no mercado”, e que o valor cobrado pela Atlântica não era baixo e, sim, “justo”.

Novos orçamentos realizados por alunos com as gráficas Mar Mar e JJ também trazem números muito abaixo dos 213 mil da Meu Pequeno Autor: 113.040 e 67.200 reais, respectivamente. As cotações levam em consideração o pacote até hoje feito com as gráficas, que inclui o Jornal do Campus, o Notícias do Jardim São Remo e o Claro!. Além dessas publicações, o novo serviço traria a impressão de uma edição da Babel, revista feita pelos alunos do 8º semestre do curso. O JC não obteve resposta de José Alberto até o fechamento desta edição, nem teve acesso aos valores dos orçamentos realizados pela Seção de Compras, devido à auditoria em andamento.

A partir da média das cotações, o setor de Contabilidade da Escola faz uma reserva financeira, que é pré-requisito para o agendamento da sessão. Essa reserva ocorre uma vez que a pesquisa de mercado já passou pela autorização da Direção, conforme descreve Antônio Carlos Coutinho, Chefe da Contabilidade. De acordo com ele, os valores geralmente passam inclusive pelo requisitante: “A Seção de Compras informa que eles estão fazendo a pesquisa e a data do pregão, se é aquilo mesmo que a pessoa quer.”

A expectativa do Departamento era que esse contato fosse feito previamente, a fim de adequar o valor às suas demandas. “Nós comentamos que queríamos participar da licitação. Sempre tínhamos uma participação, porque é um serviço muito especializado, ver a qualidade da gráfica, prazo de entrega”, conta Dennis, dizendo que costumavam perguntar até mesmo se o CJE teria alguma indicação de gráfica. “Nós apenas ficamos sabendo da licitação fechada. Valor tal e acabou.”

Entretanto, para Marcio, “não é usual os departamentos consultarem a área de Compras para saber o andamento das compras ou participarem das sessões de pregão, mesmo quando avisados”. “Eu [pregoeiro] não tenho como analisar se o departamento tem verba ou não”, diz Genivaldo, afirmando que a média das cotações foi o único valor a que teve acesso. “Como esse valor [da gráfica Meu Pequeno Autor] estava dentro da média, o certame seguiu. Se não, a gente tinha anulado ou fracassado o certame.”

Em entrevista ao Jornal do Campus, o Diretor da ECA, Eduardo Monteiro, aponta falhas em ambas as partes, tanto pelo Departamento Financeiro – “pelo fato de não ter avisado ao CJE que o valor dos serviços solicitados era muito superior ao que o CJE havia estimado” –, quanto pelo CJE, “que não acompanhou, como deveria, um processo licitatório de tal relevância acadêmica e de tal grandeza orçamentária.”

O pregão

O procedimento licitatório não era realizado há cinco anos, período máximo possível de renovações anuais de contra- to com a Atlântica. Mesmo após tantos anos prestando serviços ao CJE, a gráfica afirma não ter sido avisada da abertura de novo pregão – ainda que tenha ligado três vezes para checar, por terem grande interesse em continuar o serviço. “Em meados de maio, meados de junho e em julho. Em maio, disseram que não tinha nada previsto ainda. Em julho, já havia sido a licitação”, lembra Walquer.

Contudo, segundo carta enviada pela Assistência Técnica Financeira da unidade em resposta a questionamentos do CJE, a Seção de Compras teria informado a antiga gráfica. Walquer relata terem sido sempre avisados nos anos anteriores por funcionários da Contabilidade da ECA. Esses mesmos funcionários, entretanto, hoje não trabalham mais lá. “A Universidade está quase sem um terço de funcionários. A gente tinha algumas pessoas que podiam entrar em contato. Agora tudo é publicado”, diz Genivaldo. “Não tem como a gente ficar comunicando todo o mundo. Eu estou fazendo o serviço de três, por exemplo.”

Pela Lei no 10.520, de 17 de julho de 2012, o pregão só precisa ser veiculado no Diário Oficial, mas Genivaldo informa que eles também publicam no site da Universidade e no portal de pregões do estado. Mesmo assim, o pregão em questão (número 60/2017) contou com apenas um concorrente, o que gerou estranhamento no CJE e mesmo na Seção de Compras, embora não seja ilegal nem muito incomum. Márcio Garcia Osti, diretor da Meu Pequeno Autor, conta que a empresa ficou sabendo da licitação através dos boletins diários do portal Conlicitação.

O fato de o pregão ter sido presencial também levantou questionamentos, uma vez que a modalidade eletrônica é hoje a mais usual na ECA. Walquer confirma, todavia, que todas as licitações para a impressão dos jornais das quais a Atlântica participou também foram presenciais. Isso porque, conforme explica a Seção de Compras, por uma limitação do próprio sistema, apenas pregões presenciais podem ter seus contratos prorrogados, o que é um fator interessante a esse tipo de serviço.

O próprio mecanismo do pregão como forma de aquisição de produtos e serviços já foi contestado por professores e funcionários, que reclamam de preços superiores aos de mercado. Dennis narra um episódio em que a Seção de Compras teria levantado o valor de 18 mil reais para adquirir um novo servidor ao laboratório do departamento, enquanto ele teria encontrado um por 3 mil – seis vezes menos. Genivaldo enxerga esse tipo de reclamação como “desconhecimento do docente” e aponta que há um procedimento a ser seguido: “Dentro da lei, tem um período, tem uma forma de fazer. Você entrar em um balcão, pegar um cheque e comprar é diferente. Para ele, o pregão é a ferramenta mais eficiente de compras. “É mais trabalhoso, mas é mais favorável para a Universidade – e para o Estado, também. Se não fosse favorável, o Estado já teria mudado”, defende.

 

Toninho Vespoli (PSOL) e Amarilis Brito se reúnem com alunos para discutir abertura de ação. Foto: Laila Mouallem

Professores e estudantes buscam soluções

Perante a incerteza quanto ao término do ano letivo e o andamento das disciplinas em 2018, o Departamento fez reuniões com instâncias superiores da Universidade. Segundo o Chefe do CJE, o primeiro encontro ocorreu em agosto e contou com a presença do Diretor Eduardo e Marcio, da Seção de Licitações. Na ocasião, a inviabilidade de se recusar o contrato foi apresentada ao Departamento, devido à legalidade da licitação – respaldada por parecer da Procuradoria Geral da USP.

Quanto às primeiras soluções apontadas, foi sugerida uma mudança dos jornais para o on-line – proposta declinada pelo CJE. Um aporte de recursos por parte da Pró-reitoria de Graduação foi então verificado como alternativa para garantir as impressões, mas a opção foi descartada para o momento, devido ao congelamento do repasse de verbas extra anterior às eleições para nova Reitoria, como prevê o Estatuto da USP.

O CJE também elaborou uma carta endereçada ao Diretor e encaminhada à Assistência Técnica Financeira, questionando a forma como o processo de licitação foi levado, como o pregão ter sido presencial até a localização da gráfica vencedora ser em Assis, a 6 horas de São Paulo. “Ficaram nessa argumentação mais legalista”, diz Dennis, referindo-se à réplica obtida. Ainda assim, em resposta às manifestações também promovidas pelo Centro Acadêmico Lupe Cotrim (CALC) via redes sociais, foi solicitado o processo de auditoria.

Dennis conta que, se uma irregularidade na licitação for identificada, a Direção está avaliando juridicamente a possibilidade de se fazer uma contratação emergencial – que não pressupõe pregão – da própria Atlântica. Caso contrário, três alternativas foram sugeridas pela Direção da Escola: a assinatura do contrato integral, inviável para o CJE; a assinatura do contrato com redução de até 25% do valor; e o cancelamento do contrato, interrompendo o serviço por um ano. Para Dennis, “nenhuma das três é boa”.

Entretanto, no dia do fechamento desta edição, 24 de outubro, a Chefia do Departamento se reuniu com um representante da gráfica Meu Pequeno Autor. O encontro se baseou na negociação da redução do preço em 25%. Mesmo com ele, o Departamento ainda não teria recursos suficientes para arcar com o valor, que seria cerca de 158 mil reais. De acordo com Dennis, a Direção da ECA afirmou que cobriria os 32 mil reais de diferença, caso o dono da gráfica aceite a redução.

Outras alternativas também foram cogitadas. Dentre elas, o apoio de instituições privadas. Em 2003 e 2004, por exemplo, o jornal Valor Econômico imprimia os jornais-laboratório em troca de meia página para anunciar revistas da Abril. Segundo José Coelho Sobrinho, professor da disciplina durante décadas, por um ano e meio da gestão do ex-reitor José Goldemberg, o CJE passou por problemas financeiros que impossibilitaram as impressões. Segundo ele, a Reitoria arcou com a totalidade dos custos durante o período.

Mobilização estudantil

Em assembleias que também reúnem professores e funcionários, os estudantes do CJE têm traçado planos de ação. Trabalhando em duas frentes, eles buscam reverter a licitação feita com a nova gráfica por vias jurídicas, mas também avaliam outros caminhos à impressão dos jornais, no curto prazo.

No início do mês de outubro, representantes do CALC conseguiram apoio jurídico gratuito por meio do vereador Toninho Vespoli, do PSOL. Sua advogada Amarilis Brito viu a possibilidade de abrir uma ação popular por mau uso do dinheiro público – processo que será iniciado nos próximos dias, mas sem previsão de término. Para o vereador, a via judicial é uma “caixa de surpresas”, podendo durar “de seis meses a três anos”, por exemplo.

Ao mesmo tempo, um financiamento coletivo on-line surgiu como tentativa de garantir, pelo menos, a finalização do semestre. Dois vídeos e um release foram produzidos para divulgar o caso na mídia, demonstrar a importância dos jornais à Direção e fazer pressão para que medidas fossem tomadas.