Bandejões previnem desperdício de alimentos

(Foto: Victória Martins)

Restaurantes realizam planejamentos completos e estimulam a doação de eventuais sobras

Por Victória Martins

As filas nos quatro restaurantes universitários do campus da capital – Central, Química, Física e Prefeitura – não deixam mentir: diariamente, milhares de alunos fazem suas refeições nos chamados bandejões. Devido a quantidade de estudantes que utilizam periodicamente os restaurantes, o volume de alimentos produzido é sempre bastante grande. Máurea Missio da Silva, nutricionista do bandejão Central, afirma, porém, que alguns fatores, “como o dia da semana e o cardápio dos demais restaurantes”, podem ocasionar oscilações na demanda – o que abre a possibilidade de haver sobras e, consequentemente, desperdício.

Segundo Mônica Jorge, docente do curso de Nutrição na Faculdade de Saúde Pública (FSP), “quanto mais trabalharmos em uma boa gestão para evitar o desperdício, melhor”, já que, ao pensarmos em planejamentos completos das refeições, o ideal é que não haja sobras. “Os nossos restaurantes universitários tentam fazer um bom planejamento,” afirma.

No que diz respeito aos bandejões, representantes da Divisão de Alimentação comentam que ações como o planejamento de cardápios, “considerando as preferências e hábitos dos usuários, mas sem deixar de lado os conceitos nutricionais adequados”, o acompanhamento do tamanho das porções oferecidas e o treinamento de funcionários para o porcionamento correto são colocadas em prática. Máurea conta ainda que a comida é preparada mediante a demanda, sendo que a cada meia hora a técnica em nutrição faz um levantamento da quantidade de usuários e alimento utilizado e, a partir disso, os funcionários vão “liberando a produção aos poucos, até o término do almoço.”

(Foto: Victória Martins)

Ainda assim, dentro e fora dos bandejões, há casos em que nem todo o alimento produzido é consumido e, por esse motivo, surge a alternativa da doação de matéria prima e excedente de produção à instituições e bancos de alimentos. Contudo, um entrave para essa prática é Resolução 216/2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que está atualmente em vigor e prevê a responsabilização criminal do doador caso o receptor do alimento sofra algum dano.

“O restaurante é corresponsável, com a instituição, de como esse alimento vai ser utilizado, e para isso, ele precisa acompanhar esse alimento doado” afirma Mônica. “O doador precisa ter uma estrutura adicional, com transporte e disponibilidade de pessoas que vão até a instituição receptora”.

De acordo com a docente, existe a chance de o alimento não ser bem manipulado, o que pode causar problemas para ambas as partes. Logo, alguns restaurantes optam por não doar para evitar correr o risco. “Mas felizmente, nós contamos com algumas ONGs, que montam uma estrutura e se tornam responsáveis legais por coletar, distribuir e acompanhar como esses alimentos são manipulados e armazenados,” pontua. “E, em algumas situações, faz até mais: treina o pessoal dessas instituições”.

(Foto: Victória Martins)

USP Alimenta Segundo Máurea Missio da Silva, há 28 anos na USP, os bandejões sempre tiveram o hábito de doar o excedente de produção e, para tal, foram se adequando às mudanças de legislação ao longo do tempo. Há cerca de uma década, ela afirma, a Universidade decidiu encampar essa prática, dando origem ao programa USP Alimenta.

Segundo a Divisão de Alimentação, o projeto tem o intuito de planejar, coordenar e controlar o processo de doação de excedentes, buscando por instituições sem fins lucrativos e que consigam promover o consumo imediato de alimentos não utilizados, recebidos diariamente, no almoço e no jantar. Também, é função do programa acompanhar o controle higiênico do alimento e capacitar o pessoal das instituições para receber e aproveitar o que for doado.

Ainda que existam algumas dificuldades em conciliar esse projeto com as demais atividades dos restaurantes, os representantes da Divisão comenta que, com o apoio da Universidade, um aluno de Nutrição recebe uma bolsa e se responsabiliza pelo acompanhamento exclusivo do projeto, fazendo visitas técnicas para ver se o local tem as condições básicas de equipamento e pessoal e promovendo treinamentos para a equipe das instituições.

Além disso, antes da doação, uma série de procedimentos é estabelecida para garantir a qualidade sanitária dos alimentos: os funcionários do bandejão medem a temperatura de todos os alimentos excedentes, que deve estar acima de 70ºC, regeneram-os caso a temperatura esteja mais baixa e os ensacam e lacram. No momento da doação, ainda, as instituições também recebem a caixa térmica e o termômetro, para controlar as condições do alimento no momento em que este chega.

Para Mônica, ainda que a doação seja uma coisa importante e que deve funcionar, ela é uma medida de curto prazo, porque “não adianta trabalharmos mecanismos que facilitem a doação se isso provocar um efeito indesejado de indiferença quanto às sobras”. Segundo ela, “não desejamos que as instituições dependam de doações, mas sim que o Estado possa, de alguma forma, tomar conta integralmente da questão da segurança alimentar no país”.

Por isso, ela cita outras políticas que poderiam auxiliar na redução das taxas de fome e promoção ao direito por uma alimentação adequada a todos: o incentivo a uma produção agrícola familiar, “com melhores condições de financiamento”, a expansão de restaurantes populares e a melhor distribuição, pelas cidades, de estabelecimentos como sacolões e feiras livres, que comercializam alimentos, especialmente os hortifruti, a um preço acessível. “A gente precisa garantir que a população receba alimentos seguros do ponto de vista higiênico e sanitário,” pontua. “E eu ainda acho que existem outros caminhos que não somente esse da doação”.