O lado A e o lado B de uma carreira

Alunos contam como conciliam projetos pessoais e trabalho fora da área de graduação

Por Ana Carolina Aires

Acertar no curso de graduação não é simples e nem sempre ele traça os caminhos esperados. Sonhos, ambições, mercado de trabalho e projetos pessoais próprios podem entrar em conflito com os rumos de sua formação acadêmica. Foi o caso de Ana Lígia Martins: no meio do caminho de sua graduação de Editoração, descobriu-se apaixonada por partos, considerou entrar em Obstetrícia, mas resolveu se dedicar a uma vida dupla: tocando o curso de Doula e a graduação e trabalho na área de editoração. Já Igor Truz, enquanto cursava História, foi metroviário como forma de se tornar financeiramente estável, não se encontrou na graduação e acabou indo parar em Jornalismo, anos mais tarde. Confira essas histórias a seguir.

(Foto: Ana Carolina Aires)

JC De onde surgiu seu interesse pelo parto humanizado e a vontade de lidar com a área de obstetrícia?

Ana Lígia Martins – Sempre fui fissurada por bebês e grávidas e sempre tive muita curiosidade em relação a isso. Quando assisti o documentário “O Renascimento do Parto” e conheci o movimento do parto humanizado que estava surgindo, fiquei fascinada. Comecei a pesquisar e vi que existia a faculdade de Obstetrícia, na qual você se forma como uma enfermeira capacitada para realizar partos normais. Passei a considerar a considerar esse curso, mas já estava no meio da faculdade de Editoração.

Por que você não mudou de curso?

A faculdade de obstetrícia era em tempo integral. Não sou de São Paulo, vim de Minas e desde quando comecei a faculdade, sempre trabalhei e me sustentei completamente sozinha. Entrando nesse curso, não conseguiria trabalhar. Além disso, eu gostava de editoração e não deixei de gostar: eu queria tocar as duas coisas ao mesmo tempo.

E como você conseguiu conciliar seus dois nichos de interesse que pareciam não poder coexistir?

Pesquisando nesse mundo da obstetrícia, encontrei o curso de Doula que se propõe a formar pessoas capacitadas para dar o apoio físico e emocional às futuras mamães. A profissional dessa área realiza uma escuta empática e acompanha a mulher durante toda a gestação, inclusive parto e pós parto. Os cursos eram muito caros e achei que nunca conseguiria fazer. Acabei encontrando o “Multiplicando Doulas”, em setembro do ano passado, que era no esquema “pague quanto puder”. Além disso, não comprometia meu tempo de estudo e de trabalho.

Como foi sua experiência num curso extra-curricular completamente diferente da graduação?

O mais difícil foi conciliar os horários. Às vezes eu não conseguia ir para o curso porque estava em aula da graduação ou trabalhando, então meus horários eram uma loucura. Mas tirando isso, o curso, por ser mais acessível, possibilita levar a humanização onde ela não chega e te coloca em contato com outra realidade: de mulheres negras, de periferia, com filhos, que sofreram agressões de ex-maridos, etc. Esse curso me deu uma visão de mundo completamente diferente e me formou como pessoa.  

Seu TCC de Editoração está ligado ao curso de Doula. Da onde surgiu a ideia e como está sendo a experiência?

Apesar de ter realizado o curso, ainda não atuei como Doula porque tenho medo de me comprometer com uma gestante. Como trabalho formalmente em uma editora, posso não ter tempo para acompanhá-la e ampará-la. Então pensei em utilizar meu TCC para contribuir, mesmo que de forma não monetária, com o curso que me ensinou tanto. Estou editando o material didático para esse curso, que era inexistente. Tínhamos como suporte para as aulas um material bruto em PowerPoint, desorganizado e sem identidade. No fim, ninguém voltava lá para consultar e não estava servindo para nada. Resolvi reunir esse conteúdo e fazer uma curadoria, realizando uma organização, edição, ilustração e diagramação de material didático.

Você acredita que, mesmo que de forma inusitada, exista uma relação entre o curso de Editoração e de Doula?

A busca por informações a respeito do parto humanizado tem crescido e, com isso, a busca por materiais atualizados também cresce. Livros sobre o assunto sempre vão existir e eu gostaria muito de editar um livro sobre relatos de parto, por exemplo, mesmo que isso não esteja diretamente ligado ao acompanhamento de mulheres grávidas, que também é um sonho que ainda pretendo realizar.

(Foto: Ana Carolina Aires)

JC – Por que você resolveu trabalhar nos metroviários?

Igor Truz – Entrei no metrô por meio de um concurso em 2008, no mesmo ano que entrei na USP em História. O trabalho era no esquema CLT part-time, com carga horária de 4h diárias e eu lidava com a circulação no metrô. O que mais me interessou é que a vaga pagava muito bem, melhor que qualquer estágio na área de História, possuia benefícios interessantes e a carga horária era baixa. Fiquei no esquema part-time por cerca de quatro meses e fui convidado para trabalhar no full-time, 8h por dia. Não é o sonho de ninguém trabalhar no metrô e eu não pretendia ficar tanto tempo, mas a estabilidade financeira e o plano de carreira foram decisivos para que eu passasse cinco anos trabalhando lá.

Algum fator de seu trabalho acabou impactando de forma negativa em sua formação?

A USP tem muito de tentar deixar todo mundo lá dentro o dia todo. Não fiz, por exemplo, iniciação científica que quase todos fazem na História justamente para traçar a carreira: ou como acadêmico ou como docente. Quem tem dinheiro consegue se dedicar melhor e acaba sendo mais confortável tocar só a faculdade. A longo prazo, isso cria uma diferença entre os alunos que só estudam e os que precisam trabalhar também. Mas não trabalhar limitaria um pouco minha vida pessoal. Por conta do trabalho eu viajei, comprei um carro, guardei “grana” para tocar meus projetos.

Quais eram suas metas e planos na faculdade?

Até o final do ensino médio, eu pretendia prestar vestibular para a Academia de Polícia Militar do Barro Branco, muito por ter estudado no colégio da PM e por ser um emprego público, com um salário legal. Era algo meio planejado no automático. Mas na hora de fazer a inscrição, não sei… Eu não tinha um plano: ia bem em História, gostava da disciplina e decidi que não queria ir para a PM. Tinha no meu horizonte que iria dar aula, porque é uma convenção. Mais pro final da faculdade, fiz estágios em escolas e vi que não era minha vocação.

Como tudo mudou e você foi parar no Jornalismo?

Depois de terminar História, prestei Jornalismo e as coisas foram se desenrolando. Abri mão do metrô depois de cinco anos trabalhando lá, já com um salário bom e comecei a estagiar na Agência USP de Notícias. Queria realizar algo com meus conhecimentos advindos da academia, mas talvez, se não tivesse a estabilidade financeira que tinha adquirido, não teria a mesma coragem que tive para começar em uma área nova, em estágio, ganhando muito menos. Tudo foi se encaminhando e hoje sou repórter efetivo.

Você identifica competências que você desenvolveu no trabalho como metroviário que não teria desenvolvido na faculdade?

Várias. Trabalhando e saindo um pouco da bolha da universidade, você tem a oportunidade de ver o que é o mundo real. Trabalhei na estação da Luz no metrô. Ali passava gente de todo o tipo e a gente lidava com situação de todo o tipo: desde responder a cada trinta segundos que a saída para a CPTM era no final do corredor a esquerda, até situações de acidentes graves, como suicídios na linha. No dia-a-dia, você acaba desenvolvendo jogo de cintura, habilidades para lidar com pessoas. Trabalhar é legal para ter experiências diferentes e para a formação pessoal.