FMVZ discute uso de animais em laboratório

(Foto: Dennis Zanotto)

Pesquisadores tratam sobre novas técnicas de anestésicos e o bem-estar do animal

Por Camilla Freitas e Daniel Miyazato

Recentemente, aconteceu o VII Fórum da Comissão de Ética no Uso de Animais da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ-USP), evento que reuniu especialistas para discutir a bioética do assunto e sinaliza a importância de manter as discussões sobre o tema.

O uso de animais na pesquisa e no ensino é um tema que costuma gerar polêmica entre cientistas e ativistas de proteção animal. A legitimidade moral de se infligir danos à saúde de um rato e os benefícios dos resultados para a humanidade são alguns pontos colocados em pauta.

Em 2008, passou a vigorar no Brasil a Lei 11794, conhecida como Lei Arouca, em referência a Sérgio Arouca, proeminente sanitarista, médico e defensor do acesso universal à saúde. A norma determinou a criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, o Consea. O órgão federal, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, tem como objetivo principal fiscalizar instituições de ensino e pesquisa quanto ao cumprimento de regras referentes à utilização dos animais. A Lei ainda versa sobre a obrigação de se criar uma comissão de ética multidisciplinar em qualquer local do país que faça este tipo de experimentação.

Para a professora do Departamento de Patologia da FMVZ, Claudia Mori, apesar da Lei ser recente, ela já equipara o país a legislações internacionais. Quanto ao Concea, a docente do Departamento de Cirurgia, também da FMVZ, Denise Tabacchi Fantoni, analisa que se trata de uma iniciativa importantíssima para a avaliação e educação de pesquisadores e alunos.

Um dos mestrandos orientados pela professora Claudia Mori, Dennis Zanatto, desenvolve pesquisa que visa diminuir o número de ratos nas aulas de veterinária. “Serão uma série de vídeos técnicos, explicativos. Ensinando administração de substâncias, coleta de sangue e como manipular os animais de forma adequada para evitar estresse”, descreve o pós-graduando.

A iniciativa, segundo a professora Claudia, vai ao encontro de uma tendência mundial de reduzir a quantidade de animais em laboratório. Na sigla em inglês, são os chamados 3Rs: reduzir, refinar e substituir. O maior desafio para a implementação mais efetiva desses esforços, dizem os pesquisadores, é a falta de investimentos. Para a produção dos vídeos, por exemplo, são utilizados réplicas especiais de ratos. “O manequim do vídeo não é um produto nacional, é importado. A manutenção deles é cara e alguns dos materiais precisa ser reposto”, explica Zanatto.

No entanto, tanto a professora do Departamento de Patologia quanto seu orientando concordam que esse tipo de investimento seria muito menos custoso a longo prazo do que a utilização de ratos reais. “Muitos ativistas argumentam que se utilizam animais porque é barato. Não, não é barato. É preciso toda uma estrutura, controle de temperatura, umidade, iluminação. Além disso, a alimentação é cara e são necessários funcionários treinados.”

Dennis Zanotto enfatiza também  que para alguns aspectos das pesquisas científicas o uso de animais é imprescindível. A professora Claudia Mori concorda: “a primeira etapa dos estudos é em cultivo celular. Por exemplo, pode-se verificar se há toxicidade no cultivo de células. Mas se não for tóxico, posteriormente pode se tornar, então a única metodologia é utilizando de animais.”

O mestrado de Jilma Aléman Laporte, orientado pela professora Claudia Mori, e apresentado à  Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (FMVZ), tem como tema, por exemplo, os novos protocolos de uso de anestésico em ratos de laboratório que visam melhorar a eficácia da proteção desses animais nesse meio. “A ideia é conseguir uma anestesia balanceada que consiste não somente na perda de consciência e relaxamento muscular como também proporcionar uma adequada analgesia durante o procedimento cirúrgico.” Hoje, o método anestésico mais utilizado é o injetável, sendo que ele tem a desvantagem de atingir com maior facilidade os órgãos vitais dos ratos. Segundo Laporte, na anestesia inalatória esse risco é menor, mas a desvantagem em relação a outra é que a aparelhagem para aplicá-la nesses roedores é específica e, portanto, mais cara. “As formas de aplicação de anestesia geral são a mesmas em todas as espécies. Porém, a maioria dos medicamentos e equipamentos para anestesia são desenhados para espécies de maior porte apesar de já existir empresas produzindo equipamento especializado para roedores”, explica.

Para a pesquisadora, pensar em novos protocolos de anestésicos não é só pensar no bem-estar dos animais de laboratório como também na eficiência da pesquisa. Ela afirma que, quando sente dor, ou seja, quando a anestesia não é eficaz, o animal libera hormônios do estresse como o cortisol que produz diversos efeitos como alterações cardiovasculares, digestivas ou metabólicas que podem alterar negativamente o resultado da pesquisa.

Militância pelos animais

Para Laporte, a militância de muitos grupos ativistas que se dizem a favor da causa animal foi bastante positiva por dar mais visibilidade à necessidade do bem-estar dos animais em laboratórios. “Eu mesma sou uma pessoa que, por causa de minha profissão (veterinária) e meu amor pelos animais, me vejo obrigada a pensar que antes de qualquer propósito científico o bem-estar do animal tem que ser a prioridade”, afirma. No entanto ela vê o posicionamento de alguns grupos de forma negativa, o que não contribui à causa. “Muitos destes grupos que lutam contra o uso de animais não trabalham sempre da melhor maneira, porque o vandalismo em instituições, as ameaças, as manifestações violentas e as ‘libertações’ de animais não trazem mais que danos tanto para a ciência em geral, quanto para as instituições; e pior ainda para os próprios animais.”

Há pesquisadores que estudam modelos que buscam a não utilização de animais em testes laboratoriais. Contudo, segundo Laporte, ainda existe a necessidade da utilização de ratos, por exemplo, em pesquisas, o que não impede que sua segurança seja garantida. “A ciência exige que continuemos fazendo todos os esforços para ir refinando todas as técnicas em uso para evitar que eles [os animais] sofram nos procedimentos experimentais e para que todo cientista tenha a obrigação de ter em sua consciência que trabalham com seres vivos merece respeito”, afirma a pesquisadora. Ela reitera dizendo que acredita na interação entre sociedade e cientistas para buscar o melhor esclarecimento sobre o tema e para que ambos trabalhem juntos, também, para que esse assunto ganhe cada vez mais visibilidade.