MP abre ação civil contra docente da EEFE

(Foto: João Victor Escovar)

Herbert Lancha é acusado de manter consultas particulares enquanto recebia bolsa de pesquisa

Por João Victor Escovar

O Ministério Público abriu, em novembro, uma ação civil contra o professor Antonio Herbert Lancha Jr, docente da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE), devido a denúncias de lesão ao erário e improbidade administrativa. Conforme as investigações da promotoria, o professor mantinha consultas particulares no Brasil nos anos de 2013 e 2014, apesar de, no mesmo período, receber bolsa para realizar um projeto de pesquisa na França, o que não é permitido pelo regulamento.

A bolsa, obtida através da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), consistia num projeto de pesquisa sobre metabolismo energético, no Institut National de la Recherche Agronomique, em Paris. O capital destinado à pesquisa era pago em dólares e reais e correspondia a mais de R$ 170 mil, em valores atuais.

Segundo o promotor Nelson Andrade, Lancha foi de fato à capital francesa, mas voltava frequentemente ao Brasil para atender consultas particulares no Instituto Vita, do qual era sócio até ter sido acusado de utilizar equipamentos da USP em benefício próprio.

O professor Bruno Gualano, que foi o autor dessa primeira acusação, afirmou que “Lancha pediu afastamento da Universidade sem prejuízo de vencimento”, ou seja, continuava recebendo seu salário, em virtude da pesquisa na França, mas, “de acordo com os registros da Polícia Federal sobre a movimentação de cidadãos na fronteira, ele voltava ao Brasil a cada 45 dias, aproximadamente”.

A reportagem do JC tentou contato com o professor Lancha, mas não obteve retorno. Também contatou o Instituto Vita, que afirmou “que Lancha já não atende mais lá”, além “de não ter conhecimento sobre sua sociedade”. O JC averiguou que o professor, ex-sócio do Instituto Vita, atende atualmente em sua clínica particular, a Lancha Jr, que conduz com sua esposa.

Consultados, os atendentes da Lancha Jr disseram que “o dono está fora do país, embora não saibam precisar onde”. Além disso, alegaram não possuir seu número de telefone.

Histórico

A acusação envolvendo a bolsa não foi a primeira polêmica ligada a Lancha. Há alguns meses, ele foi afastado da EEFE pela justiça, após pedido do MP, por ter utilizado um equipamento público em sua clínica particular, o bod pod. O aparelho, avaliado em R$180 mil, serve para medições de massa e gordura corporal, e foi doado pela Fapesp à USP em 2007.

O início da suspeita aconteceu com a veiculação das imagens do ex-jogador de futebol Ronaldo, durante sua participação no quadro Medida Certa, do programa Fantástico, da TV Globo. No primeiro episódio, Lancha orientou a medição da gordura corporal do atleta no Instituto Vita, utilizando, para tal, o bod pod da USP.

Segundo as investigações, Lancha cobrava de R$ 200 a R$ 250 para realizar exames no aparelho. Questionado à época, ele alegou que havia uma parceria entre a Fapesp e Instituto Vita para que as pesquisas fossem lá conduzidas, embora tenha omitido que o acordo só valia para mulheres entre 20 a 35 anos com excesso de peso, categoria em que Ronaldo e outros clientes não se enquadram.

Lancha também é acusado de impedir o trabalho de seus colegas, criando empecilhos para as pesquisas e atividades universitárias. Conforme relata o professor Bruno Gualano, Lancha perseguiu-o por um bom tempo, bem como ao docente Guilherme Artioli, que se viu obrigado a mudar de país.

“Fui perseguido, junto com meu grupo de alunos, em virtude da denúncia. A partir daí, sofremos diversos casos de assédio moral, sobre os quais já foram abertas diversas sindicâncias internas na Universidade”, alega. Atualmente, o denunciante tenta a transferência para a Faculdade de Medicina, mudança que ainda não foi aprovada no Conselho Universitário.

Entre os casos de assédio mais explícitos, Gualano destaca a expulsão dos laboratórios por parte de seu grupo de estudos, “através do descadastramento de suas digitais e das dos alunos”, o que impediu a realização de diversas pesquisas. Além disso, Lancha também teria feito um boletim de ocorrência por furto contra Gualano, quando este retirou do laboratório – ao qual não tinha mais acesso – objetos pessoais, que não pertenciam à unidade.

Gualano acusou também parte do corpo docente da EEFE e órgãos da USP de conivência com as irregularidades de Lancha, que segundo ele, possui “correligionários importantes”. As inconformidades são com a lentidão das sindicâncias e a falta de fiscalização da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (Cert), responsável por regulamentar modelos como a dedicação integral à docência, o que impediria Lancha de ter ou ser sócio de uma clínica.

Procurada pelo JC, a Cert declarou que, de fato, um docente sobre regime de dedicação integral não pode ser proprietário ou acionista de empresa privada. Contudo, alegou que a fiscalização de cada docente cabe ao seu Chefe de Departamento, cuja responsabilidade é denunciar à Comissão, que instaura a sindicância. No caso do professor Lancha, o órgão declarou desconhecer qualquer irregularidade.