Quando o progresso converte-se em retrocesso

(Foto: Giovanna Querido)

Teatro Oficina, CPC da USP e outros apoiadores lutam contra construção de torres no Bixiga

Por Ana Harada e Giovanna Querido

No dia 26 de novembro, uma grande manifestação em defesa do Teatro Oficina Uzyna Uzona, localizado na região central de São Paulo, mobilizou grandes nomes da classe artística, como Denise Fraga e Marcelo Tas, e também políticos como Eduardo Suplicy. O vereador, em entrevista ao JC, manifestou seu apoio à causa do Oficina e à construção do Parque. “Achei um lindo gesto, manifestação formidável, tranquila, pacífica.”

A mobilização surgiu em resposta à aprovação, no dia 23 de outubro, do projeto que prevê a construção de três edifícios no terreno vizinho ao Oficina, por iniciativa do grupo Sílvio Santos, em nível estadual pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat). De acordo com Carila Matzenbacher, arquiteta do Oficina, tal votação não partiu de nenhum diálogo entre as partes envolvidas. O grupo do Teatro Oficina, junto do vereador Gilberto Natalini propõe, como contraponto às torres, a criação do Parque do Bixiga, no local.

Ela conta que antes disso, em 2016, houve três reuniões com o conselho do Condephaat para discutir essa situação envolvendo o terreno pertencendo ao grupo Sisan, do Silvio Santos.  A problemática principal é que o terreno é historicamente associado ao Teatro e diversas atividades e apresentações acabam se estendendo para este espaço — isto sem contar o projeto arquitetônico e histórico da própria Companhia e do Bixiga. “[à época] A condephaat entendeu que qualquer coisa que fosse construída aqui deveria levar em consideração, não apenas o Teatro Oficina, que é tombado, mas também o bairro e os outros quatro imóveis, já que isso envolve um território cultural. Então eles não aprovaram as torres”. 

No entanto, no prazo de 15 dias depois dessa decisão, o grupo Silvio Santos entrou com um recurso na justiça, que acabou não sendo votado no ano de 2016. Apenas recentemente, em outubro de 2017, o recurso voltou a ser votado, após uma mudança nos membros do Conselho diante da nova gestão Doria. “Entraram oito novos conselheiros que são engenheiros civis, gente mais voltada para o mercado”, afirma a arquiteta.

No dia seguinte ao ato, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo – Conpresp – realizou uma reunião para deliberar o destino do terreno vizinho do Teatro, porém ela foi anulada pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil, o IAB, alegando irregularidades na nomeação das conselheiras da organização. Assim, a decisão sobre construção das torres foi adiada. Um nova tentativa de deliberação deveria acontecer na última segunda-feira, dia 4, mas foi mais uma vez adiada, indefinidamente,por decisão do conselho.

A Universidade de São Paulo, para além das relações históricas e culturais com o próprio Oficina — já que diversos professores foram e são parte da Companhia — também é afetada fisicamente pelo projeto dos edifícios. Isso porque o CPC (Centro de Preservação Cultural da Universidade de São Paulo) tem sua sede na Casa da Dona Yaya, localizada ao lado do terreno alvo da disputa e que também teria seu projeto arquitetônico afetado. Em carta aberta assinada pela Assessoria Jurídica Universitária da USP, diversos apoiadores demonstraram desaprovação a construção afirmando que esta descaracteriza o bairro do Bixiga e que o interesse público, que envolve o fomento aos espaços culturais e de convivência democrática, estaria sendo deixado de lado

Um conflito maior

Segundo a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Mônica Junqueira, o embate sobre a utilização do terreno ao lado do Oficina envolve aspectos mais amplos do que a disputa entre Zé Celso e Silvio Santos, muito explorada pela grande mídia.

O bairro do Bixiga é um patrimônio urbanístico com características próprias e peculiares: ocupação popular, forte comércio de rua e presença de pontos culturais. Sendo assim, a construção de torres voltadas para a classe média/alta impactaria negativamente toda a região. “Esse tipo de construção não dialoga com o bairro e pode levar a um processo de gentrificação”, explica.

A sugestão da professora ocupação do terreno, contudo, não é um grande parque, como propõe o vereador Natalini e Zé Celso, mas sim uma habitação social. Segundo ela, essa é uma necessidade dos moradores e público do Bixiga e também uma obra que concilia interesses conflitantes. Um complexo de moradias de cunho social completa, com áreas de lazer e serviços que aproveitem as especificidades do lote, incluindo as áreas embaixo dos viadutos, seria uma maneira de integrar o Oficina ao seu entorno, preservar os traços urbanos e, ainda, servir como publicidade para Silvio Santos.