O reitor diz a que veio

(Foto: Larissa Fernandes)

Candidato vitorioso da situação, Vahan Agopyan deve dar seguimento às políticas de austeridade da gestão anterior

Por Laura Castanho

Recém-empossado como reitor, Vahan Agopyan está preocupado com a falta de comunicação entre a academia e o resto do mundo. “Não estamos conseguindo mostrar a importância da universidade”, afirmou ao Jornal do Campus.

Em entrevista, ele reforçou sua posição pela austeridade financeira e acenou para a diversificação de custeio das atividades acadêmicas. Após dois planos de demissão voluntária, as novas contratações via USP serão feitas “em meados do ano que vem”, segundo ele. Já os recursos extras virão de vitórias legais contra o Estado de São Paulo, prestação de serviços a órgãos públicos e, a longo prazo, doações.

Nascido em Istambul e filho de refugiados armênios, o engenheiro foi diretor da Escola Politécnica e vice-reitor de Marco Antonio Zago na gestão anterior. Vahan está na USP há 48 anos e ocupa cargos administrativos há 26.

Ele nos recebeu em seu gabinete com acompanhamento do superintendente de comunicação social e da assessora de imprensa — que garantiu a sua própria cópia do áudio da entrevista. Foi exigido da reportagem o envio prévio das perguntas.

JC: A USP foi a última universidade estadual paulista a adotar cotas. Ao que o senhor atribui esse atraso?

Foi a última a aprovar, mas não a aplicar. Nossa co-irmã [Unicamp] não chegou a aplicar em 2017. A USP toma decisões sempre com muito cuidado, e é bom. Não foi uma coisa impositiva. Se fosse aplicar sem os estudos que a pró-reitoria fez nos últimos quatro anos, poderia ter problemas, reações, e não teve.

Essa demora foi positiva?

Foi positiva. Foi um convencimento. A comunidade hoje entendeu e aceitou, e a votação foi tranquilíssima.

Em entrevista, o senhor comentou que não é tarefa da Universidade ser uma entidade assistencialista. A que o senhor se referia?

Me referi [ao fato de] toda a responsabilidade da saúde da zona Oeste ficar nas costas da universidade [ele fala da situação do Hospital Universitário]. É muito cômodo para quem cuida da saúde deixar que a USP assuma. Vinte e cinco anos atrás, a USP arcava com apenas um terço do custo do HU. Um terço dos usuários era da comunidade USP. Hoje a USP arca com 92% do custo do hospital, e só 10% dos atendimentos são da comunidade USP. O custo foi passado para a USP, e isso não é tarefa da Universidade.

O senhor afirmou em reunião do Co que a emenda à Lei Orçamentária Anual do Estado — que destina R$ 48 milhões ao HU — fere a autonomia universitária. Como receber verba extra prejudicaria a autonomia?

Que verba extra, minha filha? Não tem dinheiro novo. O orçamento aprovado foi idêntico ao previsto. Não houve R$ 48 milhões a mais. A emenda é inócua, por isso não estou preocupado. Eles falaram “tem que gastar R$ 48 milhões em saúde”. Nós gastamos R$ 500 milhões [orçamento anual do HU]. O Legislativo não pode obrigar os órgãos públicos a contratarem gente, isso é ilegal.

Como fica esse imbróglio, politicamente?

Conversei com os dois deputados [Carlos Neder (PT), autor da emenda, e Marco Vinholi (PSDB), relator]. Eles falaram “ah, não é bem assim” e tal, “pensamos que era dinheiro novo”. Os dois se comprometeram a verificar. Dinheiro a mais é sempre bem-vindo. Se vierem R$ 48 milhões para o HU, eu vou aceitar.

Existe a possibilidade de a USP recorrer na Justiça contra essa emenda?

Não vale a pena. Ela é inócua, vou brigar por quê? Vou recorrer contra quem? Se eu recorrer contra a Assembleia, a Alesp vai falar “o que foi aprovado não fere a autonomia”. Se eu recorrer contra o governo, o governo fala “quem aprovou foi a Alesp”. Não tenho a quem recorrer. No segundo semestre, quando sair a Lei Orçamentária [estadual, para 2019], tem que ter um acompanhamento pari passu, porque pode aparecer uma coisa dessas.

A USP ainda está em crise? 

A USP não está 100% na sua parte financeira. No entanto, os riscos foram minimizados. Já vencemos essa etapa. Nenhuma universidade de pesquisa boa no mundo tem folga financeira. Se tem folga financeira, alguma coisa está errada, porque a pesquisa bem feita sempre é cara.

De 2014 para cá, o número de professores temporários na USP triplicou. Isso não poderia prejudicar o ensino?

Sim, mas continua sendo uma proporção muito pequena. Estamos falando de 200 e poucos professores [temporários] contra mais de cinco mil contratados. Se esse número inverter, prejudica com certeza. Mas o número relativo continua sendo mínimo.

Seu antecessor, Zago, foi acusado muitas vezes de não dialogar com os estudantes. Como o senhor pretende manter esse contato?

Já tive contato com o DCE. Eles indicaram representantes para trabalhar junto com a reitoria em eventos. O canal de diálogo com a graduação é o pró-reitor de graduação, que está mantendo uma rotina de conversas com a representação discente. A ideia é ter reuniões periódicas.

Em sabatina na ECA, à época da campanha, o senhor falou em acelerar o processo interno de resposta da USP em casos de abuso sexual, mas não chegou a especificar como isso seria feito. No que consistiria, especificamente?

Hoje temos uma rotina legal em que você faz um processo administrativo e ele define que houve alguma causa. Aí, ele passa para uma comissão, que chega a alguma conclusão. Isso está demorando dois, três anos. A procuradora-geral está estudando, e deve me passar em algumas semanas uma nova rotina para acelerar esse tipo de avaliação. Sem perder toda a parte legal, dando garantias de que a pessoa acusada vai ter o direito de se defender. Não poucas denúncias que vêm aqui e, no fim, se demonstram não fundamentadas. Até abril ou maio ela já deve ter criado [as rotinas]. Uma coisa que demora muito, e que talvez seja desnecessária: ouve-se testemunhas na fase da sindicância e na fase administrativa. Isso é duplicação de esforços. Pode ser que isso caia.

Na mesma ocasião, o senhor cogitou a possibilidade de diversificar o financiamento da Universidade. Quais são os planos concretos para isso?

As soluções são complexas e de longo prazo. Primeiro, a questão de endowment, coisa de 20 ou 30 anos. Você aceita doações de entidades externas e ele funciona como um fundo de investimentos. Segundo, conseguir oferecer como contrapartida algumas coisas que a USP faz e que o governo recebe de mão beijada. Podemos oferecer essa ajuda como prestação de serviços. A USP tem condições de colocar engenheiros, advogados, ambientalistas, matemáticos e cobrar por esse tipo de assistência.

Ainda nessa sabatina, o senhor e o professor Hernandes, atual vice-reitor, se comprometeram a ter uma conversa com o diretor da ECA sobre a questão das grades. Em que pé está isso?

Essa reunião já ocorreu. O professor Eduardo [Monteiro, diretor da ECA] e a professora Brasilina [Passarelli, vice-diretora] apresentaram algumas demandas de apoio para poder dinamizar e fazer as reformas necessárias e ficaram de apresentar o projeto.

O senhor afirmou estar aberto à possibilidade de remover as grades ou colocar um portão de acesso, por exemplo.

Ainda não veio nenhuma solicitação formal.

Mas o senhor estaria aberto a esse tipo de intervenção?

Se for aventada pela diretoria [da ECA], sim.

A instalação das grades custou R$ 631 mil, e no ano passado foi criado um curso de medicina em Bauru — um dos mais caros da Universidade. Esses dois episódios não contradizem o argumento de que a USP estaria sem dinheiro para contratações, por exemplo?

A grade é uma necessidade porque uma brincadeirinha, como [quando] quebraram aquele vidro [no prédio da reitoria] no ano passado, custou algo em torno de R$ 50 mil. A grade acaba sendo mais econômica para evitar manutenção. É uma questão de segurança e defesa do patrimônio da USP. Com o acordo que fizemos, estamos passando custeio do atual HRAC [Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, em processo de desvinculação e reforma] para o governo de Estado. Queremos que o novo HC [Hospital das Clínicas] que está sendo montado esteja de acordo com os nossos interesses. Lá já tem uma infraestrutura para cursos básicos que é sub-utilizada. O custo adicional da criação [do curso] de medicina é uma fração dos gastos que já temos hoje com o HRAC. No fim, vai reduzir as nossas despesas.

Então não há uma contradição.

Não tem. Foi um jogo de ganha-ganha-ganha.

Recentemente, o financiamento de pesquisa passou por uma série de cortes no país. Qual a dificuldade de convencer os políticos desse tipo de investimento?

Minha maior dificuldade não é convencer os políticos, é convencer a sociedade. A sociedade brasileira não está preocupada que a educação é imprescindível no país. Temos que utilizar a imprensa. Os fundos setoriais estão contingenciados há mais de 10 anos. Fundo setorial não é imposto, é o dinheiro que as empresas recolhem para fazer pesquisa porque tiveram concessões. É crime contingenciar. A imprensa não noticia isso.

Considerando o período da sua gestão, como o senhor vai articular isso?

Já estou conversando com meus colegas de São Paulo, tivemos várias reuniões. Desde que eu assumi, recebi vários deputados estaduais, secretários. Estamos tentando nos preparar para, quando houver um novo governo, conseguir já ter mais ênfase [em educação]. Como a sociedade não dá importância, os políticos não conseguem entender isso. Se não tivesse a Esalq [Escola de Agronomia da USP], a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], nós não teríamos o agribusiness segurando o país. Se não tivéssemos todo aquele trabalho de pesquisa em energia alternativa, hoje estaríamos cada vez mais dependentes de combustíveis fósseis. Não estamos conseguindo mostrar a importância da universidade. É um problema.

A reitoria cogita fazer um novo PIDV na sua gestão?

Não, não, não. Já tivemos demissões suficientes.

E se a situação econômica piorar?

Não tenho recursos para fazer PIDV. As reservas são muito pequenas para arriscar um novo PIDV. Não estamos com dinheiro sobrando.

Quando serão as próximas contratações via USP?

Meados do ano que vem. Primeiro precisa ver se precisa. Há necessidade de mais funcionários? Essa é a pergunta inicial.

O superintendente do HU afirmou que tem áreas com déficit de profissionais.

Sim, áreas pontuais.

Qual o critério para fazer essas contratações em um ano e não agora?

Eu não posso fazer um PIDV e depois contratar funcionários. É ilegal. Seria fazer uma esperteza, demitir funcionários com salários maiores e contratar com salários menores.

A questão dos professores temporários não acaba sendo isso? Eles têm uma carga horária grande e recebem abaixo do que seria adequado.

Eles são temporários. Esse é um ponto muito importante. Ano passado foram contratados docentes, esse ano serão contratados docentes. Quando surgir um problema específico, contratação temporária. Por isso que temos só 200 e poucos temporários. Já foram contratados mais docentes. A política para docentes é diferente da dos funcionários. Não fizemos PIDV para docentes. O temporário ganha [segundo] as nossas tabelas salariais. É só para dar aula de graduação, não fica aqui, diferente do professor RDIDP [Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa, categoria de professores concursados].

Há professores temporários que passam mais de 12 horas por semana.

Cada unidade tem a sua realidade, isso eu não saberia dizer. Mas professor com 12 horas não é proibido. Temos áreas de conhecimento específico que querem professores parciais.

A não-contratação não sobrecarrega os servidores?

Tem que ser feita uma análise de onde está faltando gente, do tipo de pessoa que está faltando. A questão pontual se resolve com transferências, como resolvemos na Escola de Aplicação.

Nesses casos concretos em que faltam funcionários, a solução seria a transferência?

É assim que está sendo resolvido. Precisamos verificar realmente onde tem de fato deficiência.

No caso específico do HU, como ficam essas contratações emergenciais?

Teríamos que fazer através de empresa. Se a prefeitura ou o Estado decidirem investir, eles podem colocar o dinheiro direto nessas coisas. É melhor, o dinheiro nem passa por nós, vai direto para a finalidade.

Sua gestão coincide com o início do adoção dos Parâmetros de Sustentabilidade Financeira, que devem limitar a folha de pagamentos a 85% do orçamento da USP até 2022. Como o senhor pretende conduzir essa transição?

Essa parte de sustentabilidade não é absurda. É uma transição. É um documento lógico que permite uma transição tranquila. O grande mérito desse documento é evitar que quem esteja na administração tome decisões que possam afetar o futuro da universidade.

91% do orçamento hoje vai para a folha de pagamento. Como baixar isso para 85%, na prática?

Você tem a melhoria da economia, que já é um fato real, não é mais uma coisa pontual. Agora, basicamente, [vai baixar] com maior arrecadação.

E depois?

Depois o reitor está tranquilo. É só não aumentar os custos demais. Também estamos tentando conseguir recursos que não são do orçamento real para colocar dentro da universidade. Por exemplo, aqueles acordos do passado que não foram cumpridos pelo governo. Quando abrimos Lorena, quando fizemos USP Leste, teve alguns acordos [nos quais] a interpretação do governo é diferente da nossa. Nosso jurídico está defendendo. Todo ano nós brigamos, discutimos. Essa gestão vai ter que fazer o acerto geral.

Isso não pode ser uma causa de atrito com o governo?

Aqui é uma universidade autônoma. Não sou um reitor de universidade federal, que tem que ir toda semana para Brasília pedir bênção. O reitor tem autonomia. Essa autonomia foi fundamental para colocar a USP em ordem. Se não fôssemos autônomos, para fazer um PIDV, ia demorar dois, três anos de aprovação para cá, aprovação para lá.

A atuação do órgão institucional de políticas de gênero, o USP Mulheres, ainda é limitada por financiamento e trâmites burocráticos, e chegou a ser alvo de protestos na frente da reitoria. O escopo de atuação desse órgão deve aumentar?

A professora Eva Blay trouxe um relatório para mim com todas as previsões do que precisa ser feito.

Mas há alguma previsão de aumentar a atuação ou o orçamento do USP Mulheres?

A professora Eva não pediu orçamento para mim. Quando ela precisar de recursos, costuma pedir pontualmente.

A bolsa-moradia está congelada em R$ 400 desde 2010. Há planos de reajustar esse valor?

O vice-reitor é o presidente da comissão de permanência estudantil. Ele vai criar o escritório de acolhimento aos alunos. Acho que ele vai ter dados suficientes para poder fazer uma proposta mais correta. Essa é uma das nossas prioridades, garantir que o aluno que entrou aqui consiga concluir.

O senhor se elegeu com um discurso fortemente centrado na excelência acadêmica. Em quais instituições de ensino internacionais pretende se basear?

Quando eu digo excelência, é priorizar sempre a qualidade, no ensino e nas atividades de extensão. Esse é o ponto básico. A excelência acadêmica não pode ser somente uma cópia. Cada país tem a sua especificidade. Estamos fazendo uma excelência que atenda às demandas da sociedade brasileira. São realidades diferentes. Não dá pra gente tentar copiar uma universidade da Cidade do Cabo. Mesmo quando você pega uma universidade de terceiro mundo, não dá para comparar.