“Não há saída no conservadorismo”

Para a historiadora Maria Aparecida de Aquino, atual fase do autoritarismo brasileiro é a “continuidade do que sempre fomos”

Professora Maria Aparecida de Aquino

Por Igor Soares

Desde a queda da presidenta Dilma Rousseff no ano de 2016, o Brasil enfrenta uma crise generalizada que afeta os mais diversos setores da sociedade. Observa-se uma forte onda conservadora tomando conta de vários países, ganhando força através das redes sociais, também no Brasil. Nesse cenário de total instabilidade das instituições públicas de poder fragilizadas por um golpe, são inevitáveis as comparações com o recente período ditatorial do país. 

 Em conversa com o Jornal do Campus, a historiadora Maria Aparecida de Aquino discute a atual situação do país, fazendo paralelos com o passado e analisando as diferenças e similaridades que podem ser observadas em cada período.

“Estamos vivendo um momento bastante difícil desde o impeachment da presidente Dilma”, comenta a pesquisadora. “Não podemos nos iludir acreditando que a situação complexa que estamos vivenciando não vá deixar marcas na sociedade”.

Veja a entrevista completa:

Desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, muitas comparações com a Ditadura começaram a ser feitas. Até que ponto tais comparações são cabíveis?

Acredito que comparações podem sim ser feitas, porém precisamos entender que a natureza dos golpes é muito distinta. Em 1964 houve um golpe de estado clássico protagonizado pelos os militares, no qual eles retiraram do poder um presidente legitimamente eleito e se instalaram. Já em 2016, não há militares e há uma tentativa de disfarce: o golpe foi travestido de outras cores para parecer legítimo. É importante uma comparação entre os danos causados por cada um. Por exemplo, nem os militares tiveram coragem de mexer na CLT; desta vez, foram feitas várias alterações em pontos que afetam diretamente a vida do cidadão, com uma rapidez absolutamente impressionante. Também é preciso destacar que o golpe foi articulado para impedir uma reação clara e imediata ao que está acontecendo.

Assim como em outros continentes, vemos o conservadorismo ganhando espaço no Brasil. Dizer que esse movimento é uma onda conservadora não seria assumir que nós sempre fomos progressistas?

O conservadorismo é algo que caracteriza a sociedade brasileira. A maior parte da população é conservadora: dessa forma, o movimento que vemos hoje é uma continuidade do que sempre fomos. Entretanto, é interessante lembrar uma passagem do livro “1968 Mudou o Mundo”, escrito por Marcio Moreira Alves, o qual alertava que a onda conservadora que viria após maio de 1968 seria brutal – e ele estava coberto de razão. O mesmo pode ser pensado agora. Desde o governo Lula e durante o governo Dilma nós tivemos uma onda de progresso, caracterizada principalmente pela inclusão social. O que observamos hoje também é uma reação a tudo isso. Realmente há uma onda conservadora mundial que afeta o Brasil e aqui encontra solo fértil devido ao conservadorismo inerente à nossa sociedade.

Há uma considerável quantidade de jovens que, cada vez mais, estão aderindo a discursos autoritários de figuras como, por exemplo, o deputado Jair Bolsonaro. Como esse tipo de adesão pode ser explicada?

Costuma-se pensar que os jovens estão sempre à frente dos ideais, porém nem sempre isso os caracteriza de fato. A juventude é também uma expressão do mundo que vivemos, ela reproduz o que lhe é ensinado. Como o Brasil possui um perfil absolutamente conservador, é possível entender o porquê de uma parte significativa, mas não majoritária dos jovens, estar abraçando ideias retrógradas que são perigosas para eles mesmos.

Há um clima de simpatia pelos militares. Por que a sociedade brasileira ainda confia tanto no exército? E por que o exército ainda se enxerga como capaz de solucionar todos os problemas do país?

Tudo isso está relacionado a uma tradição militar brasileira. Desde o início da República, em diversos momentos, os militares fizeram intervenções no poder, as quais sempre possuíam uma característica salvacionista. Acreditava-se, tanto por parte dos militares, quanto da população, que eles viriam, fariam uma pequena intervenção e salvariam o país de um possível abismo. Essa ideia de salvação através da força ainda é muito forte.

Qual sua avaliação sobre a intervenção federal no Rio de Janeiro?

A intervenção federal que aconteceu no Rio é uma forte medida contra a preservação do estado democrático de direito. A sociedade precisa se manter bastante atenta ao que está acontecendo e não deve, de maneira alguma, aceitá-la com normalidade. Uma medida como essa pode ter consequências extremamente graves, dando margem para que isso ocorra mais vezes.

Em um momento de tensão como agora, a senhora acha que a comunidade acadêmica brasileira vem cumprindo seu papel?

A universidade tem que estar atenta e desvendar para a população os dilemas que vivenciamos. Porém, há um problema: nos anos 1960, a sociedade sentia-se representada pela universidade pública. Com o passar do tempo e com a decadência do ensino público, básico e médio, houve um distanciamento entre a população e a universidade pública, porque ela não se sente representada ou sequer tem acesso às instituições. Temos que pensar maneiras de superar essa barreira com a sociedade.

Ainda sobre seu período de graduação: havia discussões similares às atuais, como as questões de gênero?

No início da década de 1970 ainda não havia uma forte discussão sobre feminismo na universidade. O feminismo chegou com força  no Brasil a partir de 1975. As primeiras obras nacionais importantes e significativas sobre o tema surgem em 1978. E também devo dizer o seguinte: naquela época, todos estavam muito preocupados – e com razão – em como sair do regime militar. Essa era a nossa grande luta.

Fazendo um breve balanço histórico do que ocorreu após o fim do período ditatorial, em quais aspectos evoluímos e retrocedemos?

Como disse antes, a sociedade brasileira é absolutamente conservadora em sua forma de ser. O autoritarismo vivenciado aprofunda o espírito conservador da nossa sociedade. Ele deixa como marca uma tendência na crença de que o conservadorismo é a saída para os problemas do país – e ele não é. Não há saída no conservadorismo. Entretanto, apesar de tudo que foi vivenciado ao longo dos anos, podemos dizer que houve uma evolução na sociedade. Fazendo uma análise da atualidade, um dos exemplos disso foi a reação e mobilização diante do assassinato da vereadora Marielle Franco, que tomou dimensões internacionais.

O impeachment de Dilma Rousseff pode diminuir a presença de mulheres na política, sobretudo em cargos de comando?

Para uma sociedade conservadora como a nossa, é difícil acreditar que uma mulher pode governar o país e ser competente naquilo que ela faz. O fato da presidenta Dilma ter sido retirada do poder de forma ilegítima é, de fato, um problema grave. Mas sou otimista, mas acho que não se pode deixar de pensar que virá uma outra mulher. Por mais horrível que o impeachment tenha sido, acredito que ele não deixa essa marca negativa. Já existem muitas figuras femininas importantes e significativas que estão começando a aparecer e a ganhar força.